Caminhantes

Olhos abertos, mais uma vez


Lucy POV

Quando minha mente se conectou à realidade, meus olhos estavam borrados. Com a visão tremendo e um bizarro clarão cegante. Mas aos poucos as primeiras cores se juntaram, formando algumas formas. O primeiro foi uma mesa de madeira, cheia de papéis.

Há alguém na minha frente dizendo algo que não consegui compreender muito bem, por causa do tom abafado. Mas minha atenção foi para o fato que não existem paredes, e sim um pano em tons bege escuro à nossa volta.

É uma tenda? Uma bem grande a ponto de eu estar em pé e o teto não bater na minha cabeça.

Não existem muitas coisas além de um chão meio arenoso, a mesa no centro ocupando a maior parte do espaço. Uma cadeira esculpida com alguns detalhes, mas nada muito luxuoso. Uma pequena estante cheia de livros investigativos, e entre as suas folhas, há marca páginas coloridas.

Nesse ponto meio confuso, o som antes indistinguível, começou a fazer algum sentido.

— Lucy, você está me escutando? -a pessoa me encarou.

Pisquei desnorteada. A mulher de armadura prateada, tombou a cabeça de lado, franzindo as sobrancelhas.

— Lucy? Ei... Lucy? LUCY? -irritada, ela bateu na mesa com as duas mãos, fazendo seu cabelo ruivo balançar- LUCY KNIGHTWALKER!?

— Uh!? O que? -arregalei os olhos, pasma- Erza...?

— Até que enfim. Você estava me escutando?

Meu rosto congelou. Procurei pistas rapidamente para saber do que ela está se referindo. Então, percebi que o que está na mesa, não são apenas papéis. Um grande mapa com alfinetes vermelhos espetados meticulosamente.

Então a encarei um pouco... Bom, muito confusa, enquanto a ruiva suspirou, segurando a testa.

— Você sempre é assim... -e ela ficou em silêncio por dois segundos. Balançou a cabeça negativamente- Quero te perguntar de novo. Repensou na minha proposta?

E mais uma pergunta foi jogada de repente.

Que proposta?

Vasculhei na minha mente. Enquanto encarei minhas mãos... Elas estão cheia de cicatrizes.

Uma mão familiar e desconhecida.

Então em uma rápida compreensão, entendi que realmente uma vida estava acontecendo aqui, de uma outra Lucy de um outro mundo. Eu como uma grande devoradora de livros, li uma ou outra vez sobre... Possessão?

Uma vez fui para Edolas, um mundo paralelo, mas em vez de ir com meu próprio corpo...

— Lucy!? -a mulher ruiva na minha frente ficou com uma expressão mais severa.

Engoli seco e busquei mais apressada se sabia de algo do que ela estava falando.

Parece que recebi o corpo dessa Lucy, mas não as suas memórias.

Dei um sorriso tenso. E as sobrancelhas de Erza tremeram, com o rosto congelado e pasmo.

O que houve?

Toquei na minha bochecha para confirmar se tinha algo grudado. Mas me deparei com um metal frio no rosto, a minha máscara.

— V... Você está sorrindo? Quem você pensa em matar dessa vez? -perguntou horrorizada, então bateu na mesa mais uma vez- Lucy Knightwalker! Quantas vezes tenho que dizer que as coisas não se resolvem através de lutas até a morte! Minha proposta nem é tão ruim assim!

Sem saber o que responder, a fitei um pouco mais.

Que maldita proposta? Lutas até a morte? Que demônios?

— Ha... -ela massageou as têmporas.

Oh Erza, desculpe por ser a causa de sua enxaqueca...

A verdade é que eu não sou a Lucy que você conhece. Meio que caí aqui... Porque esse mundo é uma realidade falsa e precisamos voltar para nosso tempo original... Então você pode gentilmente me explicar como as coisas estão funcionando por aqui?

Não tem como eu dizer isso!

— Imagine comigo -ela se debruçou na mesa, me encarando seriamente- Como o pessoal se sentiria ao seguir a Platina Sanguinária? Emocionante, certo? Hum, hum, eu entendo.

Ela assentiu com a cabeça, junto com a miragem que ela estava descrevendo em sua mente, sonhadora e convencida que era a melhor ideia do mundo.

Que? Que tipo de nome é esse? Esse apelido horripilante chamado Platina Sanguinária?

Não me diga...

Senti uma bizarra premonição que esfriou minha espinha.

— Capitã! -atrás de mim a tenda foi aberta.

Me virei e um desconhecido cheio de suor na testa começou a gritar com o rosto aflito. Ele que estava pálido, ficou mais branco ao me ver, começando a gaguejar:

— P... Platina?

Congelei. Então sou eu mesmo?

