A viagem até o estaleiro não foi longa, mas eu também não queria que fosse rápida. Dirigi, pela primeira vez em muito tempo, dentro dos limites de velocidade e, de tempos em tempos eu olhava pelo retrovisor para ter certeza de que a pequena ruiva ainda estava ali, agora no colo de Jenny que desembaraçava os curtos cabelos, conversando sobre algo que eu ainda não estava a par.

Ainda era inacreditável que Sophie existisse de verdade e eu pensava em tudo o que a presença dela mudaria. E principalmente, se a presença dela mudaria algo no meu relacionamento com Jen.

Prestei um pouco mais de atenção na interação entre mãe e filha no banco de trás enquanto aguardava o semáforo abrir, para uma pessoa que um dia jurou que não levava jeito para ser mãe, Jenny parecia confortável neste papel, a forma carinhosa e atenta que olhava para a nossa filha mostrava que ela faria qualquer coisa pela pequena ruiva que agora se ajeitava em seu colo, inclusive protege-la de qualquer um que pudesse fazer mal a ela.

Chegamos no estaleiro e Jen mal havia aberto a porta, Sophie apenas disse:

— E pensar que hoje eu perguntei para a senhora se eu ia poder voltar aqui, mamãe!

Jenny olhou para a filha e abriu um sorriso.

— Vamos lá dentro rapidinho.

— Tá tudo mundo aqui hoje? – Ela perguntou curiosa, depois que entramos no elevador.

— Sim, todo mundo.

Eu permaneci calado, observando Sophie e, no fundo, com medo de acordar a qualquer momento e saber que ela não existia.

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Jethro não falou uma palavra durante toda a viagem até a agência, mas eu percebi que sempre que tinha a oportunidade, ele buscava por Sophie no retrovisor interno. Uma vez vi que ele ainda parecia assombrado pela existência dela, outra, notei algo parecido com o sentimento de esperança no olhar dele.

Eu não tinha ideia do que me aguardava quando ficássemos às sós, ele não me dera nenhuma dica do que passava na cabeça dele, e eu teria que me controlar para não despejar todas as frustrações dos últimos seis anos nele. Eu tinha que me lembrar que nós dois tínhamos culpa.

Sophie comentou, assim que descemos do carro que ela não esperava voltar tão cedo ao prédio.

Tive que rir, eu não esperava que nada disso acontecesse, ao que parece, nada que eu planejo acontece mesmo.

Guiei Sophie até o elevador, ela, de alguma forma, tinha que ficar olhando para trás a cada segundo, vendo se o restante da equipe ainda estava por perto. Não sei se por medo, ou se por respeito, nem Tony, Ziva ou McGee nos acompanharam na viagem até o terceiro andar. E, mesmo dentro do escritório particular dele, Jethro nada disse. E todo esse silêncio estava começando a me dar calafrios.

Trinta segundos depois, as portas se abriram e as paredes laranjas do terceiro andar ficaram visíveis, contudo, mal coloquei o pé para fora do elevador quando escutei:

— Graças a Deus!!! – Foi assim que fomos recebidos, aos gritos de duas garotas completamente desesperadas.

Geralmente as reações exageradas vem de Abby. Mas hoje ela tinha companhia.

— Kelly? – Jethro perguntou confuso, falando pela primeira vez em um bom tempo.

- Kelly? – Eu disse surpresa.

— Kells!! – Sophie gritou e correu para a irmã mais velha.

— Abby me ligou assim que ficou sabendo sobre o que tinha acontecido. Conversei com o meu Chefe e ele me liberou do plantão. – Kelly respondeu. – Que maneira de ser apresentada no NCIS hein, miniatura de ruiva? – Ela brincou com a irmã. E Sophie apenas deu de ombros.

— Uma hora eu tinha que aparecer aqui, né?

— Haha!! Com certeza. Mas acho que ninguém esperava que fosse desse jeito. Peraí, o que é isso nos seus braços?

Minha miniatura levantou os braços para conferir os arranhões e apenas soltou...

— Aquele cara me jogou dentro de um poço, você acredita, Kells?

Kelly olhou horrorizada da irmã para mim e para Gibbs.

— Já para a autópsia, eu tenho que limpar, desinfetar e fazer um curativo nisso aí! Ducky deve ter o que preciso lá.

— Onde fica a autópsia? – Sophie perguntou de pronto.

Antes que Kelly pudesse arrastar a irmã para o último subsolo, o restante da equipe chegou.

— Olha isso! – A família inteira tá aqui hoje! - DiNozzo disse saindo do elevador.

— Tony, isso não é hora! – Ziva sibilou.

— E aí, Chefinha! – DiNozzo começou – Tudo bem?

