Carta para você

EPÍLOGO – Um Dia de Ação de Graças, Um Marine e Um Navy SEAL


Não posso dizer que não tive uma boa vida... apesar dos meus erros, da minha teimosia e, às vezes, por tentar fazer as coisas sozinha, quase perdi tudo isso. Ainda bem que não desisti, ainda bem que não desistiram de mim.

Sim, não foi fácil como todos pensaram que poderia ter sido. Mas valeu a pena. Tudo valeu a pena, mesmo os momentos de dor. Para ter o que tenho hoje, eu faria tudo de novo e de novo.

É incrível o que os anos podem fazer e podem te dar. Eu não imaginaria que nada disso seria possível quando a minha vida virou de ponta cabeça em 1995. E muito menos que tomaria um rumo completamente diferente quatro anos depois.

Se a morte de meu pai me trouxe para o NCIS. Foi me apaixonar pelo meu parceiro que me trouxe a minha família. Sim. Teve um tempo que o meu trabalho viria em primeiro plano, todavia, como tudo na vida, nós mudamos de ideia, e vê que até mesmo as prioridades mudam.

As minhas mudaram drasticamente ao longo dos anos, mas sempre tiveram uma constante. Ou melhor três. Jethro, Kelly e Sophie.

Dessas três constantes, eu ganhei mais algumas. E juntando todas, formei uma família que nunca imaginei que seria possível ter. De parceiros em missões de alto risco, de colegas de trabalho, de fiéis assistentes, eu ganhei amigos que me defenderiam em qualquer lugar, em qualquer situação, e eu faria o mesmo por eles.

E é esperando por essa família que eu estou aqui, no meio da cozinha, pano de prato no ombro e mãos na cintura, pensando no que mais falta para o jantar de Ação de Graças. Queria muito que o "meu eu" mais jovem me visse agora. Com certeza "o meu eu mais novo" teria um colapso só de pensar nessa possibilidade.

Eu contava mentalmente quantas pessoas viriam, para ter certeza de que tudo era mais do que suficiente, e não pude deixar de sorrir ao fazer a soma.

— Posso saber o motivo por trás do seu sorriso? – Jethro me abraçou por trás e beijou a minha nuca.

— Só pensando como foi que vim parar nessa situação. Sabe, com uma família tão grande...

Ele riu no meu ouvido.

— Não me peça para pedir desculpas. Você conhece a regra.

Foi a minha vez de sorrir.

— Sim, Jethro, eu conheço. Esqueceu que tenho todas as suas regras devidamente anotadas?

— Anotadas e em um quadro! – Ele completou.

— Culpe Sophie por isso. – Virei para ele e apoiei minha cabeça em seu ombro.

— Falando na Ruiva, ela vem neste ano, não é?

— Sim. Parece que a Diretora do NCIS liberou a Agente Especial em Treinamento Sophie Shepard-Gibbs para que venha passar a Ação de Graças conosco. – Disse séria.

— Ainda bem que liberou, senão eu teria uma conversinha com essa tal Diretora. Ninguém vai me impedir de ter a minha caçula ao meu lado nesse jantar.

— Caçula!? Sua caçula já tem vinte e quatro anos, tem três graduações e é uma agente federal, Jethro! – Eu disse rindo da escolha de palavra dele.

— Para mim ela vai ser eternamente aquela garota de cinco anos, com os braços com curativos roxos que ficou no meu colo em um dos piores dias minha vida. – Ele disse voltando ao passado. Mais precisamente ao dia em que ele efetivamente viu a filha pela primeira vez.

— Eu tenho uma outra lembrança.

— Claro, o dia em que ela nasceu!

— Não. Um dia em que ela tinha os cabelos completamente bagunçados, parecendo um leão, e estava ajudando o pai e a irmã mais velha a fazer os móveis que seriam da casa de Kelly. Ela nunca esteve tão feliz quanto naquele dia. Até hoje posso ouvir a risada dela. – Disse saudosa.

Jethro me acompanhou no pensamento. Eram tantos momentos que não daria para lembrá-los naquela tarde.

