Respiro aliviada quando alcanço a antiga loja e giro lentamente a maçaneta para evitar ruídos muito altos, como quando entrei pela primeira vez, acompanhada de uma amiga. Entro no estabelecimento sendo seguida de um familiar som de tilintar de sinos que sinalizaria minha chegada para a proprietária.

Melissa, uma garota alta e delicada apesar das poucas curvas, dona de longos cabelos ruivos e olhos verdes com algumas sardas espalhadas pela bochecha, ela tem vinte e um anos e é bem simpática apesar da aparentemente timidez. Na verdade, ela não é a fundadora da loja, a loja é uma herança da família da mãe dela, que vem passando de mãe para filha desde a bisavó dela e desde que a mãe dela morreu a alguns meses ela é a nova proprietária, infelizmente a mãe dela também foi uma das primeiras vítimas que ocorreram em Seattle. Não se sabe exatamente a que horas ou quando ela foi atacada, a única certeza é de que foi no espaço entre a loja e a casa dela, o corpo dela foi encontrado cerca de dois dias depois da denúncia de desaparecimento, infelizmente o corpo só pode ser reconhecido por uma pequena tatuagem que ela fez quando a filha nasceu.

Concentro-me novamente a minha realidade quando um barulho alto me chama a atenção, me fazendo perceber que Melissa já se encontrava a minha frente, encarando-me confusa e com a sobrancelha levantada, como se silenciosamente me perguntasse se estava tudo bem.

Balançando suavemente a cabeça afirmativamente como se dissesse que estava tudo bem. Respondendo à pergunta silenciosa, reaproximei-me do balcão, jogando logo em seguida minha bolsa por cima do mesmo, fazendo com que alguns livros e páginas escorregassem pela abertura da bolsa.

— Achei que finalmente tinha tomado juízo - Diz Melissa sorrindo divertida - Faz mais ou menos o que? Umas duas semanas que não passa por aqui? Nem para uma visitinha... - Finaliza ela fazendo cara de decepcionada enquanto balançava a cabeça como se reprovasse minha atitude, fazendo-me rir baixinho da sua pequena dramatização.

—Sem drama ok? Só não vim aqui antes, e acredite eu queria, por que minha mãe estava desconfiando das minhas saídas escondidas, não tão escondidas assim - Digo enquanto coloco a mão dentro da bolsa, pegando primeiro os pequenos livros, para logo em seguida pegar um maior e mais grosso, que com certeza deveria ser o motivo de aquela bolsa pesar tanto.

—Uou, para que isso? - Pergunta Melissa confusa encarando a pequena pilha de livros

—Esses livros estavam mofando em casa e resolvi que queria fazer algo com eles, e já que não conheço muitas pessoas que gostam realmente de livros resolvi dá-los para você, então se quiser vende-los ou ficar com você, é escolha sua - Digo batucando uma das mãos no balcão enquanto procurava com os olhos dentro da bolsa a pequena folha que continha a lista de livros que queria, lembrando segundos depois de algo, então levanto o olhar para encontrar o olhar dela enquanto acrescentava:

—Tem mais um livro, um dos meus preferidos, mas esqueci na casa de uma amiga minha, então, talvez na próxima - Termino dando de ombros e finalmente encontrando o pequeno papel branco, rasurado, como anotações, em uma letra cursiva e inclinada ligeiramente para o lado.

—Aqui - Digo entregando o papel para ela - Tem esses livros? - Pergunto apontando no papel enquanto apoiava-me no balcão

—Hum...Esse tem, esse aqui também e... - Ouço ela balbuciar baixinho, dando alguns passos para o lado enquanto lia a pequena lista, mas parando um pouco enquanto me apontava algo no papel, que para enxergar tive de aproximar-me mais, me espremendo um pouco entre o balcão.

—O que está escrito aqui?

—Romeu e Julieta - Digo depois de ler silenciosamente para mim mesma, fazendo com que Melissa abrisse um sorriso de lado.

—De novo? - Pergunta fazendo cara de garota travessa

—Uhum, eu acabei rasgando o outro de tanto que marquei a bendita folha - Respondo depois de alguns segundos de silêncio, um pouco amuada, esperando a reação de sempre.

Não me decepcionando ela fez exatamente o que eu esperava, riu escandalosamente enquanto se abanava com uma de suas mãos, como que para se acalmar.

—Da para parar com isso? - Pergunto indignada esperando que a mesma pare, conseguindo o prodígio alguns minutos depois.

—Finalmente - Digo bufando fazendo Melissa revirar os olhos

—Depois eu sou a dramática - Murmura a mesma, fazendo com que dessa vez quem revire os olhos seja eu.

—Da só para pegar a porcaria do livro - Digo tentando parecer brava

—Sim senhora - Diz Melissa arrumando a postura e batendo continência enquanto desvia de algumas mesas para chegar a estante dos fundos, puxando um livro fino de capa dura logo em seguida, praticamente marchando de volta alguns minutos depois, depositando em cima do balcão o mesmo livro com alguns outros.