— Oi Tony! – Kelly o cumprimentou. – Ziva! Tim! – Vocês estão todos bem?

— Sim. – Os três responderam.

— Ótimo! Vou levar essa aqui lá para baixo. Acho que vocês dois – Ela apontou na minha direção e de Jethro – Precisam conversar. Eu vou ficar de olho nela! Vem aqui, Sophie. Vou te levar para conhecer o Jimmy. E ver o Tio Ducky!

Sophie olhou na minha direção, como se pedisse permissão.

— Pode ir. Só não faça muita bagunça... – Eu pedi.

— Sim senhora. - A pequena me respondeu, já acompanhando Kelly até o elevador. O que parecia ser a pedida da vez, pois Tony, Ziva, Tim e Abby fizeram o mesmo.

— Vai todo mundo? – Ouvi Kelly perguntar contrariada.

— Mas é claro! – Abby respondeu. – Eu nem tive a chance de me apresentar ainda. Você virou a irmã mais velha toda possessiva desde que a Ruivinha aqui chegou... – E não ouvimos mais nada, pois as portas do elevador se fecharam, deixando Jethro e eu sozinhos na Sala dos Agentes.

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— Então, você é a famosa Abby? – Sophie começou assim que as portas do elevador se fecharam. – Adorei as suas marias-chiquinhas! Sabia que ontem eu fui assim para a escola?

Pelo visto, ela tinha herdado do dom da fala da mãe, já que o pai...

— Sim, eu sou a Abby, e eu aposto que suas marias-chiquinhas ficaram lindas! - Abby deu um sorriso na direção da pequena e se abaixou para dar um abraço de boas-vindas nela. Que Sophie de pronto devolveu, com outra pergunta.

— Por que você tem uma tatuagem de teia de aranha no pescoço? – Ela deu um passo para trás.

— Você não gostou? – Abby pareceu magoada.

— Não é que não gostei.... – minha irmãzinha olhou para os próprios sapatos. – é que eu tenho medo de aranha. Nunca gostei.

— Mas aqui não tem aranha, só uma imagem de uma teia, não precisa ficar com medo! E eu também não sei porquê tatuei uma teia de aranha, sabe, foi a tanto tempo que nem me lembro o motivo de ter escolhido esse desenho. Então eu só te falo uma coisa, quando você for fazer uma tatuagem, pense bem no que você vai...

— Abbs, não comece com essa ideia... – Tive que cortar a gótica mais feliz que conheço – sabe que meu pai teria um treco se eu ou até mesmo essa aqui aparecermos com uma tatuagem.

— Mas Kelly... eu só estou dando um conselho, ainda tem muito tempo até ela ter a idade ideal para começar a fazer tatuagens...

— Abby, apenas não... sabe o que o Chefe vai dizer se ele ouvir você fazendo a cabeça da filha mais nova, que ele acabou de conhecer, para que ela faça uma tatuagem. – Tony intercedeu.

Todos olhamos para baixo, e Sophie tinha os olhos arregalados e, muito provavelmente não estava entendendo nada, se a cabeça tombada para o lado indicava algo...

— Tá tudo bem, baixinha? – perguntei para ela.

— Tá, sim... eu só não queria que vocês brigassem por conta do que eu disse....

— Não estamos brigando, Pimentinha. Só conversando. – Tony disse com um tom de voz que eu achei que ele nunca teria.

— Mas vocês estão brigando com a Abby! – Ela bateu o pé em defesa da mais nova amiga.

— Pelo visto, mais alguém de sobrenome Gibbs vai te defender, Abbs. – Tim disse com um sorriso.

Antes que Abby pudesse dizer algo, as portas do elevador se abriram e estávamos no andar da autópsia.

— Você, ruiva, fica aqui. Eu vou ver algo com o Ducky.

— Tudo bem.... – Sophie disse, mas tinha os olhos curiosos virados para o interior da sala.

— Ei, ei... nada de espiar dentro dessa sala, Pedaço de Gente. Quando a Kelly disser que você pode entrar, você vai saber o que tem lá dentro. – Ziva foi tirando Sophie de perto da porta e a levando para perto das escadas.

— Mas Tia Ziva.... eu só quero ver o Tio Ducky.

— E você vai ver, mas tenha paciência.

A resposta de Sophie para a frase de Ziva? Simples. Ela cruzou os braços e lançou a mini versão da encarada Gibbs.

— Tenho que admitir, a encarada dela é melhor que a sua, Kelly!

— Cala a boca, Tony!

— Kell, não briga com o Tony! – Sophie o defendeu.

— Mas até ele, Mini Jenny? – Gritei contrariada.

— Você não briga com ninguém dessa equipe, tá? Ninguém.— Ela disse séria, como se mandasse na agência toda.

E eu achando que ela ficaria do meu lado.