— Têm sido bom, não tem? – Ele me perguntou depois de um tempo, nós dois resolvemos que ficar ali, no meio da cozinha, abraçados, era a melhor pedida antes que a casa ficasse completamente tomada por todas as nossas visitas.

— Não trocaria por nada desse mundo! – Respondi e peguei o seu rosto para um beijo.

— Nem eu. – E o sorriso dele ainda era capaz de me deixar com as pernas bambas.

Eu poderia ficar assim pelo resto da minha vida, porém, tínhamos um jantar para preparar. E a nossa família não esperaria.

Família. É, essa família passou por muita coisa também.

Começando pela casamenteira Kelly. Quem poderia imaginar que o namorado de colégio seria o grande amor da vida dela? Depois de vinte e cinco anos juntos, eles estão casados, felizes e têm três filhotes. Dois meninos e uma menininha, a quem eu me refiro com orgulho que são os meus netos. William é o mais velho, hoje já tem doze anos, e pelo que tudo indica irá seguir a profissão do pai, para o desespero de Jethro que nunca aceitou que o genro fosse um político, bem, sendo mais específica, a história desses dois é bem interessante.

Henry sempre apoiou Kelly. Principalmente quando ela quis seguir a carreira militar. Mesmo quando ela tinha que partir para missões de meses, ele ficou aqui, esperando por ela. Enquanto ela não voltava, ele dedicava o seu tempo à política, estava em seu sangue, não tinha como negar. De vereador, ele passou a prefeito de Washington. E foi reeleito. O fato de ter uma esposa militar pesava nas urnas, o povo sempre gostou de uma história de amor com um certo drama.

Sendo o prefeito com a maior popularidade da história, mesmo entre os republicanos – ele é do partido democrata – foi logo cogitado que ele poderia tentar uma carreira como deputado. Foi o que ele fez. Era novo ainda, cheio de ideais, um mandato como deputado, e saiu para senador. Foi aqui que Kelly fez a maior mudança da vida dela. Sabendo que Henry como Senador teria muito mais trabalho, ela passou para a reserva e foi ser médica em tempo integral. Tão integral quanto uma mãe de dois meninos poderia ser. Contudo, bastaram dois anos como senador e o partido o lançou como candidato a presidente. Não deu outra, ele ganhou. O presidente eleito com o maior número de votos da história. Kelly deixou temporariamente a medicina e está sendo somente uma coisa hoje, Primeira Dama. Sim, minha filha adotiva é a Primeira Dama dos EUA.

Jethro não diz, mas bem que está orgulhoso de quem a filha se tornou. Mas a maior felicidade dele mesmo são os netos. William, o mais velho, tem doze anos hoje. Claramente puxou o pai em tudo, é loiro e tem olhos verdes escuros, que às vezes eu juro que são castanhos, é tão o menino do papai, que até a carreira que ele quer seguir é a mesma. Jackson é o do meio, tem oito anos. E é Jethro encarnado. Desde a cor dos cabelos e dos olhos, até a atitude. Não preciso dizer que é o favorito da tia Sophie. Jack, como o chamamos, já sabe o que vai ser, Marine, como o avô. Fico pensando o que o lado paterno acha disso. Dois meninos na família foi uma reviravolta e tanto para quem estava acostumado a ficar cercado de mulheres, e Jethro ama cada segundo que passa ao lado dos meninos. E, há dezoito meses, Kelly deu à luz ao seu terceiro – e último, como ela afirma – bebê. Uma linda garotinha ruiva com grandes olhos azuis iguais aos da mãe. O nome dela é Kate, em homenagem a Kate Todd. E ela é a fofura da casa, desbancando Sophie, na preferência de Jethro.

Mas a família não cresceu só com estas três crianças.

Tony e Ziva, depois de muito dançarem em círculos, finalmente estão juntos e felizes. Mas não foi tão fácil assim. Há nove anos, Ziva deu à luz a uma menina, Tali, nomeada em homenagem à irmã mais nova dela que morreu em um atentado. Depois de uma fase complicada, onde Ziva teve que fingir morrer para poder salvar a todos de uma mulher que queria vingança pela morte de Ari, ela ressurgiu das cinzas e, após reatar com Tony e se casarem, os dois tiveram um menino, Adam. Duas crianças com nomes hebraicos para que ela nunca esqueça de onde veio. Tali tem muito da mãe em suas feições, mas é Adam quem mais lembra os pais, ou melhor, o pai. O pequeno garotinho é a cópia exata de Tony e, pasmem, o afilhado de Sophie. E quando junta com Jack, somente a Tia Ruiva para pará-los.

