— Stiles, olha para mim.

O garoto, atordoado, encarava um ponto fixo no chão, os olhos úmidos e o rosto sem expressão.

— Stiles, eu sei como é difícil, mas por favor, fala comigo.

O humano estava repleto de sangue, a roupa melada grudava no corpo, a pele pálida manchada de vermelho. De sua mão, o líquido gosmento escorregava pelos dedos e pingava no chão claro.

Ele levantou a cabeça, como se finalmente tivesse escutado a voz feminina, mas o rosto continuou inexpressivo e os olhos focavam o vazio. Estava completamente perdido em pensamentos mórbidos.

— Você precisa dizer o que aconteceu, Stiles. Onde estão seus amigos? De quem é esse sangue?

O menino virou a cabeça, a inclinando para o lado, suas sobrancelhas se franziram sutilmente. A mulher, desconhecida, de cabelos negros como carvão, segurou a mão molhada de Stiles, percebendo o quanto seus braços tremiam.

— Stiles?

Ele fez uma expressão confusa e a mulher o encarou com firmeza, comprimindo os lábios e respirando fundo.

— Você lembra quem você é? Lembra o que aconteceu?

— S-stiles. — O garoto gaguejou debilmente o próprio nome, tentando raciocinar.

— Ok, me escuta com atenção. Você chegou aqui no hospital há algumas horas, dizendo algo sobre seus amigos e seu pai.

— Horas? — Novamente, o menino só conseguiu proferir uma palavra, confuso.

— Sim, Stiles. Você está todo coberto de sangue e seu pai está desaparecido. — A mulher explicava lentamente, fazendo flashes de lembranças invadirem a mente de Stiles. — Alguns policiais foram na sua casa e acharam uma menina morta. Um amigo seu, Scott, ligou para o hospital, dizendo que a mãe estava ferida, em casa, mas ninguém a encontrou. Houve um incêndio em um loft, os bombeiros estão tentando apagar as chamas e dois colegas seu de classe, Isaac e Sabrina, também sumiram.

— Ela morreu. — O menino, ainda sem expressão, largou a mão da mulher e ergueu os dedos em frente ao rosto.

Ele contou lentamente, dedo por dedo, sussurrando baixinho, até perceber, horrorizado, que aquilo era real.

— Não pode ser, tem que ser um pesadelo. — A voz dele era grave, baixa, incrédula e então, seu rosto finalmente foi preenchido por uma expressão.

Os olhos castanhos derramaram lágrimas, a boca se abriu em choque, a testa se franziu, as sobrancelhas se inclinaram e soluços rasgaram seu peito, escapando pelos lábios sujos de sangue. O rosto dele estava devastado, o choro era agoniante, mas a mulher continuou firme, contendo as lágrimas.

— Você precisa ajudar seus amigos, precisa me contar o que aconteceu. — Ele negou com a cabeça, o corpo tremia e a respiração falhava. — Você precisa ser forte, Stiles, se não todos eles vão morrer.

— Isso não pode ser verdade. Isso não é real.

— Stiles! — A mulher aumentou a voz, a deixando dura, ríspida, pois precisava fazer o garoto falar. — Seus amigos precisam de você, me diga qualquer coisa que possa ajuda-los. Alguém mais corre perigo? O que está acontecendo, por que tudo isso parecer ter relação com você?

— O bebê, o bebê precisa de ajuda. — Sendo despertado pelas preocupações, com uma dor horrenda na cabeça, o garoto começou a balbuciar frases uteis apesar de desconexas. — Vocês precisam achar Kira.

— Kira? Ela está grávida, não é? O bebê corre perigo?

O rosto do menino, em meio ao choro, se tornou confuso e se conseguir compreender, se perguntou quem era a menina morta em sua casa. E se não fosse a dona da maior quantidade de sangue no seu corpo? E se fosse a mulher que tanto amava e que corria perigo por sua culpa?

Não, ela não podia ter morrido.

— Quem é a menina morta?

— Stiles, por favor, não pensa nisso, você precisa se concentrar nos vivos, nos que podem ser salvos.

— Não. — O menino sussurrou para ele mesmo, sem conter o choro, sem conter o desespero.

Estava agoniado com o sangue no corpo, agoniado com o medo do que poderia acontecer com seus amigos, a mente estava confusa, o corpo trêmulo. Como sempre, tudo aquilo era culpa dele, todos estavam morrendo, todos estavam feridos e responsabilidade era toda dele.

Stiles não conseguia acreditar que Kate não foi a pessoa que mais o feriu e que no final das contas, Nogitsune não foi o pior vilão.

Tudo aquilo que estava acontecendo era tão surreal, tão doloroso, que ele quase quis voltar no tempo, voltar aos meses que se passaram como um furacão, para a época que o problema mais difícil de se solucionar era ele e Lydia possuídos pelo demônio.

Pelo menos, quando enfrentaram o espírito que quase enlouqueceu Lydia, eles sabiam exatamente o que estavam enfrentando.

O pior inimigo, a pior luta que a alcateia já teve, foi enfrentar o desconhecido e descobrir, que os verdadeiros monstros, eram humanos.

Meses atrás...

Callie andava de um lado para o outro, Derek estava parado, escorado na parede em completo silêncio, Sabrina, ainda fraca, se curando, estava sentada ao lado de Scott e Isaac que estavam igualmente fragilizados, todos na clínica veterinária, esperando uma solução vinda de Deaton.