— Pode ir parando com esse sorrisinho vitorioso, DiNozzo. – Dei um cotovelada nas costelas dele. – Sophie não vai estar sempre por perto para te defender.

— Pelo menos eu tenho uma Gibbs do meu lado.

— Mesmo assim, você está em desvantagem, são dois contra uma.

— Ela é filha da Diretora também.

— Eu não contaria com a benevolência da Jen, não. – Sorri em direção ao italiano, que apenas engoliu em seco. – Agora deixa eu ver se não tem ninguém nas mesas.

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— Oi Ducky! Quanto tempo! – Assim que entrei, vi que ele terminava de costurar um pobre coitado. – Olá Palmer!

— Oh, minha querida Kelly. O que te traz aqui embaixo, quando tudo parece estar de ponta cabeça nos andares superiores?

— Esse mesmo motivo, Duck. Acharam a Sophie, e ela tá com dois arranhões feios no braço. Queria saber se posso tratá-la aqui?

Ele me olhou com um sorriso e respondeu.

— Deixe-me somente terminar com esse jovem, que já, já, você poderá trazer a sua irmã aqui para dentro. Mas espero que não seja nada sério.

— Não, não parece ser. Mas tenho que limpar e, também um de seus joelhos. Posso saber o motivo por trás de seu sorriso aberto, Doutor Mallard? – Não que eu não gostasse de vê-lo sorrir, Ducky é quase um avô para mim, mas tinha algo por trás de sua incontida felicidade.

— Tentando imaginar a bagunça que essa agência e esse time vão virar, agora que Sophie está oficialmente por aqui. Somente isso, minha querida.

Não pude evitar de sorrir de volta.

— Nem consigo imaginar como vai ser... por um lado é bom, agora todos sabem dela, e nem você ou Jenny ou eu, temos que pisar em ovos e controlar o que vamos falar, mas por outro lado....

— Tem medo do que possa sair da conversa que muito provavelmente está acontecendo dentro da sala da Diretora neste exato momento?

— Sim, Duck... meu pai nunca tocou no nome da Sophie, Jen, por sua vez, depois das duas cartas, não tentou mais contato com ele... e lá se vão cinco anos. Eu conheço aquele Marine teimoso lá em cima, ele não vai aceitar que errou, que grande parte desse segredo é culpa dele.

— Mas...

Donald Mallard realmente sabe fazer as pessoas falarem.

— Mas eu vi como ele olhava para ela quando entraram. Eu vi como, mesmo depois de me cumprimentar como sempre, seus olhos não desviaram da Sophie, como se ela fosse desaparecer dali, como se ela fosse um sonho que tinha se tornado realidade. Não sei, acho que meu pai nunca abriu aquelas cartas, nunca realmente soube que ela existia, e isso está me corroendo de culpa. Eu deveria ter falado algo. Eu deveria ter pressionado. Ter tentado fazer com que ele fosse conhecer minha irmã, ter levado ela até meu pai para que ele a conhecesse... Eu deveria ter sido o elo entre esses dois, desde o início, mas não fui...

— Kelly, - Ele acabou de costurar o seu último trabalho e, tirando as luvas e o capacete, veio em minha direção. – Nada disso é sua culpa. Você seguiu o seu coração. Acreditou que seu pai estava ignorando a existência de Sophie, porque ele estava evitando toda e qualquer lembrança do que ocorreu em Paris. Não é sua culpa. E, se fosse, eu seria tão culpado quanto, pois conheço Sophie desde quando ela nasceu. Eu soube da gravidez de Jennifer, eu fui à Londres logo depois que ela deu à luz, e mesmo sendo amigo de seu pai, eu não disse nada a ele, pois eu sempre soube o quão complicada a relação dele e de Jennifer era. Como eles foram inseparáveis na Europa, e como os dois estavam feridos demais quando tudo acabou. E como os dois foram teimosos demais para não irem um atrás do outro quando tiveram a chance. Tenho certeza de que essa conversa de hoje, que por mais que demore, por mais que pareça que eles estão indo para um ponto sem retorno, é tudo o que eles precisam.

— Indo para um ponto sem retorno, Ducky? Eles têm a Soph.... eles têm que se acertarem... eu sonhei tanto com uma família, é a minha chance.

— Um dia, Kelly, aqueles dois teimosos vão se acertar, mas não creio que seja hoje o dia. Eles sofreram muito. Seu pai com a forma como tudo acabou. E Jenny achando que Jethro ignorava a filha. São muitos machucados para serem cicatrizados de uma única vez. Mas eu, assim como você, torço para que eles se entendam, pelo bem deles, de você da pequena ruiva que está fazendo um pandemônio lá fora.

Ouvimos Sophie me chamar pela quarta vez.