Tim encontrou sua alma gêmea também dentro do NCIS, e mesmo que Sophie tenha previsto que MCAbby fosse acontecer, eles demoraram a se acertar e decidir o que realmente queriam. Mesmo assim, hoje, nem parece que Timothy McGee e Abigail Sciuto levaram oitos longos anos para dizerem sim. Poderia ter sido mais cedo? Creio que não, tudo aconteceu no tempo deles. E hoje os dois estão felizes vivendo sua vida de casal com os gêmeos, John e Meg. Cada um a cópia de um dos pais, e calma, John é a cópia de Abby e Meg de Tim, e é até engraçado. Nem preciso dizer que ambos têm uma inteligência ímpar que coloca qualquer um dos adultos malucos.

Jimmy se casou com Breena, e depois de muito tentarem adotar um bebê, eles foram agraciados com a vinda da própria bebê. Victória Elizabeth foi nomeada em homenagem à finada mãe de Ducky, é a garotinha mais doce que eu já conheci, que hoje tem nove anos e me chama de vovó como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Falando em Ducky, ele se aposentou há alguns anos, do cargo de legista, pois do NCIS eu nunca seria capaz de deixá-lo sair. Então inventei um novo cargo para ele, historiador. Sim, aquele que sempre gostou de contar as histórias de onde ele tinha passado, agora contará a história da agência onde ele passou os últimos trinta anos. O cargo não veio com uma arma e um distintivo como ele tanto queria, mas ele pode ir e vir quando quiser e pode, claro, dar a sua opinião o quanto quiser.

Está faltando alguém, eu sei. Mas como vou resumir os últimos dezesseis anos de Sophie?

Bem, por mais que tenhamos mostrado a ela outras oportunidades de carreira, desde a arquitetura, até a medicina, ela foi teimosa – o que não nos surpreendeu em nada! – e optou pelo direito, igual a mim, se especializando ao mesmo tempo em criminologia e psicologia forense, linguística – em especial idiomas do leste europeu e oriente médio - isso sem contar em Direito Naval e Internacional. Sim, minha filha fez da sua formação acadêmica um verdadeiro guia para se tornar uma Agente Federal do NCIS. Fato que ela só contou quando tinha acabado de receber o diploma. Não preciso dizer que a formatura dela na faculdade foi mais emotiva que a de Kelly. Ali, eu e Jethro tivemos a certeza de que a nossa casa, agora, estava completamente vazia. Kelly, há muito, vinha nos visitar em raríssimas vezes, ser Primeira Dama tem lá as suas desvantagens, e Sophie, após o treinamento no FLET-C, foi escolhida a dedo por Hetty Lange para integrar a Equipe de Operações Especiais em Los Angeles, a mesma Los Angeles que quase me tirou dela.

Jethro brigou, bateu o pé, ele queria a filha do lado dele, sendo treinada por ele, mas de nada adiantou. Era a vez do escritório de LA escolher o melhor novato e Hetty não perdeu tempo. Me lembro como se fosse ontem, Jethro revoltado, andando de um lado para outro dentro de casa, murmurando que era ele quem deveria ensinar Sophie como ser uma agente, que era ele quem deveria treiná-la. Afinal, ele já tinha treinado muita gente, inclusive a atual Diretora.

Chegou em um ponto que ele estava tão desolado com a partida da caçula que eu tive que falar para ele se sentar e eu repassei um único detalhe a ele. Quem havia treinado Sophie fora ele. Só que ela nem agente era ainda. Ele me olhou descrente.

