— Precisa de tanto escândalo, Will?

— Calma Ruiva... Da última vez que vim aqui você estava dormindo... por isso gritei alto, talvez assim eu acordasse a Bela Adormecida. – Ele me respondeu sorrindo cinicamente. Se ao menos ele soubesse...

— É, do jeito que gritou, acordou Marselha inteira. – Dei um passo para trás e me sentei no sofá, esperando a bomba ser lançada.

— Deixa de ser ranzinza, Shepard. E aqui está o que D.C. está querendo. – Ele fez uma mesura ao me entregar minha nova ordem. Quando tentou fazer a mesma coisa com Jethro, bem, vamos dizer que ele quase teve a mão quebrada.

Olhei para Jethro e ele parecia bem conformado com o que reservaram para ele. Já eu, bem, fora ficar atoa no interior da Sérvia por quase um mês, me deram uma outra ordem...

— E então, quando partimos? – Will perguntou ansioso.

— Quando fizermos umas compras de roupa de frio. – Gibbs respondeu sem emoção.

— E tintura de cabelo. – Eu completei. E os dois homens me olharam como se estivessem vendo um extraterrestre.

— Você tá de brincadeira! Achei que você era ruiva de verdade! – Will pareceu chocado.

— Não. Eu sou loira, Decker, e retoco meu cabelo a cada três semanas. – Eu disse o mais séria que consegui. E Will caiu na conversa.

— Por essa eu não esperava.... – Ele ainda me olhava como se procurando sinais do meu cabelo natural.

— Pare com isso, Will, eu sou ruiva. É que me mandatam tingir e cortar o cabelo para essa nova fase.

— Ah! – Foi tudo o que ele pode pensar em responder.

— Mais alguma coisa? – Eu perguntei desanimada.

— Não. Nada.

— Partimos dentro de cinco dias. Quero tudo pronto. Will, você parte em três e chega primeiro para estabelecer o perímetro e o local onde vamos ficar.

— Tudo bem, Gibbs. Vejo vocês dois na Sérvia, então. – Ele se despediu e saiu. Mas não demorou, ele estava volta.

— Eu esqueci de uma coisa...

— Que é? – Jethro parecia perder a pouca paciência que tinha.

— Recebi uma instrução sobre as cartas que vocês dois enviam... – Decker pisava em ovos.

— Will, fala logo.

— O Diretor pediu que a frequência seja diminuída.

Vi Jethro se enfurecer e avançar na direção de Will. Mas Decker não tinha culpa quanto a isso, ele apenas passava as orientações.

— Jethro, ei, calma. Will não tem culpa disso. – Eu tentava parar Gibbs a todo custo.

Will deu três passos para trás e tentava escapar do sótão com presa. Contudo ele ainda tinha mais alguma coisa a dizer.

— Will, o que quer que seja que tenha a dizer, diga logo, eu não vou segurar o Jethro por muito tempo. – Alertei-o.

— O Diretor disse que se mais um embrulho sair em direção a Alexandria, ele vai abrir pessoalmente o pacote e ter a certeza de que não será entregue. – Ele disse e saiu sem se despedir.

Fiz uma força enorme para manter Jethro em seu lugar, e evitar que ele fizesse uma besteira.

— Hei.... temos que diminuir a frequência das cartas, não temos que parar o envio.... pense por esse lado.

— Você diz isso porque...

Eu o interrompi.

— Nem comece a dizer isso, Jethro! Nem comece. E, para seu governo, eu iria completar com outra coisa.

A essa altura eu já o tinha sentado na mesa da cozinha e estava preparando um café para ele.

— Que ideia você tem?

Olhei para o sofá e ele acompanhou a direção do meu olhar.

— Viu só. Você pode até ter que diminuir a frequência das cartas, mas ninguém disse nada quanto a você não ligar para Kelly novamente.

Jethro, então foi até o sofá, pegou o telefone via satélite que Will na presa e no medo, deixou cair, e nem precisou pensar muito. Em um piscar de olhos estava pressionando o botão ligar.