— Paciência não é o forte dela. – Comentei sorrindo.

— E nem poderia, nenhum dos pais tem! – Ducky me deu um sorriso e caminhou para a porta.

Mal as portas abriram e Tony entrou verificando se era seguro para Sophie, deu para notar que ele estava tentando a todo custo impedir Sophie de ver algo que ela não deveria. Mas graças a Palmer, o corpo já estava em uma das geladeiras e nada era visível na enorme sala fria. E, notei mais ainda, de alguma forma muito estranha, minha irmãzinha já tinha dominado o agente sênior da equipe de meu pai, e, pelo visto, ele faria qualquer coisa para mantê-la segura. Sophie tinha dois seguranças de respeito, Ziva e Tony.

— Tá tudo limpo por aqui? Porque aquela ali não tem muita paciência, não! – Ele perguntou sorrindo quando uma voz o chamava pelo corredor.

- Toooooooooonnnnnnyyyyyyy, o que tem aí dentro? Eu já posso entrar? – Ela pedia.

— Pode entrar, Sophie. – Ele deu o aval depois de conferir tudo mais uma vez.

Dois segundo depois, a pequena entrava correndo e abraçava Ducky.

— Tio Ducky! Eu tava com tanta saudade! Por que você não foi mais me ver?

— Muito trabalho, minha pequena. Mas que bom que você está aqui agora. E tenho certeza de que está muito feliz em conhecer toda a equipe!

— Toda não. Ainda falta uma pessoa! – Sophie deu a volta em Ducky e olhou em direção à Jimmy.

O assistente de Ducky ficou parado no mesmo lugar, quando todos nós o encaramos. Mas não por muito tempo. Sophie em um piscar de olhos, estava parada na frente dele, e estendia sua mão direita em direção a ele.

— Oi Palmer! Eu sou a Sophie!

Por uns dez segundos, Jimmy ficou parado sem saber como responder ao cumprimento. Acho que ele não esperava que a pequena já chegasse dizendo o nome dele, mas logo ele abriu aquele sorriso e, se abaixando para ficar na altura dela, a cumprimentou de volta.

— Olá, Sophie, é muito bom te ver pessoalmente. Seja bem-vinda ao NCIS. E pode me chamar de Jimmy.

— Jimmy! – Sophie sorriu de volta e terminou dizendo. – Pronto, agora eu conheço todo mundo! Não sei porque demorou tanto, mas eu gosto muito de todos vocês.

Ela estava definitivamente se sentindo em casa.

— Muito bom saber que você gostou de todos, mas agora, sente-se aqui, - Eu a chamei. – Eu vou olhar esses arranhões, e não adianta fazer essa cara não.

— Mas Kells.... – Soph arregalou os olhos como se fosse um gatinho indefeso.

— Não venha com Kells.

Muito contrariada ela parou perto da mesa que eu indiquei e disse:

— Eu só preciso de um empurrãozinho para alcançar essa mesa... – Ela disse olhando para cima e para mim.

Nem pude responder e Tony já a erguia e a colocava sentada, se sentando ao lado dela, como que monitorando o que eu estava prestes a fazer. Enquanto Ziva dava a volta e parava logo atrás de Sophie, com os braços cruzados e um olhar de águia.

— Vão ficar os dois, aí, me olhando trabalhar?

Eles só confirmaram com um aceno de cabeça. E eu suspirei pesadamente, teria que conversar com o meu pai sobre essa proteção de graça que a ruivinha tinha ganhado. Isso se ele saísse vivo de dentro daquele escritório.

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Quando o elevador fechou as portas, ouvi Jen suspirar aliviada próxima a mim. A pior parte tinha acabado. Agora era a segunda, e não sabia se essa era de alguma maneira, mais fácil ou a mais difícil.

Ela não disse nada, apenas seguiu para seu escritório. Se a intenção dela era a de que eu evitaria qualquer confronto agora, ela estava errada. Ela mal havia alcançado o primeiro patamar de escadas quando fui ao seu encalço.

Atingimos o topo da escada juntos e ela me encarou mal-humorada.

— Você não vai querer fazer isso aqui, não é?

— E onde vai ser? Na sua casa, com Kelly e Sophie por perto?

Ouvi Jen suspirar profundamente e seguir para a antessala de seu escritório.

— Boa noite, Cynthia, faça-me o favor, você já pode ir para casa.

— Sim, senhora. Tudo correu bem, com... – A fiel assistente parou sem jeito, sem saber se deveria continuar...

— Sim, Cynthia. Sophie está a salvo e Kelly está tratando de alguns arranhões dela, nada que preocupe. Tenho certeza de que ela quer te ver, mas depois de um dia como esse, ela vai entender o motivo de você já ter ido. Tenha um bom final de semana, até segunda. – Jen dispensou educadamente sua secretaria e entrou em seu escritório, antes de fechar a porta olhou para mim e continuou. – Venha, tenho certeza de que todos eles poderão cuidar de Sophie.