— Jethro, nossa Ruiva cresceu dentro do NCIS. Toda santa vez que ela podia, ela estava na sala do esquadrão, do seu lado, ou do lado do Tony, olhando, observando tudo o que vocês faziam, principalmente o que você fazia! Você se esqueceu que quando ela tinha dez anos ela foi capaz de opinar sobre uma pista em um caso em que Tony estava liderando, e essa pista foi a que levou ao culpado?

Jethro me olhou e balançou a cabeça negativamente, é claro que ele se lembrava desse dia, ele tinha ficado todo orgulhoso do que a filha tinha feito.

Mesmo assim, ele disse que era diferente. E eu tive que tornar levá-lo ao passado. O caso que Sophie resolveu, sentada na mesa dele. Ela estava de férias e com o pé direito imobilizado, tinha quebrado o pé em uma apresentação de balé e estava de molho por todo o verão, sem nada para fazer, e com treze anos, resolveu que poderia ficar bisbilhotando pelo NCIS, ou melhor, que poderia ficar lá, se intrometendo na investigação da MCRT. Foram dois meses de aprendizado, e quando menos esperávamos, ela estava debruçada sobre o arquivo de provas e observava atentamente um detalhe em uma foto. Uma tatuagem. Ela tinha achado a assinatura do Serial-killer que estávamos atrás há mais de três meses. E, a partir desse momento, ela caiu de cabeça nessa investigação, e ao final, se pudesse, teria feito a prisão e o interrogatório. Mas teve que se contentar em assistir ao pai e a Tony interrogando o sujeito. Foi nesse dia que eu percebi que ela seria uma agente, não importava o que acontecesse. Quando disse isso a ele, Jethro apenas abriu um sorriso. Ele sabia também que não tinha como Sophie fugir desse destino.

Porém, a gota d’água das provas foi uma das coisas mais malucas que ela tinha feito, tudo com a minha autorização. Hetty Lange, a mesma Hetty que hoje é a chefe da minha filha, tinha me ligado, dizendo que precisava de uma tradutora, e que o único nome na lista de pessoas que falavam o idioma era o meu. Eu ri. Isso era raro. Ainda mais depois de tanto tempo em que eu estava no cargo de Diretora, mas aí, a pequena ex-agente da CIA, deu o pulo do gato, e me disse que, se eu falava tal idioma, ela tinha certeza de que a minha filha falava também, afinal, ela conhecia Sophie e sabia que a Ruiva falava todos os idiomas que eu falava e mais alguns por aí. Confirmei sem ao menos pensar e ela me pediu que enviasse a minha filha, então com dezenove anos, e estagiária do Departamento de Defesa, foi para LA. Eu não vi problemas, ela estava de férias e era só uma tradução. Ledo engano meu. Uma semana depois, Sophie retornava da viagem, enquanto ela ainda estava dentro do avião, eu recebi o relatório do caso para conferência. Sophie não só traduziu o documento, como também acabou por atuar infiltrada em uma escola de ensino médio. Disfarçada com uma peruca lilás, lentes de contato castanhas, ela se passou pela filha de um oficial da Marinha do alto escalão, ninguém mais do que G. Callen, o mesmo que foi tanto meu parceiro quanto de Jethro e que havia dado a ela uma de suas primeiras bonecas – que ela ainda tem guardada em seu quarto. Quando ela descobriu quem era o terrorista entre os alunos, ela passou a informação para o escritório, porém, a célula era maior do que o imaginado, e quando eles foram fazer a extração dela do local, Callen, Sam, Kensi e Deeks foram pegos em uma emboscada. Houve um enorme tiroteio, e Sam estava bem no meio do fogo cruzado, Sophie que até então, estava desarmada, pegou a arma reserva de Callen, e enquanto os outros três tentavam ajudar Sam, ela avistou um atirador. Minha filha não pensou duas vezes, saiu de trás do carro e atirou, duas vezes, no sniper. Um dos tiros pegou na mão dele e outro travou a arma. Com Sam fora da linha de tiro, e tendo um a menos no jogo, ela ajudou a equipe a terminar o serviço. No final das contas, acabou por levar um tiro de raspão na cintura, nada preocupante, mas mesmo assim, foi o suficiente para quase fazer o meu coração parar quando li sobre o ocorrido.