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— Ai que tédio.... se o restante do meu verão for assim, eu vou dar uma de Sherlock Holmes e redecorar as paredes dessa casa.

— Não sabia que o Sherlock era decorador. – Minha avó – que é completamente alheia ao mundo do Detetive mais famoso do mundo soltou essa pérola antes mesmo de entrar na sala.

— Ele não era, vó. Era um detetive consultor! – Respondi sem muito humor do meu lugar na soleira da janela.

— E o que tem a ver uma coisa com a outra? – Ela me perguntou desconfiada.

— Toda santa vez que ele ficava entediado, do jeitinho que eu estou agora, ele atirava nas paredes. – Disse o mais calma que consegui.

Minha avó parecia que tinha visto um fantasma.

— Mas você não vai fazer isso! Eu te proíbo, mocinha! – Ela disse autoritária.

— Eu sei onde estão as balas e as armas, para o caso de precisar... – dei de ombros e fingi não me importar com o tom de voz dela.

Ela estava aguardando para que eu respondesse algo mais sensato ou dissesse que era brincadeira, mas o telefone tocou alto, me salvando de um sermão – o segundo essa semana.

Eu tinha duas opções, ou pegava o telefone da cozinha, ou subia as escadas para o meu quarto e ficava morta por lá enquanto alguma das minhas amigas tagarelava sobre o que estava acontecendo em alguma praia por aí... optei para ir ao meu quarto, afinal, sabe-se lá quanto tempo essa ligação iria demorar e eu não queria a minha avó bisbilhotando a minha conversa.

Demorei para subir as escadas, porém o telefone continuava tocando, para ser insistente assim, deve ser Maddie... preguiçosamente atendi, já xingando uma das duas desocupadas que deveriam estar curtindo uma praia ao invés de me perturbarem...

— Espero que o choro seja breve. Tô sem paciência....

Para a minha completa surpresa, ouvi duas gargalhadas do outro lado da linha, e nenhuma delas era de Maddie ou Mer.

— Pai? Jenny? Meu Deus, vocês roubaram outro telefone?!!! Eu nem acredito!!! – Praticamente gritei.

— Ligando em uma hora ruim? – Papai perguntou antes de mais nada.

— Hahahahaha. Mas é claro que não. Estão ligando em uma hora ótima. Eu estava pensando em redecorar as paredes da nossa casa de tão entediada que estou, mas vovó não gostou da ideia.

— Redecorar as paredes? Como assim? – Ainda era papai quem estava falando, mas eu podia jurar que tinha mais alguém escutando.

— No melhor estilo Sherlock Holmes. – Simplifiquei a resposta. E eu ouvi duas reações. Uma risada abafada e papai se perguntando o que raios aquilo significava.

— Não entendi! – Ele disse por fim.

— Mas tenho certeza que a sua parceira entendeu perfeitamente, pergunta para ela quando a ligação terminar. – Eu sorri ao tentar imaginar a cena de uma pessoa que eu nunca vi, tentando explicar para o meu pai o que eu queria dizer.

— Você sabe sobre o que ela está falando, Jen? – Ele disse.

— Muito obrigada por me jogar na fogueira, Kelly. Agora vou ter ele me importunando até que eu fale...

— Disponha, Jenny! – Eu ria alto.

— Sei... sou eu e não você quem vai ficar ouvindo um certo alguém murmurando raivoso por aí, né? – Ela continuou, mas eu podia ouvir a sua risada.

— Bem... vou te dar esse prazer, já ouvi isso por quase dezesseis anos... tá na hora de dividir com alguém....

— Vocês duas estão cientes que eu estou ouvindo a conversa, não é? – Papai se incluiu no nosso papo.

— Certamente, Marine. – Eu respondi.

Ouvi Jen concordar e ela ainda ria.

— Vão me explicar o que isso significa ou eu vou ter que descobrir? – Ele continuou agora soando irritado.

— Descobrir seria melhor. Mas depende, pai. Você lê alguma coisa que não seja relacionada à Marinha? – Eu peguei no pé dele.

— Touché! – Foi o que Jen disse.