—Aqui Ayme, só faltou um tal de ... As brumas de Avalon - Diz Melissa me entregando os livros em uma sacola

—Dá quanto? - Pergunto tirando a carteira do meu bolso de trás

—Não precisa de nada - Diz ela sorrindo - Com o tanto de livros que me trouxe paga tudo e ainda deixa crédito – Conclui largando o corpo sobre o balcão com um largo sorriso no rosto

Com veemência aceno em discordância no mesmo instante, sua sugestão, ou afirmação, é totalmente inviável, já que sei o quanto é difícil bancar aquela loja sem nenhuma ajuda, completamente só.

—Não vem com essa - Digo fazendo pouco caso das suas palavras e depositando uma nota de cem no balcão - Aceita isso ao menos - Digo me virando, não esperando para ouvir suas reclamações enquanto caminho até a porta, parando centímetros antes de me chocar contra a mesma, para abrir a bolsa e colocar a sacola dentro. Ajeito a bolsa, equilibrando o peso.

Com a outra mão abro a porta, logo sentindo uma brisa leve passar por mim, levantando alguns fios de cabelos, os jogando contra o meu rosto. Paro por alguns instantes para fechar a porta e olho para cima, percebendo rapidamente que estava mais tarde do que eu pensava. Tateando no bolso de trás em busco do meu celular para checar as horas sinto falta da minha carteira, que deveria estar no bolso da calça, como o celular. Deduzo que devo a ter esquecido em cima do balcão quando dei o dinheiro a Melissa, resmungando por ter de voltar lá novamente e correr o risco de “discutir” com a Mel, volto para a loja, da qual havia me afastado alguns passos sem perceber. Antes de abrir a porta, porém, olho novamente para o outro lado da rua, conferindo se o estranho homem de mais cedo permanecia por ali, mas observei com um estranho alívio que ele já não se encontrava mais por lá, o que fez surgir um pequeno sorriso no meu rosto.

Porém o sorriso logo sumiu, sendo substituído pelo medo e por um grito sufocado. Voltando-me para a porta, me deparo com o homem que mais cedo me encarava me modo sinistro, do outro lado da rua, porém, agora estava tão perto que eu deveria poder sentir sua respiração e identificar os mínimos detalhes de seu rosto, aqueles que haviam me escapado mais cedo e até mesmo notar a perfeição dos traços do garoto, garoto por que percebo agora que não se trata de mais que um adolescente, no máximo um ou dois anos mais velho que eu mesma. Metade do rosto ainda estava parcialmente coberto, mas era possível ver os traços dos lábios rubros que estavam a centímetros do meu, a palidez estranha de sua pele, como a de uma pessoa albina, mas a característica incrivelmente só colaborava para seu perfil invejável, um porte médio e bem definido, dava para notar mesmo com as roupas estranhas que usava, sua mão meio estendida, que me atraia, como um feitiço, fazendo-me tentada a tocar, mesmo que brevemente e tentar descobrir se os dedos eram tão macios quanto pareciam, se pareciam tão frios quanto a palidez parecia dizer.

E mesmo assim nada daquilo me atraía por tempo o suficiente para que meu cérebro parasse de me lembrar a todo segundo de que ele representava perigo, como uma enorme placa brilhando na frente dos meus olhos com os dizeres: PERIGO!

Inconscientemente dei alguns passos para trás, consequentemente me desequilibrando por não olhar para onde direcionava meus pés. Por puro reflexo fechei os olhos, esperando o choque contra o chão, mas depois de alguns minutos quando percebi que não tinha e nem iria se chocar contra o chão, abri levemente os olhos, me deparando com o garoto estranho por cima de mim, bem próximo, me segurando com apenas um braço.

—Devia tomar mais cuidado - Diz sorrindo sem mostrar realmente os dentes

—O-obrigada - Disse tentando não ter nenhuma reação estúpida, mas tentando fugir daqueles fortes braços ao meu redor, que mais pareciam uma prisão em torno de mim.

—Hum... Bonita sem dúvida – Diz conforme passa uma das mãos de maneira suave pelos meus cabelos, descendo cuidadosamente pela lateral do meu pescoço, e os calafrios voltaram, insuportáveis dessa vez, não me contenho ao tremer um pouco.

—Me solta -murmuro baixo, depois respiro fundo, tomando fôlego e repito mais alto.

—Me solta! - Digo tentando soltar-me

—Hum...bravinha? - Olhando para mim com um sorriso sádico no rosto.

E então ele tira o capuz, fazendo-me prender a respiração, sentindo meu corpo ficar tenso e qualquer tipo de resistência que eu estava tentando preparar evaporou, ao ver o que se escondia debaixo do capuz, grande e brilhantes olhos vermelhos.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.