— Vocês têm certeza que os dois foram possuídos? — O veterinário, incrédulo, disse lentamente.

— Stiles torturou Scott com as próprias mãos e Lydia quase me matou, então sim, nós temos certeza. — O tom de Isaac foi áspero e por instinto, encarou Sabrina que respirava com dificuldade. — E o desgraçado ainda feriu ela.

— Como isso é possível? — Callie perguntou com os olhos arregalados.

— Você disse que tinha muito sangue na casa e que Nogitsune disse que salvou Stiles. — O doutor tentou confirmar, encarando Scott que balançou a cabeça em afirmação. — Eu acho que sei o que aconteceu. — Falou a contragosto, ainda incrédulo, respirando fundo e negando com a cabeça.

— Então me explica porquê eu encontrei Sabrina com uma estaca enfiada no meio do corpo, exatamente como fizeram comigo! — Derek estava irritado, as mãos fechadas em punho, a expressão séria e os olhos verdes pareciam ameaçar qualquer um que o encarasse.

O veterinário suspirou, cruzou os braços e encarou Scott por um instante, que era o único que não dizia nada. O Alfa devolveu o olhar, mas estava distante, só conseguia se preocupar com a namorada grávida, que não sabia sobre o que estava acontecendo. Ele queria a poupar do estresse, para não prejudicar a gestação, mas temia que ela fosse um algo fácil para Nogitsune.

— Stiles fez um plano, que ele esqueceu quando perdeu a memória e que Lydia não queria seguir de jeito nenhum. — Ele começou falando devagar e todos o encaram atentamente. — O plano era usar o Nogitsune para vencer a Morte, para os dois se destruírem.

— Como isso é possível? — Foi Scott que falou, sobressaltado.

— Tem como derrotar a Morte? — Sabrina, com a voz falha, perguntou.

— Quando Stiles estava possuído e a névoa o cobriu, o Nogitsune foi embora, então a teoria dele faz sentido. — Ele respirou fundo, bateu os pés, desconfortável e voltou a explicar para os adolescentes. — Entendam, o Nogistune se alimenta da morte, mas a Morte, em sua forma física é muito forte, então eles...

— Eles consomem um ao outro. O Nogitsune se alimenta da Morte e a Morte se alimenta do Nogitsune. — A conclusão veio de Derek, que começava a entender o que tinha acontecido.

— Exato e Stiles ficou obcecado com esses pensamentos, porque é a única forma de se livrar do Nogitsune e destruir a forma física da Morte.

— Mas o Nogitsune precisa de um hospedeiro... — Callie parou de andar ao chegar a terrível conclusão.

— Sim e precisaria ter o controle completo do corpo. Bem, como Stiles já é um alvo fixo do demônio, ele queria ser possuído propositalmente e que Lydia atraísse ele até a Morte. — A expressão de choque e compressão de todos, fez o veterinário parar de falar por um instante. — Ele sabia o quanto isso era perigoso, mas que se conseguisse fazer isso, livraria também todos vocês do perigo.

— Como ele queria fazer isso? Como ia ser completamente possuído? — Scott, aflito, levantou com dificuldade.

— Como parecia que o Nogitsune tinha parado de o perseguir, ele queria que Lydia o matasse, para atrair o demônio e ela, seria a única capaz de ressuscita-lo, caso algo desse errado.

— Mata-lo? Era esse plano imbecil dele? — A raiva de Derek parecia ter se multiplicado.

— Com ele morto, Nogistune não iria querer perder o hospedeiro e assumiria completamente o controle. — Percebendo a reação de todos, tentou inutilmente melhorar o que falou. — Ele não precisaria necessariamente morrer, mas chegar perto disso.

— Eu não acredito que ele conseguiu convencer Lydia de fazer isso. — Callie, incrédula, falou.

— Ele não conseguiu, mas os dois foram falar comigo, pedindo para guardar segredo e queriam saber se tinha outra maneira de fazer isso e bem, chegamos a conclusão que essa seria a única forma definitiva de se livrar do demônio e da Morte, então Stiles ficou decidido a seguir isso. — O veterinário falava e observava a expressão de cada um. — E esse plano só seria um pouco mais seguro, com a ajuda de Lydia, mas ele estava disposto a fazer de qualquer jeito.

— Mas ele perdeu a memória, não tinha razão para Lydia fazer isso. — Sabrina murmurou.

— Eu sei, isso que não entendo, porque ela estava disposta a não seguir jamais esse plano, mesmo sendo a única solução. — Deaton parecia pensativo, tentando entender. — Mas isso, dos dois serem possuídos, era um dos riscos de seguir essa ideia, pois se Lydia estivesse conectada com Stiles na hora que ele fosse possuído, o Nogistune teria acesso aos dois.

— Isso explicaria o sangue no chão e nas roupas deles. — Isaac murmurou.

— E porquê o Nogitsune disse que salvou Stiles. — Scott concluiu, trêmulo.

— Olha, eu não sei o porquê isso aconteceu, mas a maior esperança dos dois é vocês seguirem esse plano, acabarem com o Nogistune e a Morte de uma vez por todas.

— E claro, torcer para Stiles e Lydia não morrerem nesse processo. — Com a fala pessimista de Derek, o consultório ficou em completo silêncio.