— Kelly não comece com esse papo. – Ele se dirigiu a mim. - Quanto a você Jen, acho muito bom começar a falar.

— Por que sobrou pra mim? Não sou eu quem tive essa ideia doida, não! – Jen soou ofendida. – Kelly, pode falar o que você quis dizer com “bancar o Sherlock”!

— Eu não! Vou deixar a honra para você. Mas mudando de assunto, qual é o motivo do telefonema? Apesar de eu estar adorando!

Os dois ficaram calados por um tempo. E eu imaginei, não sei porque, um encarando o outro e mandando o outro dizer o motivo....

— América chamando Jethro Gibbs e Jenny Shepard! Alou... estão me ouvindo? – Eu fiz a minha melhor imitação de controladora de voo.

— Bem... – papai começou e quando ele começa assim, lá vem uma bomba.

— Pai, espero que estes quase sete meses longe não te fizeram esquecer que a sua filhinha aqui é ANSIOSA por natureza... então não faça suspense.

— É que seremos transferidos, Kelly. – Jen pegou um atalho. – E... é que recebemos ordens de reduzir a frequência do envio das cartas...

— De quem foi essa ideia estúpida? Me fala porque eu vou bater nessa pessoa! Ou melhor, vou redecorar ela!!! – Eu fiquei furiosa. Justo agora que eu estava pegando o jeito de conversar com a Jenny...

— Kelly! – O tom de voz de papai era daquele tipo que não permitia questionamentos. – comporte-se!

— Sim, senhor. Mas quem mandou?

— O Diretor Morrow. – Jenny disse sem graça.

— Mala sem alça esse cara. – Eu explodi de novo e me arrependi no ato, só o modo como meu pai respirou do outro lado me dava a nítida impressão de que ele tinha ficado furioso comigo.

— Bem, Kelly. – A voz de Jenny era apaziguadora. – Nós também não gostamos de saber disso, mas te garanto que tem uma razão muito boa por trás.

— Mas Jen... – eu chorei, como se ela pudesse fazer algo para que o Diretor do NCIS voltasse atrás.

— Nós queríamos poder fazer alguma coisa, mas infelizmente só seguimos ordens. – Ela continuou. – Porém, isso não significa que não vamos enviar cartas, só vai demorar mais para que elas cheguem até você.

— Mesmo assim é injusto! Eu aposto que o Diretor tá perto da família inteira dele. E quando eu quero conversar com minha família, já que vocês estão do outro lado do mundo, eu não posso. Ele é um tremendo de um...

— Também não estamos felizes com isso. Mas pense que tudo isso é por medida de segurança. A nossa e, principalmente, a sua. – Ainda era Jen quem conversava comigo.

— Papai tá bravo com isso também, não está?

— Sim, ele está. – A voz dela soou baixa, como se estivesse preocupada com ele.

— Ele ainda tá aí ou eu realmente o deixei bravo dessa vez? – Perguntei desconfiando que ele já tinha ido para outro cômodo...

— Estou aqui, Kells. – Ele me respondeu.

— Como vamos fazer? – Eu perguntei na esperança de que ele tivesse um plano mirabolante. Afinal, ele sempre tem algo maluco na cabeça.

O silêncio voltou. Papai pensava em algo, tenho certeza. Comecei a tamborilar meus dedos a parte de trás do telefone, em claro sinal de ansiedade.

— Ainda não sei, Kelly. Mas você pode continuar mandando as cartas. Elas só vão demorar para nos ser entregues. Você não precisa parar. – Ele tentou soar diplomático, mas diplomacia não era o forte de meu pai.

— Vai demorar a eternidade para que vocês possam me responder. – Eu suspirei triste no telefone.

— A eternidade eu não diria... contudo pense que você vai ter uma resposta, Kelly. – Jen voltou a falar.

— Isso tem a ver com o local para onde vocês estão indo? Falando nisso, onde é? Sei que estão na França....

— Como você sabe que estamos na França? – Papai disse surpreso.

— Epa... acho que falei demais... – Eu tentei me desculpar.