Quando ela aterrissou em Washington, Jethro já sabia do acontecido e foi buscá-la no aeroporto. Ele, assim como eu, não sabia o que queria fazer, se queria gritar com ela por ter aceitado entrar no meio de uma operação sem ser uma agente e sem ter treinamento, ou se simplesmente a abraçava forte e agradecia que ela estava viva, bem, e longe, muito longe de LA. Jethro escolheu pelo silêncio, não falou nada, apenas observou como ela estava – inteira e relativamente bem – e, a trouxe para o Estaleiro, se recusando de todas as formas que ela pegasse um UBER quando o tempo estava tão ruim – estávamos no meio de uma tempestade de inverno – e ele era muito capaz de dirigir para trazer a filha até aqui. Quando ela chegou, a equipe inteira fez fila para xingá-la. Não teve um que não passou um sermão na Ruiva. Ela, sabiamente, ficou calada, escutando cada um falar. No final, quando todos os sermões acabaram, inclusive o meu, ela nos olhou nos olhos, e disse simplesmente, “Sabe por que nada de ruim me aconteceu? Porque eu aprendi tudo isso com vocês, afinal, essa aqui não é a melhor equipe do NCIS à toa, não é?” e com isso ela desarmou a todos, principalmente ao pai. Quando todos foram embora para suas casas e suas famílias, e, Kelly tinha desligado, depois de uma ligação de noventa minutos, e ficamos só nos três, Jethro abraçou Sophie apertado e disse: “Nunca mais faça isso comigo, Ruiva, eu já não tenho mais idade para isso!” Ela não prometeu que ficaria quieta, mas disse que tomaria cuidado e deu um beijo na bochecha do pai. Quando eu a olhei feio, ela fez a mesma coisa comigo e, depois de dar um braço para mim e o outro para Jethro, disse, na maior cara de pau, “Vocês não podem dizer que não viram isso vindo, afinal, foram vocês quem me treinaram desde pequena!” E foi aí que o destino dela estava selado.

Então, já faz um ano desde que ela assumiu o posto na equipe de Hetty, seguindo ordens de Callen, trabalhando junto com Kensi, Deeks, Eric, Nell e do próprio Sam. Ela, liga todos os dias, não porque ela precisa ouvir a nossa voz para dormir, mas porque somos nós que não conseguimos dormir sem que ela dê sinal de vida, e nossa filha não se importa nem um pouco com isso. E, falando nela, é a única que ainda não chegou para a ceia de Ação de Graças, pois até as novas adições da equipe, Ellie e Nick, já chegaram.

Estávamos todos juntos na sala de estar, apenas esperando para dar uma hora aceitável para começar a comemorar, a crianças brincavam na sala ao lado, e eu paparicava Kate, quando ouvimos a voz de Sophie.

— Oi vocês aí de dentro!!

Ouvimos ela deixar as chaves do carro na mesinha da entrada e, ao mesmo tempo bater os pés para tirar o excesso de neve, acontece que não foram só dois pés que bateram no chão. Foram quatro. E, trinta segundos depois, ela aparecia na nossa frente, com seus saltos altos, sua roupa chique e de mãos dadas com um rapaz, bem mais alto do que ela. Ele tinha cabelos castanhos, olhos azuis e um porte de militar.

— Oi gente! – Ela disse feliz. – Esse aqui é o Steve. Steve McGarrett. Meu namorado.

Eu tinha que admitir, minha filha tinha bom gosto. O rapaz era realmente bonito. E era o primeiro namorado que ela apresentava oficialmente. Não que ela já não tivesse namorado, tanto eu quanto Jethro já tínhamos visto ela com um rapaz antes, mas acho que não foi para frente e ela não quis arriscar apresentar a família para alguém que ela sabia que não ficaria por perto por muito tempo.

Eu me levantei para recebê-lo. E pude notar que ele realmente gostava dela. Muito. Só pela forma como ele estava se portando ao lado dela.

— Jennifer Shepard, minha mãe! – Sophie me apresentou e eu estendi a mão na direção dele. – Steve McGarrett. – Ele repetiu o gesto. E eu vi nos olhos da minha filha, enquanto ela nos apresentava, que ela amava esse homem. Na mesma intensidade que eu amava o pai dela.

