Caminhantes

Mesmo com medo, uso todas as minhas forças


Lucy POV

— Moça! Moça! -escutei levemente uma voz infantil.

Abri minhas pálpebras lentamente e encontrei dois olhos azuis. Uma menininha de cabelos negros me fitava preocupada e medrosa. Me sentei.

— Ai... -coloquei a mão na minha cabeça, tinha um galo onde toquei. Estou meio zonza, a menininha me encarava preocupada. Logo me lembrei. Fui raptada.

— Moça? -chamou a garotinha.

— Onde estou!? -olhei em volta desesperada. Me encontrava num tipo de masmorra, uma sala circular feitas de pedras escuras, uma janela pequena bem no alto, vi que anoitecia.

— Moça, você foi raptada também? -ela perguntou.

Eu olhei para a garota, mesmo com pouca claridade, os olhos azuis dela eram muito marcantes, mas muito assustados. Percebi que ela levava roupas encardidas, uma camisa e um moletom, nada mais.

Ainda estou sentindo dores de cabeça. Essa garota... “Também”? Então ela foi raptada... E parece ter ao redor de dez ou onze anos.

— Sim... Acho que sim. -falei vagamente, então perguntei- Sabe aonde estamos?

— Não... -ela abaixou o olhar chorosa- Mas... Antes tinham outras moças e crianças aqui... Um homem grande pegou elas e não sei mais... -Em que raios de lugar fui me meter!? Mas a garota estava tão confusa e com medo. Eu respirei fundo, a olhei e sorri para confortá-la.

— Sou Lucy, e você?

Ao ver minha expressão, ela pareceu mais calma.

— Serena. -me olhou com um sorriso forçado.

Ok, estou presa em algum lugar por homens que raptam mulheres e crianças.

— Será que vamos morrer? -Serena marejou os olhos.

Arregalei meus olhos, uma criança tão jovem, perguntando sobre a morte!? Não! Isso está errado! Muito errado! Tenho que protegê-la, ou não me chamo Lucy Heartphilia!

— Não Serena! -respondi séria, os olhos azuis me fitaram- Eu vou nos salvar! Sabe, sou uma Maga Celestial, promessas comigo são dívidas! E prometo. Eu vou te tirar daqui!

Serena me olhou, tremeu receosa e me abraçou. Eu a abracei de volta protetora. Boa Lucy, agora como vamos sair desse lugar!? Pensa, pensa... Minhas chaves!!

Olhei para minha cintura, nem minhas chaves, nem meu chicote estão aqui. Congelei. E agora!? Meu deus, estou no meio de não sei aonde, perdida... ESTOU É FERRADA! E PARA COMPLETAR, DERAM DESCARGA DO ESPIRAL DOS “JÁ ERA, NÃO ME LIGA”!

Serena soluçou. Verdade, calma Lucy, você precisa protegê-la. Coloquei a mão em cima da cabeça dela, o rosto da menina se escondia na minha camisa. Comecei a cantar.

Olhe o sol, ele brilha até o horizonte,

Nos bambuzais aonde você se perdeu

Eu irei te buscar, não chore

Mesmo que a noite venha

A lua cheia será minha guia.

Se fosse possível

Me tornaria um pássaro

E voar como estrela cadente

Para você.

Se está com medo dos monstros

Calma, eles são pura mentira,

Fique silenciosa

E irá escutar, que na verdade

Toca a música das fadas

O assobio de uma sinfonia.

Quando perceber, pequena criança

Lhe dou um abraço caloroso

Então sussurro

“Tudo ficará bem”.

Serena ergueu o rosto e sorriu:

— Que música bonita. -falou. Eu dei um pequeno beijo em sua testa, ela fechou os olhos safiras. Senti que a garotinha confiava em mim. Sorri tranquilizada. Tem que ser forte Lucy, por Serena.

— Serena, você tem algo que quer fazer quando sair daqui? Tem algum sonho? -perguntei.

— Sonho? -ela repetiu surpresa, então se envergonhou- E... Eu quero ser cantora... -mas logo ficou desanimada- Mas... Agora que fui pega... Acho que isso não vai acontecer...

— Isso é um belo sonho -sorri. Então falei determinada- Eu prometo, vamos sair daqui e você vai poder ser uma cantora! Você vai ver! -ela esboçou um sorriso.

Escutei passos, Serena saltou e arregalou os olhos.

— Ele está aqui! -sussurrou alarmada.