— Eu disse. – Jen falou. – E não me olhe assim. Que mal faz ela saber que país estamos, Jethro! – Ela respondeu ao meu pai.

Eu quis rir tentando imaginar essa cena. Jenny é uma mulher corajosa.

— Eu também não vejo mal nenhum nisso. – Concordei com ela. – Não é como se eu fosse pegar um avião e seguir vocês... mas para onde vocês vão mesmo? – Eu tentei pegar uma pista da próxima localização dos dois.

— Sigiloso. – Papai respondeu primeiro.

— Para a Sérvia... – Jen murmurou nada contente. Eu já disse que amo a sinceridade dela?

— Jen! – Ouvi papai reclamar com ela.

— Jethro, nem nós sabemos onde vamos ficar... só sabemos o país... para que deixá-la ansiosa? – Jenny respondeu ao meu pai sem nem pensar.

— Parece que eu tenho alguém para me defender por aí... – Eu disse feliz.

— Não se acostume com isso. – Papai me alertou...

— Disponha. – Jen respondeu.

— Ainda bem que estão longe uma da outra. – Papai suspirou em derrota.

— Não acredito que o poderoso Leroy Jethro Gibbs admitiu uma derrota!! – Eu disse em êxtase!! – Jen, estou fazendo um high-five mental com você agora!!

— O mesmo por aqui! E, isso conta no meu placar, Jethro? – Jen perguntou e eu pude jurar que ela tinha um sorriso no rosto.

— Não comece, Jen... – Papai disse frustrado.

— Pelos meus conhecimentos Gibbsianos, sim, Jen, conta nesse seu placar aí! Mas que placar é esse?

— Quem ganha a briga... – Ela me respondeu.

— Ahh! Entendi. E quanto tá? E quem tá vencendo? – Estava realmente curiosa.

— 5x1 para mim. – A voz de Jen era feliz.

— Não acredito de novo!! Pai, o senhor está perdendo!!! O que está acontecendo por aí?

— Esse placar não está certo. – Foi a defesa de papai.

— Que não está o que, Jethro! Está certinho Kelly. Esse é só o seu pai tentando provar que ainda manda em alguma coisa... – Foi Jen quem disse isso.

Minha vontade de gargalhar era maior que tudo, mas aí lembrei que caso eu começasse a rir muito da cara de meu pai, isso iria ter um pagamento, mais cedo ou mais tarde, então mantive minha risada só para mim. Mas não adiantou muito não.

— Não fique toda feliz, Kelly. Ainda mando em você!

— Mas eu não disse nada, pai!!! Como....

— Kelly, eu te conheço.

— Mas eu só estava pensando no quão estranho é o senhor estar atrás em um placar desses... temos que melhorar a sua defesa. – Eu disse como se realmente estivesse do lado dele nessa “guerra”.

— Vai ser dois contra um agora? – Jen perguntou entrando na brincadeira.

— Sou só o apoio técnico. Agente Gibbs, qual é o seu ponto fraco? – Perguntei como uma técnica perguntaria.

— Papai ficou calado. Foi Jenny quem respondeu.

— Já que você é o apoio técnico, Kelly, mande para ele um dicionário. Talvez, assim, ele pode começar a tentar um empate...

Papai bufou do outro lado da linha e Jenny riu alto. Queria muito conviver com esses dois e essa troca de farpas...

— Mas falando sério agora, vocês vão para a Sérvia. Não podemos conversar com frequência, será que o telefone não seria uma boa ideia?

— A ideia é boa, Kelly. – Papai começou. – Mas nem sabemos se para onde vamos tem telefone...

— Sempre tem um “mas”. – Eu reclamei. – Vocês vão ficar com este? Por que se vão, eu posso salvar o número...

Nesse momento eu escutei um barulho. Como se alguém estivesse batendo em uma porta.

— Só pode ser brincadeira! – Jen xingou.

— Dessa vez ele foi rápido. – Papai comentou.

— O que tá acontecendo? – Eu quis saber o que tirou a atenção dos dois de mim...

— O dono do telefone. Parece que ele descobriu que o esqueceu aqui. – Jen me respondeu.