Falando no pai dela, onde estava Jethro?!

Sophie estava apresentando cada um dos membros da sua família ao namorado quando Jethro apareceu.

Que ele era ciumento, eu já sabia. Que ele queria as suas meninas só para ele, também. Mas eu nunca imaginei que ele fosse fazer isso.

Sophie estava de costas para a porta do escritório do pai quando ele saiu lá de dentro, mas ela sempre soube reconhecer os passos dele, e estava se virando, com um sorriso lindo nos lábios para apresentar Steve a ele quando ela notou o que Jethro tinha nas mãos.

— Pai! Por favor!! – Ela pediu.

E de nada adiantou. Jethro, ao invés de ser o sogro gente boa, afinal, ele já tinha passado por isso com Kelly, resolveu ser o sogro ciumento. E o fato de que a filha mais nova estava segurando a sobrinha nos braços só piorou a visão. Afinal, Kate era ruiva e tinha olhos azuis, e poderia facilmente se passar como filha do casal.

— Você quer namorar a minha caçula, é? – Jethro disse com um sibilar, apontando a Winchester que ele herdara do pai, diretamente para o peito do rapaz.

— Senhor... – Steve tentou dizer.

A essa altura, Henry, Tony, Tim, Jimmy e Nick riam da situação.

— Papai, não precisa nada disso. Por favor. É Ação de Graças! – Sophie tentou de novo.

— Esse aí não vai te namorar não, Sophie. – Jethro nem a olhou para responder, e estava forçando Steve a sair da casa.

— Até que o McGarrett é corajoso. Qualquer um já teria saído correndo! – Tony riu. Ziva, por sua vez, bateu no marido.

Kelly olhou para mim, eu tenho certeza de que ela se lembrou da história que eu contei para ela em uma de nossas cartas. Aquela em que meu pai faz quase a mesma coisa que Jethro está fazendo agora.

A essa altura, Steve estava do lado de fora, Jethro apontava a Winchester para ele e Sophie pedia pelo amor de Deus que o pai parasse e a ouvisse. Quando dei por mim, Sophie correu porta adentro, entregou a sobrinha para a irmã e correu para fora de novo.

Foi a minha vez, e a de todos, de corremos para a porta. Steve estava do outro lado da rua, Jethro o mandava correr, pois ele gostava de atirar em alvos móveis. Como Tony disse, Steve era corajoso, ele não se moveu. Foi quando Jethro preparou a mira, para ser interrompido por Sophie.

Minha filha parou bem na frente da espingarda. Bem na frente do cano. Jethro a mandou sair. Ela bateu o pé e disse que ficaria ali.

— Sophie Shepard-Gibbs, saia da frente dessa arma agora! – Ele ordenou.

— Não! – Se o senhor for atirar no Steve, vai ter que atirar em mim primeiro! – Ela o desafiou.

Jethro abaixou a espingarda e encarou a filha. Ela o encarou de volta. Ambos com a mesma intensidade. Era a minha hora de intervir.

Pelo canto do olho vi que Steve se aproximava de Sophie. Jethro sibilou algo ininteligível para o rapaz. Sophie sibilou outra coisa, notei que eles conversavam em russo. Essa era a maneira deles de conversarem às sós mesmo estando cercados de pessoas, só os dois sabiam falar russo ali.

Quando os alcancei, coloquei minha mão no ombro de Jethro, ele tentou tirá-la de lá, ainda encarando a filha mais nova.

— Jethro, por favor. – Eu pedi.

— Jen, não é hora. Minha Ruiva não vai namorar um político! Já basta o Engomadinho! – Ele disse apontando com a arma em direção ao genro e ao que ele estava vestindo. E olha que o “Engomadinho” era o Presidente do país!

Sophie conseguiu manejar a arma e abaixá-la das mãos do pai, para então dizer.

— Steve não é um político, papai! Ele é um Navy Seal!

Eu teria preferido que ele fosse um político.

— Ele É UM O QUE?!! – Jethro que já estava vermelho de raiva, ficou em um estranho tom de roxo.