Ele está claramente me encarando. E com tanto horror estampado nos olhos!

— Diga, qual o problema? -Erza comandou seriamente.

O homem despertou rapidamente e exclamou com urgência:

— Capitã, os cavaleiros estão nos invocando! Uma horda... de Cannis estão se aproximando!

— O quê? Cannis? E o que o pessoal do templo está fazendo?

— Os... Paladinos estão dizendo que estão muito cansados pelo planejamento da barreira... E disseram que iriam estar na retaguarda.

— Outra desculpa sem lógica, que tipo de besteira eles já não disseram antes, só para não se expor na linha de frente!? -ela comprimiu os lábios e mordeu o maxilar, engolindo a raiva- E os cavaleiros?

— Os cavaleiros imperiais... Ontem se dividiram para uma expedição. O seu número não vai ser o suficiente, e estão prestes a entrar em conflito interno com os paladinos.

— ESSES BASTARDOS ESTÚPIDOS! -gritou irritada.

— Capitã, quais as suas ordens?

— Apenas se apressem!

— Sim senhora!! -ele bateu os pés em retirada.

Voltei os meus olhos para uma Erza suspirando.

— Enfim, vamos -ela me encarou melancolicamente.

A ruiva deu a volta pela mesa e passou os braços pelos meus ombros. Apoiada em mim como se eu fosse sua bengala, descobri que não era tão pesada. Foi a primeira estranheza que senti.

— Está pronta, Platina Sanguinária? -ela sorriu, erguendo a entrada da tenda com a mão.

Revelou o ambiente afora. Em uma terra arenosa e aberta, existem várias tendas cor bege. Assim como um acampamento militar. Com alguns barris de água e fogueiras apagadas com caldeirões meio abandonados.

Vários homens correram apressados, pegando suas ferramentas de guerra.

— ANDEM MAIS RÁPIDO, BASTARDOS! OS CANNIS NÃO IRÃO ESPERAR NENHUM DE VOCÊS! -gritou um desconhecido, dando ordens.

Então esse homem se virou para nós e com a expressão séria, se aproximou.

— Capitã, estaremos prontos em cinco minutos.

— Então faça estar prontos em dois -foi a resposta da ruiva implacável.

— Sim, senhora! ESCUTARAM CACHORROS? ESTAMOS DE PARTIDA PARA AGORA!

— SIM SENHOR! -veio a resposta uníssona.

Com fivelas sendo apertadas, os panos sendo friccionados, armas de metais se colidindo com o couro de suas bainhas. O som pesado de botas no chão de terra para todo lado.

Suas roupas com cordões de couro não mentiam, não há uma bandeira imperial ou uniformes de algum esquadrão. Estão meio espalhafatosos, cada um com roupas diferentes para a batalha. Meu rosto congelou ligeiramente. Espera...

Fui arrastada até o final do aglomerado de tendas, aonde há vários cavalos sendo trazidos. Todos de cores em branco e marrom e nenhum com alguma raça específica, e vários homens montando neles fazendo uma formação meio espalhada e sem ordem.

— Você trouxe o Estrela Negra e Esperança Flamejante? -a ruiva perguntou para um cavalariço.

— Sim, senhora.

... Que nomes são esses? Franzi as sobrancelhas.

Logo dois cavalos bonitos se aproximaram, se destacando entre os vários espécimes malhados. Altos e de um aspecto intimidadores. Não... Até os cavalos parecem assustadores!?

O cavalo negro parou na minha frente, enquanto Erza subiu nas costas de um marrom que pode ser confundido com um vermelho barro.

Olhei para os olhos avermelhados do cavalo negro à minha frente. Ele escavou o chão com uma baforada ameaçadora.

Comprimi levemente os meus lábios.

Por que esse cavalo parece ser uma montaria de algum tipo de boss de uma dungeon fantasiosa?

— O que você está fazendo? -a ruiva estranhou, puxando as rédeas do cavalo avermelhado.

— Nada -respondi.

Estendi a mão bravamente para o cabalo negro e este cheirou a minha palma. O animal agitado e de aparência feroz, abaixou a crina levemente em uma revência. Um pouco surpresa, dei a volta e respirei fundo. Me ajeitei e subi nas costas dele.

Como pensei, é incrivelmente alto. Segurei o couro das rédeas com um punho cerrado, o cavalo obedeceu facilmente, me reconhecendo.

Erza sorriu e gritou para os outros homens que também estavam preparados.

— MERCENÁRIOS DA TURTLE SHETYW AVANTE! -seu cavalo empinou heroicamente, tomando a frente.

— OOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOH! -eles ergueram as suas armas, cheios de entusiasmo.

A fumaça se ergueu com o galope em conjunto. Somos ao redor de cinquenta pessoas.