— Vocês estão me ligando de um telefone alheio de novo?

— Pegamos emprestado. – Foi o que papai me disse.

— Isso é que é exemplo... – Eu brinquei. – Tudo isso para conversar comigo?

— Sim. – Papai disse de novo.

E mais batidas na porta.

— E pode ter certeza que vale a pena! – Jen disse. – Quem atende a porta?

— A ideia foi sua! – Papai disse.

— Lá vou eu ouvir a choradeira do Will. – Ela disse desanimada. – Bem, Kelly, eu vou indo... nos falamos quando der. E vê se não fica nesse tédio... o verão ainda não acabou! Arrasta a sua avó para algum lugar!! E continue com as cartas, por favor!!

— É mais fácil falar do que fazer, Jenny. Ou melhor é mais fácil eu comprar uma passagem para a Sérvia!

— Nem pense em fazer isso!! Ou seu pai me mata e ganha a nossa guerra particular!!

E as batidas ficaram mais altas....

— Alguém tem uma desculpa esfarrapada para me arranjar? – Ela perguntou...

— Eu não tenho. Sou adepta da verdade. – Eu brinquei.

— Quem escuta até acredita. – Papai acabou com a minha reputação.

— Tchau Kelly. Eu vou tentar segurar a fera enquanto vocês dois se despedem. Beijos.

— Tchau Jen. Até o próximo!! – Eu respondi, mas a vontade de ficar conversando era maior... – Então, pai. Sérvia... o que vocês vão fazer lá? Pegar mais alguma escória da humanidade.

— Sim, Sérvia. E é mais ou menos isso.

— Quanto mistério....

— Você já tá sabendo demais, filha.

— O nome de um país... pai!! Eu não tenho cinco anos... sei ficar quietinha...

— Conto com isso...

— Pode ficar tranquilo, Marine. Daqui não sai nada!

Ficamos em silêncio por um tempo, e pudemos ouvir as desculpas que Jenny dava para Will sobre o sumiço do telefone.

— Ela tá ficando em maus lençóis. – Eu disse.

— Você sabe o que isso significa, não sabe. – Papai disse sem muita animação.

— Sei sim. Vai lá Super Gibbs, salve a mocinha do cara mau! – Eu ri da besteira que tinha acabado de dizer.

— Se ela sonhar que você disse isso, você acaba de ganhar uma inimiga. – Ele me respondeu rindo.

— Imagino que sim. – suspirei - Então isso é um adeus temporário enquanto vocês estiverem na Sérvia?

— Não por tanto tempo... só deixe as coisas esfriarem, deixe passar um mês, depois voltamos na frequência normal... são só cartas....

— O senhor vai burlar uma regra? Acho que estou ouvindo errado ou a ligação está muito ruim!

— Não vou burlar, vou esquecer. Mas a senhorita não vai seguir o meu exemplo!

— Ah... injustooo. E eu achando que iria tirar proveito disso!

— Não vai.

— Nem um pouquinho?

— Kells não comece.

— Eu já tinha o não, né?

— E continua com o não.

— Ninguém pode me culpar por tentar....

Ouvi alguém pedir o telefone. E Jenny pedir que a ligação durasse mais uns minutos.

— Pelo amor de Deus, Decker. Eu já te disse que eu pago por mais essa ligação.

Foi a nossa deixa.

— Então, tchau, pai. Até o próximo telefonema ou carta.... – Despedidas são sempre tristes.

— Vamos enviar as cartas antes de ir. Então devem chegar até na semana que vem... – Ele me respondeu.

— Não vou ficar tanto tempo assim sem notícias então..,

— Não, não vai.

— Se cuide pai... e diga o mesmo para a Jenny.

— E você se cuide por aí, Kelly.

— Tchau pai. Te amo.

— Também te amo, Kells.

— Só mais dezessete meses!!

— Até lá, Kelly!

E a linha ficou muda....

Dezessete meses é tempo pra caramba... tanta coisa pode mudar nesse tempo. Tantas ideias podem surgir. Tantas vidas podem virar de cabeça para baixo...