Cynthia me olhou assustada, mas nada disse, como sempre, ela guardava muito sabiamente, todas as observações para si mesma.

Entrei no escritório e esperei. Essa não era uma conversa normal. Não sobre um término qualquer, a conversa que eu e Jen teríamos agora envolvia muito mais do que um casal que não deu certo. E seria longa.

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Era o que ele queria, mas não o que eu queria. Aliás, até agora me arrependo de não ter me contido quando recebi o maldito pacote. Seria tudo tão mais fácil.

Mas nada, nunca, fora fácil para mim.

Para evitar que algum curioso se aventurasse a ouvir por trás da porta, acionei o modo de segurança da sala. Éramos só eu e ele. E mais ninguém nos ouviria.

— Já que quer tanto ter essa conversa, Jethro, comece. – Eu sabia que por mais que ele quisesse explicações, ele seria o último a abrir a boca, esperaria o momento certo para poder dar uma resposta ácida a qualquer coisa que eu dissesse. Podendo, assim, jogar toda a culpa por essa situação nas minhas costas.

Ele parou onde estava e me encarou. Por poucos segundos pude notar que ele ainda não controlara suas emoções e todas elas passaram por seus olhos. Inclusive uma, culpa.

Ele era tão culpado quanto eu por Sophie ter passado os primeiros anos da vida dela longe dele.

Antes de começar, ele respirou fundo e perguntou:

— Por que você não me contou que estava grávida quando me deixou naquele avião?

— Eu não sabia que estava grávida quando eu parti.

— Você partiu... Que jeito nobre para dizer que me deu um pé na bunda! – Ele se alterou.

— E o que você queria? Que eu dissesse na sua cara? Ora Jethro, faça-me o favor!

— Você me privou de ver a minha filha crescer por cinco anos! – Ele gritou.

— Privei? Eu te contei sobre ela!

— Em uma carta? Você acha que eu abriria alguma outra carta sua, depois daquela? Daquela em que você diz que me amava, mas tinha que me deixar ir?

— Você não me deu outra escolha! – Eu gritei de volta.

— Como não? O que fiz daquela vez para você sair correndo de mim? Ainda mais depois daquela noite! Jen... aquela noite.

Flashes da nossa última noite em Paris passaram pela minha mente. A forma como nós nos amamos, não uma ou duas vezes. A forma como eu me entreguei a ele, como ele me fez sentir querida de alguma forma. Como nos beijamos e, por fim, como nós dois nos olhamos...

— Como o que você fez? Ora, Jethro, você... você simplesmente... – Eu não consegui controlar as lágrimas que teimaram em descer. – Você nunca se importou!!

— Não me IMPORTEI? Shepard, o que você quer dizer com isso? Você viu e sentiu as mesmas coisas que eu? Você mesma disse que era para...

— Que você lembrasse de como dançamos, de como nos beijamos... e é exatamente aí que eu quero chegar, Jethro. Eu abri o me coração para você. Eu me entreguei a você de uma maneira que eu nunca tinha feito. Eu fui sua por todos aqueles meses, e se quer saber, pelos últimos seis anos também. Você nunca saiu da minha cabeça. Eu ainda posso te sentir... mas quando – eu parei para respirar – quando eu tive a coragem de te dizer o que eu sentia de verdade. Quando eu me expus para você, não no sentido literal, mas no figurado. Quando eu juntei toda a minha autoconfiança e disse que te AMAVA, você riu de mim. Você simplesmente disse “Esse vai ser o dia”. Sabe, eu não esperava uma resposta, não naquele momento, talvez um beijo, ou um abraço. Mas não essas malditas palavras. Você gozou da minha cara, dos meus sentimentos. E estas malditas palavras me assombram até hoje. E te dei tudo o que eu tinha para dar, desde Positano, e você... jogou tudo fora! Na minha cara! – Eu tinha saído de perto dele, mas ainda o encarava.

Ele ficou em silêncio por um tempo. Tempo demais, para alguém que tinha que se explicar.

— Eu sempre te mostrei como eu me sentia!

— Mostrou? Quando? Na cama?

— Jenny...

— Tá vendo... é isso. Você nunca soube admitir sentimentos por ninguém, minto, pela Kelly sempre, mas ela é sua filha. Quanto a mim... eu não pedi que você me amasse de volta, mas ser motivo de piada, Jethro? Isso foi demais para mim.

— Você teve três dias para conversar comigo, depois daquela noite, por que você nunca trouxe isso à tona?