E como pensei, nós somos mercenários...!

Resmunguei interiormente. Oh Lucy... Você estava tendo uma vida bem louca, pelo menos poderia ter escolhido uma guilda! Não só isso, até mesmo Erza é a própria líder!

Na nossa esquerda há uma muralha alta feita de pedras, significando que estamos do lado de fora de uma cidade. Meus olhos passaram para a nossa direita com uma floresta meio densa. E começamos a rumar para algum canto. Logo, mais pessoas apareceram no horizonte. Em uma briga feia iniciada com bestas grandes.

Os Cannis tem um corpo peludo, meio humanoide, mas a cabeça de um lobo e longos dedos terminando em garras tão potentes que podem rasgar uma pessoa ao meio facilmente, junto com um rabo comprido para ajudar no equilíbrio de sua altura de quase três metros. São conhecidos pela sua feroz agilidade, mas mais que isso, eles se movem em grandes manadas, tendo desse diferencial da maioria das bestas que geralmente são solitários.

Claramente entre a grande briga, os paladinos em suas túnicas brancas, se esgueiraram para trás, enquanto os de armadura prateada dos soldados do império estavam lutando pelas suas vidas, em apuros.

— PRECISAMOS DE AJUDA! -gritou um dos cavaleiros, caindo de costas no chão, com uma espada bloqueando um ataque de garra de um Cannis.

— PALADINOS, VOCÊS VÃO FICAR SÓ OLHANDO? -vociferou o outro, enquanto via mais de seus companheiros caírem.

— EM NOME DA DEUSA, NÓS SOMOS ESPECIAIS! E ESTAMOS COM UMA MISSÃO SAGRADA DE VIVER PARA FAZER A BARREIRA! -gritou um dos de túnica branca, dando outro passo para trás, segurando um cajado brilhante na mão.

— QUE BARREIRA O QUE? ESTAMOS MORRENDO, SEUS BASTARDOS IDIOTAS! -o cavaleiro respondeu, ferozmente.

Nesse momento uma das bestas abriu a grande boca e mordeu o braço do homem.

— AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! -ele berrou de dor, com um enorme espirro de sangue saindo do coto arrancado.

— STEVEEEEEE -o amigo balançou a espada em pânico para cortar o Cannis na sua frente e correr para o amigo que caiu de joelhos no chão.

— VOCÊS OUSAM DESAFIAR E IR CONTRA O DESEJO DA DEUSA? O TRABALHO DE VOCÊS É NOS PROTEGER! -o paladino ergueu o nariz orgulhoso. Mesmo com a visão sangrenta de ver pessoas lutando pela vida, apenas recuaram e assistiram friamente, com o olhar cheio de nojo, como se a poeira e o sangue fossem algo repugnante.

Minhas sobrancelhas tremeram com isso.

Claramente os paladinos estavam com uma ligeira barreira transparente... Alem de assistir pessoas morrerem em sua frente, estavam gastando a própria energia para fazer uma barreira para eles mesmos?

E estavam tão calmos fazendo isso!

— Tsk... -Erza estalou a língua, desgostosa- TURTLE SHETYW! NÃO TENHAM PIEDADE DOS MONSTROS!

— SIM CAPITÃ!

— OS MERCENÁRIOS...! -os cavaleiros cansados abriram um sorriso, ao nos ver, como se a esperança tivesse chego.

— SÃO A TITÂNIA INVENCÍVEL E A PLATINA SANGUINÁRIA!

Os mercenários correram para frente e acudir os cavaleiros que estavam perdendo. Os grandes lobos meio humanos babavam mostrando seus dentes, ameaçando com suas garras afiadas. Muitos homens estavam com grandes feridas, manchando o chão de sangue.

— Vamos Lucy -a ruiva sorriu, se equipando com uma grande espada.

Como se o número esmagador de monstros fosse nada. Era uma luta bizarra aonde era pelo menos dez de Cannis para cada humano, e a cada homem caído, sobrava mais inimigos para cada um enfrentar.

Abaixei mais para perto da crina de Estrela Negra, com o seu pelo fazendo cócegas no meu rosto pelo vento. Puxei minha mão para a minha coxa, procurando meu molho de chaves. Mas descobri que... Estou lisa?

CHAVES? CADE VOCÊS!?

Nos aproximamos cada vez mais, com o som das espadas e carnes se rasgando se tornou mais alto, então Erza sorriu para mim.

— Lucy, dessa vez eu te dou a permissão para uma bagunça! APENAS VÁ E FAÇA TAU TAU CATAPLAU!

Meu queixo caiu levemente atordoada.

O QUE DEMÔNIOS É TAU TAU CATAPLAU!?