E eu tinha que esperar todo esse tempo para ter meu pai de volta. E poder conhecer Jenny pessoalmente. Porque eu realmente ansiava por isso!

Acha paciência.... e saudade... tomara que tudo fique bem. É tudo o que peço.

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— Está feliz agora, Decker. Seu telefone está aqui. Agora some! Vai pra Sérvia! – Jen estava claramente irritada com a forma como Decker interrompeu a ligação.

— É a segunda vez, Shepard.

— Seja mais cuidadoso da próxima vez. Não é minha culpa se você é distraído. – E dizendo isso, ela literalmente fechou a porta na cara dele.

— Eu poderia dizer que você deveria ter sido mais educada com ele, mas eu não vou dizer... – Disse na direção dela, torcendo para que ela não tivesse nada por perto que pudesse arremessar em mim.

— Fico feliz por isso. – Ela suspirou ainda zangada. – Vou ter que dar uma ida a qualquer lugar que venda tinta de cabelo ou achar algum cabelereiro de última hora, quer que eu traga alguma coisa?

— Não posso ir? – Perguntei fingindo ofensa.

— Depende. O quanto você entende de tintura e corte de cabelo? – Ela parou na minha frente e me olhou com cara de poucos amigos.

— É para você ou para mim?

— Muito bem, agora você se superou, Jethro. É claro que é para mim.

— Só não entendi o motivo de você ter que pintar o cabelo. – Eu não estava gostando da ideia de não vê-la mais ruiva.

— E cortar. Parece que peruca não é a pedida da vez em D.C., então eles me querem de visual novo... – A cara dela não era das melhores.

Pensei bem no que ela tinha que fazer.

— Na verdade, acho que vou ficar...

— Ficar fazendo o que? – Ela estreitou os olhos em minha direção.

— Arrumando mala?!

— Nada assusta mais um homem do que a menção a corte e tintura de cabelo. Vocês todos fogem de algumas horas em um salão de beleza!

Ela, mais uma vez estava certa. Mas eu não diria nada. Já chega ela ter ganhado duas hoje.

— Pode ir. Tenha um bom divertimento.

— Só não atire em mim quando eu voltar... talvez você não me reconheça! – Ela cantarolou antes de sair fechando a porta atrás de si.

Como se fosse possível eu não reconhecê-la...

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Todo o tempo em que passei no salão fiquei martelando uma única frase na minha cabeça. Na verdade, duas palavras que Kelly havia dito. A minha família. Ela havia enfatizado muito bem isso. E tinha me colocado no meio.... como chegamos a esse ponto?

Mas, por fim, eu decidi que não me importava. Afinal, agora já não tinha mais jeito.

O que eu deveria fazer era ter uma ideia louca para conseguir fazer com que ela recebesse as cartas. Nem que fosse por pombo correio. Mas eu tinha a impressão de que nem tão cedo eu iria conseguir ajeitar isso, pois tudo dependia de onde ficaremos. E meu instinto me dizia que não seria em um local bom.

Passei tanto tempo concentrada nestes “ses” e “comos” que nem percebi que meu cabelo já estava pronto.

É, eu realmente estava irreconhecível. Tinha abandonado os cabelos ruivos e compridos por um corte Chanel nos cabelos pretos. E tinha odiado!

A primeira vez que pintava o cabelo e o resultado me desagradava. Será que era tarde demais para voltar para o ruivo?

Bem... voltar atrás depois de uma mudança dessa é praticamente impossível, então tratei logo de colocar um sorriso no rosto e manter a minha história louca. Afinal, eu era uma mulher recém divorciada que queria uma nova vida... e o meu cabelereiro me apoiou totalmente na mudança. Aposto que ele se ele soubesse a verdade, ele me diria era para voltar para América e arranjar um emprego novo,

Do meu emprego eu gostava, e muito. Só não gostei da mudança.

Espero que Jethro não atire em mim achando que sou uma intrusa. Mas isso eu vou descobrir já, já.