— Qual é pai!! Ele é militar, assim como senhor, como o vovô Jackson, como o vovô Jasper e a própria Kelly foram!!

NAVY SEAL?! Sophie! Você...

— Não comece, os Marines tem problemas com o Exército, não com a Marinha e muito menos com os SEAL’s. Papai, por favor. – Ela pediu o olhando nos olhos. O mesmo olhar que ela sempre fez e que sempre derreteu o Marine mal-humorado.

Jethro permaneceu impassível por um tempo, eu tentava segurar o braço dele para que ele não erguesse a espingarda de novo e Sophie estava parada bem perto, tampando a mira dele. Ao fundo, escutei a risada de Kelly.

— Agora sim faz sentido! Sophie sempre se derreteu por um homem de uniforme. E sempre teve uma queda pelo Budweiser dos SEAL’s.

Sophie retrucou na hora.

— Nenhum agente do Serviço Secreto que está aqui fora será capaz de te defender, Kelly, se eu resolver te matar. Então, por favor, entre, proteja a sua cara de Primeira Dama e me deixe resolver isso aqui! – Ela sibilou, claramente irritada com o comentário.

Henry levou a esposa para dentro, nessas horas ele era o único que tinha senso de preservação, ou que Jethro sempre disse, era sempre o molenga da família. E Sophie continuava a olhar para o pai.

Jethro colocou a espingarda de lado, entregando-a a mim, e meneou a cabeça, tinha concordado em ser apresentado ao rapaz. Para o meu alívio e o de todos que estavam parados na porta assistindo à cena.

Steve deu um passo à frente, estendeu a mão na direção de Jethro, que imitou o gesto e apertou a mão do, agora, genro. Contudo, sem nenhum aviso, a mão esquerda de Jethro se fechou em um punho e ele a levou de encontro ao rosto do Navy Seal, acertando em cheio o nariz dele.

— PAPAI!! – Sophie gritou desesperada.

— JETHRO!! – Eu acompanhei a minha filha. Mas o estrago estava feito.

— É assim que você vai ser recebido nessa família! – Jethro avisou à Steve. – E se, por qualquer motivo, você machucar a minha filha, se a fizer sofrer, se ela chorar por sua causa, eu vou pegar essa espingarda e vou te caçar até que eu te mate, entendeu, Navy SEAL?

Na mesma hora, e mesmo com o nariz sangrando, Steve se levantou e concordou com a ameaça de Jethro.

— Sim, senhor, eu entendi. Eu vou tomar conta da Sophie direito, senhor.

Eu tinha que admitir, McGarrett era muito mais corajoso que Henry, e, mesmo debaixo do pior olhar que meu marido poderia fazer, ele não se mexeu. Ficou lá, encarando de volta, sem demonstrar nada além de respeito pelo Marine que estava na sua frente. Minha filha tinha escolhido bem!

— Acho bom ter entendido mesmo. E qualquer gracinha ou mão boba na minha frente, você já sabe...

Vi que Sophie iria protestar, mas ela já tinha visto o que o pai poderia fazer, então se manteve quieta e apenas disse:

— Podemos entrar agora? Eu estou congelando, e o senhor e mamãe também! E tenho que ver se o senhor não quebrou o nariz do Steve!

Jethro deu passagem para filha, que, antes que ele pudesse fazer ou falar qualquer coisa, pegou a mão do namorado e o guiou porta adentro.

Ficamos nós dois lá fora.

— Ela não precisava ter trazido esse SEAL hoje. – Ele reclamou comigo.

— Você prestou um pouco de atenção nos dois? – Perguntei com carinho.

Jethro me encarou. Era claro que não. Tudo o que ele viu foi um rapaz que tentava levar a sua garotinha ruiva para bem longe dele.

— Deveria ter reparado. - Falei.

— Por qual motivo? – Ele parou de andar, me fazendo olhá-lo.

— Porque os dois se movem e se olham da mesma maneira que nós dois fazemos. Eu vi nos olhos dele, Steve olha para Sophie da mesma maneira que você olha para mim. E eu li nos olhos da nossa filha, Jethro, ela o ama incondicionalmente. Eu já vi aquele brilho que ela tem no olhar dela.