— Porque eu sei muito bem onde terminaríamos, Jethro. Na cama, como sempre terminamos. Todas as nossas discussões terminavam em noites adentro de sexo e sempre acordávamos sem querer tocar no assunto, simplesmente porque nunca conseguíamos tirar as mãos um do outro. Então, ao invés de me machucar ainda mais tentando tirar alguma reação sua, alguma resposta, eu pulei direto para o prazer. Me perdoe se feri o seu ego, mas preferi pegar tudo o que eu ainda tinha e me virar com os meus sentimentos depois.

— Você fala em sentimentos. Mas, e quanto a mim? O que você acha que aquelas palavras fizeram comigo?

— Não muito, já que nove meses depois você estava casado e indo para a Rússia com a sua terceira esposa.

E aqui ele parou. Surpreso por eu saber tanto.

— Eu estive na sua casa, Jethro, com a Sophie, um mês depois que ela foi liberada do hospital. Eu resolvi dar uma chance a ela e a você de se conhecerem. Mas quando eu cheguei em Alexandria, Kelly me contou que você havia acabado de se casar e estava indo para a Rússia com a Stephanie. Foi aí que eu decidi que não iria mais atrapalhar a sua vida. Eu tinha te mandado uma carta, tinha te ligado, tinha engolido o meu orgulho e aparecido na porta da sua casa com nossa filha nos meus braços e você tinha seguido em frente. Mas, seguindo o que eu havia escrito, se você estava feliz, eu ficaria feliz por você. Desse dia em diante, eu só voltei neste país uma única vez, que foi para levar Kelly para a Harvard, e criei a minha filha sozinha, sendo uma agente de campo e, posteriormente, agente infiltrada. Eu me virei.

Jethro tinha se sentando em meu sofá e encarava as próprias mãos.

— Desde quando Kelly sabia da existência de Sophie?

— Desde o nascimento dela. Kelly me escreveu quando você começou a falar em casamento, precisava de alguém para desabafar, Sophie tinha acabado de nascer e como ela ainda estava no hospital, eu resolvi ligar para a sua casa. E entre uma frase e outra eu acabei por falar. Quando eu contei a verdade e mandei uma foto da irmã mais nova para ela, ela me implorou que te contasse que te mostrasse a sua filha. Disse que tinha queimado a carta, pelo menos a dela, e o telefonema, ela não pode escutar a gravação, você arrancou das mãos dela. Quando ela me disse que tinha tentado trazer o assunto à tona, você o evitou de todas as formas. Por fim, ela pareceu perceber que você tinha lido a carta e tinha resolvido ignorar a irmã.

— Eu nunca li aquela carta. – Ele se defendeu. – Nunca. Kelly deveria ter me contado, deveria ter me mostrado as fotos, eu...

— Não jogue a culpa em Kelly. Você estava com outra mulher. De quem, eu sei, ela nunca gostou, e, para não desgastar o relacionamento de vocês, que eu sei, estava bem complicado naquela época, ela ficou calada, pois ela tinha certeza de que você diria que era mentira.

Jethro olhava para as próprias mãos, sem saber o que dizer. Eu repassava cada um dos últimos seis anos em minha mente.

De repente ele se levantou, como se atingido por um raio.

— Eu sonhei em ter uma família com você. Sim... eu sonhei. Vi tudo o que nós poderíamos ter sido, Jen. Tudo. Eu cheguei a sentir você grávida. E você fala para mim que eu nunca demonstrei um sentimento? Onde estava a mulher que soube me ler no pior dia da minha vida? Onde estava a mulher em quem eu confiei a intimidade da minha filha, quando não percebeu o que eu sentia por ela? Onde você estava quando não viu o que eu era capaz de fazer por você? Onde? Indo atrás da cadeira da Diretora? Tentando provar para cada um dos homens dessa agência que você podia ser mulher, mãe E agente ao mesmo tempo? Você me acusa de não ter demonstrado nada, mas e você? Fingiu cada uma daquelas emoções Jen? Ou simplesmente decidiu que eu não valia à pena, comparado ao poder que você teria? Por que você sumiu no mundo com a minha filha?

Eu fui pega de surpresa. Como ele me acusava de ter mentido?

— Eu não menti nenhuma vez para você, Jethro. Nenhuma, pois você sabe muito bem quando eu minto. Você me disse isso mais de uma vez, que você via, literalmente, em meus olhos, a mentira. Portanto, quando eu disse que eu te amava, eu realmente quis dizer isso! EU TE AMAVA, JETHRO!

Ele chegou bem perto de mim. Lendo minhas expressões, lendo o meu pequeno tique.

— Amava... sim, você me amava... realmente um passado.

Eu o encarava, minha respiração rápida em minha garganta, o ar mal dava para suprir a minha necessidade de oxigênio.