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— Não me olhe assim! Eu te avisei que eu tinha que fazer isso! – Era a milésima vez que Jen reclamava da maneira como eu olhava para ela. As dez primeiras vieram logo que ela abriu a porta e eu quase atirei nela, isso há três dias atrás.

Minha desculpa, eu pensei que ela estivesse brincando quando disse que tinha que pintar.

Mas ela não estava. Ela tinha pintado e cortado o cabelo. Não é que tenha ficado feio, mas eu prefiro ela ruiva. E, de mais a mais, de longe, pareceu outra pessoa.

— Eu já te disse, Jen.

— Eu sei, mas você não precisa ficar encarando. – Ela reclamou mais um pouco.

Olhei novamente para o cabelo. Por que raios a mandaram fazer isso?

- Olha aqui, Jethro, eu também não gostei, mas fazer o que? Cumpro ordens. Agora pare de ficar encarando e comece a se acostumar, pois vai ser assim até que deixemos a Sérvia.

“Até que deixemos a Sérvia”. O grande problema desse ponto final é um só, não sabemos quanto tempo vamos ficar por lá.

Dei uma última olhada ao redor do sótão. Não tinha ficado nada para trás. Daqui, pelo menos ninguém saiu ferido como em Positano.

— O que você está esperando. Não me diga que vai sentir falta desse lugar minúsculo! – Jen, que já havia descido com as malas dela me perguntou.

— Em partes. – Eu olhei sugestivamente para ela. E ela corou ao entender o que eu queria dizer.

— Vamos logo, antes de pegar o avião temos que passar no escritório do NCIS. Parece que temos que dar satisfação de alguma coisa. E vou aproveitar para enviar as cartas para Kelly.

Se ela estava falando...

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Então era isso. Deixamos Marselha para trás e íamos ficar dentro de uma fazenda no interior da Sérvia até que Zukhov desse o ar de sua (des)graça no país.

Sim. Foram estas as instruções finais do Diretor quando passamos no escritório.

Resumindo a história, não tínhamos como saber quanto tempo iríamos ficar no país. O que comprometia todo o cronograma inicial da missão.

Não podia ficar pior, podia?

Sempre pode, afinal, notícia ruim vem a cavalo.

Além da falta de prazo, do fato de que não podemos mais nossas enviar cartas – não porque fomos proibidos, mas porque onde vamos ficar não tem nenhuma cidade por, pelo menos, cem quilômetros, - fomos lembrados de que, o médico de ajuda mais próximo vai ficar a duzentos quilômetros de distância. Ou seja, foi um claro dizer “se cuidem, vocês estão sozinhos nessa”.

Eu estou gostando menos de tudo isso a cada hora.

Mas para não dizer que sou ingrata, pelo menos nosso transporte é de qualidade. Estamos voando de primeira classe. E teríamos um carro, só para gente.

Nossa chegada foi sem problemas. Nossos passaportes falsos passaram pela fiscalização e rumamos para nosso carro. Não era um carro qualquer, mas estranhei, afinal a ideia era não chamar atenção.

Mas só fui entender que o carro chique era um agrado, quando vi a distância que teríamos que percorrer para chegar a tal fazenda.

— Trezentos e noventa quilômetros! Definitivamente vamos ficar no meio do nada.

Jethro só coçou a cabeça. Nem ele estava gostando muito disso.

E não era para menos. Depois de quase três horas e meia em uma viagem insana pelas estradas sinuosas – isso porque Jethro dirige como um louco – chegamos ao nosso pequeno pedaço de...

— Quem Fim de Mundo é esse? – Eu perguntei assim que ele parou em frente à fazenda velha.

— Eu não sei... mas acho muito difícil algum tipo de comunicação chegar até aqui. – Gibbs me falou enquanto foi entrando.

— Pelo menos é habitável?

— Comparado com o que?

— Sei lá? Tem como nós dois morarmos aí dentro por muito tempo?

— Ter, tem. Mas se chover.... – Ele olhou sugestivamente para o teto cheio de buracos.

— Ótimo, você já tem o que fazer... e eu, o que eu vou fazer aqui?

E era verdade, o que eu estava fazendo nesse lugar??