— Onde? – Ele me perguntou descrente.

— Em mim. Na manhã em Marselha, depois que dormimos juntos pela primeira vez. Eu não soube reconhecer na época o que significava, mas hoje eu sei. Aquilo é amor.

Jethro respirou fundo.

— Não pense que isso vai me fazer pegar leve com o tal de McGarrett, pois não vai.

— É seu dever de pai tomar conta das suas filhas, Jethro, só não estrague a felicidade dela. Eu quero vê-la por aqui, e quero vê-la com aquele sorriso imenso e os olhos brilhando de felicidade. Seja o pai, não um carrasco, por favor. – Eu pedi levando a minha mão ao rosto dele. – E eu sei que você a quer por perto e quer vê-la feliz tanto quanto eu.

Ele retribuiu o meu carinho, e disse:

— É difícil saber que ela não vai mais correr na minha direção para dar um abraço. Quando Kelly se casou, eu tive Sophie do meu lado para amenizar o fato de que tinha perdido a minha primogênita, Sophie estava sempre ali, pronta para me dar um abraço ou um beijo. Agora eu vou perder isso também...

— Não vai não! Sophie é desse jeito, se quando ela era adolescente ela não deixou de fazer isso, não vai ser agora que ela vai deixar de fazê-lo. Jethro, me escute, você vai ser sempre o papai, o herói dela, mesmo cheio de defeitos. Porque ela sabe que quando ela precisar, é para você e para mim que ela pode correr e pedir por ajuda.

Ele suspirou resignado. E entrou na casa, o segui de perto e quando chegamos na sala, Sophie estava entregando um pacote de gelo para Steve colocar no nariz, mas eu pude notar que ela sorria, acho que ela já esperava por isso.

Quando ela nos viu, veio na nossa direção e contrariando tudo o que Jethro havia dito lá fora, ela nos deu abraço de tirar o fôlego e um beijo na minha bochecha e na bochecha do pai.

— Eu senti tanto a falta de vocês na Califórnia!!! É a única parte ruim de estar lá...

Dei uma olhada na direção de Jethro. Ele só abriu um sorriso, certas coisas não mudam.

— E a minha falta? Você não sentiu falta de mim não, Peste Ruiva? – Tony disse, entrando na sala.

Steve levantou a sobrancelha quando Tony mencionou o apelido. Sophie logo o respondeu:

— Se acostume, SEAL, eu tenho uma penca de apelidos, mais precisamente cada um aqui me chama de um jeito, sendo que Sophie é o mais raro deles! E coloca esse gelo no nariz direito, não quero ter que viajar com você de nariz roxo do meu lado!! – Ela mandou e ele obedeceu na hora.

— Bem Tony. É claro, né, Meu Italiano de Araque Preferido!! – Ela o abraçou apertado e deu um beijo na bochecha dele.

E assim começaram os cumprimentos. Depois vieram as crianças que queriam saber quem era “aquele moço que o vovô tinha quebrado o nariz”.

Na hora do jantar, depois que todos tinham ocupados os seus lugares à mesa, eu fui pegar o peru. E, ao chegar na porta e ver aquela cena, da minha família reunida, rindo e conversando, eu tive uma espécie de deja vù. Me vi em um corredor de hospital, parada na porta de uma sala cirúrgica, uma mulher ruiva conversava comigo e me alertava sobre um assunto em particular. Ela disse para que eu tomasse cuidado com um Dia de Ação de Graças, um Marine e um Navy SEAL. Shannon, à sua maneira, tinha me contado um pouco sobre este momento. Ela sabia o que eu escolheria, ela sabia o futuro.

Naquele dia eu pedi para ver o que o futuro reservava para mim e para minha família, ela, sabiamente, não me disse. E hoje entendo o motivo. Não há nada mais precioso do que viver o presente. Ainda mais se a família estiver junta. Pois o que importa é o agora. E o meu agora, era tudo e mais além do que um dia eu pedi, do que um dia esperei. E por essa família eu faria qualquer coisa, só para que momentos assim se eternizassem em minha memória.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.