— Mas não tanto ao ponto de abrir mão da sua preciosa carreira.

— Não diga o que você pensou. Você nunca foi isso! Eu nunca te usei como um trampolim.

— Agora você consegue me ler de novo? – Ele disse irônico.

— Sempre consegui. Quando você deixa. Quando seus muros caem. Quando você é, simplesmente Jethro. – Eu disse sem pensar.

— E quando os seus muros vão cair? Quando você vai ser a Jen de novo? A minha Jen?

— Não se trata mais só de mim. Eu tenho que pensar na minha filha também.

Nossa filha. – Ele me cortou.

Eu o encarei. Ele me encarou de volta, era difícil saber quem estava mais magoado ali, quem tinha mais raiva e qual dos dois ainda sentia algo verdadeiro pelo outro.

— Eu nunca a criei para te odiar. Ela sempre soube de você, quem você era e porque estava longe. E você viu isso, viu quando ela te abraçou pela primeira vez. – Eu me defendi. Até porque eu sabia, no fundo, eu nunca seria capaz de odiar Jethro.

— Mas nunca passou pela sua cabeça que ela deveria crescer comigo ao lado dela?

— Ela teria essa chance? – Pus em dúvida suas palavras.

— Você deixaria, Jenny? Se você queria tanto a sua carreira, ela poderia ter ficado comigo, eu criei a Kelly, poderia tê-la criado também. – Ele foi frio.

— Não diga isso novamente, Gibbs. Eu amo a Sophie mais do que tudo no mundo. Ela é o meu mundo, desde o dia em que eu percebi que eu não poderia perdê-la para nada. E, não há nada que eu não faça para mantê-la do meu lado. NADA! E nem por todo o amor que eu sinto por você, eu vou abrir mão dela. Cheguei até aqui com ela do meu lado. Sendo mãe, depois agente. Não vai ser a sua presença que irá mudar isso. Fomos nós duas nos últimos cinco anos. E isso você não vai me tomar! Ela é a minha bebê. Meu milagre. Minha miniatura ruiva! Minha salvadora! Não se atreva tentar tirá-la de mim! NUNCA! – Eu gritei na direção dele e, sem notar, praticamente o tinha sob a mira de minha mão.

Ele me encarou, um misto de surpresa, saudade, arrependimento e culpa.

— Não sabia que você poderia ser tão passional por alguém. Queria que você tivesse usado toda essa paixão para ter ficado ao meu lado há seis anos. – Ele disse me pegando pelo pulso.

— Eu sou sim, Jethro. Pela Sophie eu faço qualquer coisa, assim como fiz por você em Positano e em Paris, mas disso você se não lembra. Assim, como fiz por Kelly quando você estava na Rússia. Eu sou passional. Só não mexa com as pessoas que eu amo.

Estávamos frente a frente. E flashs de nós dois juntos na Europa passaram pela minha mente. E depois as três vezes que nos beijamos desde que eu voltei. Céus, eu amo demais esse homem.

— E você ainda me ama, Jen? Ainda tem um resquício daquele amor dentro de você? Ou você passou os últimos anos me odiando? – Ele me perguntou a meia voz, chegando mais perto ainda de mim. Minha respiração ficou presa na minha garganta.

— Serei sua para sempre. – Repeti as palavras da carta. O olhar dele endureceu ao lembrar, de novo, da carta que deixei.

— Vai mesmo? Dessa vez sem partir? – Sua mão direita se moveu do meu pulso para o meu rosto, seu polegar pousava levemente no lábio inferior, nossos olhares presos um no outro.

— E para onde eu iria agora? Você acha que eu conseguiria tirar Sophie daqui? Acha que Kelly me deixaria levá-la para longe? Acha que eu conseguiria tirar a minha filha de perto do pai dela depois da felicidade que ela ficou em encontrá-lo pela primeira vez? – Eu fui sincera.

— Não. Pela Sophie você fará qualquer coisa.

— Você não tem ideia, Jethro.

— Sim, eu tenho, Jen. Sou pai. De duas. – Ele deu um meio sorriso. Daqueles que eu tanto amo.

— Responsabilidade em dobro, então. – Eu disse.

— Sim... pela Sophie nós fazemos qualquer coisa, e por nós? – Ele disse me pegando de guarda baixa.

— Nós?! Ainda pode existir um nós, Jethro? Depois de tudo isso? – Eu estava incrédula. Tão incrédula que dei um passo para trás.

— Eu não esqueci Paris, Jen. Tentei transformar uma ruiva e Moscou em você e Paris e não consegui. E estou disposto a tentar novamente.

Tentar novamente. Ele, eu, Kelly e Sophie. Uma família. A família que eu sonhei.

— Nós ainda temos muito o que conversar, Jethro, não podemos deixar nada sem resolver, dessa vez, uma noite um nos braços do outro não vai acabar com o problema. Temos que pensar em Kelly e Sophie. – Eu disse, e mesmo não querendo, eu me permiti ter esperança.

— Nós vamos tentar, Jen. Por elas, mas, principalmente, por nós. – Ele pegou meu rosto em suas mãos, e foi como ativar uma memória antiga, eu sabia exatamente como me encaixar nele, onde era mais confortável para nós.

Fechei meus olhos assim que ele tocou o meu rosto. Era como se fosse a primeira vez. Mas meu corpo respondia com a carga elétrica de cada uma das vezes.

— Abra seus olhos, por favor. – Ele me pediu. E quando ele pedia assim, era impossível de negar.

Abri os meus olhos para ser surpreendida pela potência do olhar dele. Aquelas orbes azuis que eu tanto amava, que eu sonhei por tanto tempo, pelas quais eu torci que ficassem gravadas no rosto da nossa filha, me fitavam de volta com aquele mesmo sentimento estampado. Ele me olhava como me olhou naquela noite em Londres, como me olhou quando dançamos no meio daquela pista de dança. E, mais uma vez eu não consegui, não me contive.

— Eu te amo. Sempre te amei e nunca vou deixar de te amar. – Falei a meia voz.

Ele não me respondeu. Levantou meu queixo com o polegar e o dedão e me beijou. Lentamente, testando os nossos limites. Relembrando os movimentos e cada pedaço de nossas bocas. Tocando o meu rosto como se eu fosse feita de cristal. Minhas mãos saíram de seus ombros largos e subiram por seu pescoço, indo parar em seus cabelos. O corte estilo Marine, tão diferente de como estava em Paris, mas mesmo assim, era tão ele. Seu rosto em minha mão direita. Sua respiração pesada e quente contra a minha pele.

Meu Jethro estava ali. Na minha frente. E me beijando.

Quando precisamos de ar, terminamos o beijo e colamos nossas testas.

— Eu senti a sua falta, Jen. De verdade.

— Você me disse isso meses atrás. – Eu sorri para ele, mas sem soltar meu abraço.

— Ali também era verdade. O que me leva a te perguntar uma única coisa.

— Que é? – Sem querer fiquei tensa.

— O não para fora do trabalho, foi para proteger a Sophie?

— Sim. Foi. Eu não tinha certeza da sua reação. Da reação dela. E de como eu iria controlar essa situação.

— Sei... e agora?

— Agora? – Eu arregalei meus olhos.

— Como vamos controlar aquelas duas e toda a equipe?

— Não sei. – Eu ri nervosa – Não faço a menor ideia. – Tentei soltar meu abraço e colocar o meu cérebro para funcionar. Mas quem disse que ele me largou?

— Vamos devagar entre nós. Depois contamos para elas. Como você disse, resolver primeiro os nossos antigos problemas.

De repente, o peso do mundo pareceu cair sobre mim. E se não déssemos certos? E se, de alguma forma, não estávamos destinados a ficar juntos? Meu estômago se fechou. Estávamos equilibrando nossas escolhas em muitos “ses”.

Jethro percebeu a minha agonia. Apertou seu abraço em minha cintura e sussurrou em meu ouvido:

— A propósito, eu também te amo, Jen. Deveria ter dito isso naquela ponte em Paris, mas não tive a mesma coragem que você teve.

Minhas mãos tremeram, meu corpo respondeu àquelas três palavras de maneira descontrolada. Ele realmente tinha dito aquilo? Olhei para ele.

— Você... – a palavra escapou de meus lábios.

Ele sorriu. O maior sorriso que eu já tinha visto no rosto dele.

— Por que tão assustada?

— Você realmente disse o que eu escutei?

— Que eu te amo?

Eu não podia acreditar. Poderíamos ser mesmo felizes?

— Sim! – E dessa vez fui eu quem o beijei. Não calmamente como ele conseguiu fazer, eu tinha seis anos de saudades para serem aplacados. Mas, esses seis anos teriam que esperar mais um pouco. Quando as coisas começaram a esquentar... quando tanto ele quanto eu já estávamos quase tirando a camisa um do outro, ele me lembrou de uma pessoinha que queria um pouco mais de respostas:

— Não que não queira isso tanto quanto você, seis anos também foi muito tempo para mim, mas Jen... Sophie está lá embaixo, junto com toda a equipe, que também quer respostas.

Eu o encarei. Definitivamente não tinha o mesmo autocontrole que ele.

— Mas você fica me devendo essa, Jethro, e eu vou cobrar. – Mordisquei a sua orelha ao dizer isto.

— E eu vou ficar feliz em pagar, Jen. Muito feliz.