O som de um molho de chaves, um clic pesado e ecoante. Engoli seco, a porta se abriu rangendo pelo ferro. Um homem gigantesco apareceu, sua respiração fazia um som desagradável, como se ele tivesse problemas nos pulmões.

Serena encarou o homem com medo, eu estremeci também ao ver os olhos sem vida no rosto deformado.

— Quem é a próxima? -ele perguntou lentamente.

Eu empurrei Serena para trás de mim, a protegendo, mesmo que meus olhos se arregalassem de pavor ao ver as mãos gigantes se erguerem em minha direção. A mão me empurrou com força bruta, pegando o braço fino de Serena.

— Será você. -sorriu, mostrando o dentes podres. Ele tinha uma expressão de que se divertia.

— NÃO! -berrou a morena dos olhos azuis apavorados, cheios de lágrimas.- NÃO! NÃO! NÃO! -gritava ela, cada berro marcava minha mente com clareza. O grito desesperado de uma menina.

Saltei em cima do homem que mais parecia um monstro, abraçando com força o braço que apertava Serena.

— NÃO! EU SOU A PRÓXIMA! -berrei. O monstro sorriu mais ainda, sacudindo o braço violentamente para eu me soltar, mas acabava machucando o braço da morena, parecendo que iria quebrar, Serena gritava de dor. Fiquei com medo, fechei meus olhos e enchi meus pulmões de ar- EU DISSE QUE SOU A PRÓXIMA.

E mordi a mão dele.

— AI! -exclamou ele, largando Serena no chão. Os olhos sem vida brilharam de ódio, usando a outra mão gigantesca, me socou com tudo em minha bochecha, eu soltei o braço inevitavelmente, sendo jogada nas pedras da parede e tossi sangue.

O homem gigante se aproximou, pelo canto do meu olho vi Serena encolhida, soluçando. A mão gigantesca me ergueu pelos meus cabelos loiros, me encarou de perto, eu vi todas as rugas do rosto dele.

— Se quer ser a próxima, você será a próxima. -falou ele, lento. Senti seu hálito com cheiro de esgoto.

Me puxou para fora arrastando, sinto dores nas costas e na raiz do cabelo. Ao passar pela porta, ele me obrigou a levantar, segurou meu braço com uma força que nunca pensei que um humano poderia ter. Eu olhei para dentro da masmorra, Serena me encarava chorando, trêmula, frágil. Sorri para mostrar que estava tudo bem. A morena arregalou os olhos azuis e levantou a mão para mim. A porta se fechou estrondosamente. Ele enfiou a chave enferrujada, a trancou.

Foi me puxando por um corredor, minha bochecha latejava e inchava. O corredor tinha mais outras portas, será que tem mais presos? Mais... Mulheres e crianças? Comprimi meus lábios.

No final do corredor, uma porta vermelha, nos aproximamos. Parecia pesado, mas com uma mão gigantesca do homem ao meu lado, ela se abriu como se fosse feita de papel.

Um salão escuro, não consigo ver nada.

— Seu idiota! Bateu nela!? -berrou uma voz masculina irritada- Você sabe que pedem para não ficar com hematomas! Que seja, a coloque na mesa. RÁPIDO! -ordenou ríspido.

O homem me puxou para o breu, minhas pernas bambavam, eu tremia e meu coração falhava. O que vai acontecer comigo? Estou com medo... Com muito medo!

Repentinamente paramos, mãos fortes me ergueram e me colocando em uma superfície gélida, me debati:

— Não! Me solta! Me solta agora! NÃO! -sem sucesso. Ouvi sons de correntes. Um metal gelado e pesado prederam meus pulsos e tornozelos. Os passos arrastados do homem se afastaram. A porta pesada que dava alguma iluminação se fechou transformando tudo no mais puro breu.

— É impossível. Nenhuma mulher ou criança conseguiu fugir das correntes. -riu a voz na escuridão. Não importa o quanto eu abrisse os olhos, via nada, apenas minhas pálpebras começavam a lacrimejar.

— Quem está aí!? -berrei, fez eco.

Um clic, uma luz iluminou direto no meu rosto, logo meus olhos se acostumaram, a luz que me iluminava era idêntico à aqueles que são usados em salas cirúrgicas hospitalares. Um rosto sorridente me assustou.

— Olá! -falou ele em bom humor. Eu o encarei com as sobrancelhas frisadas.

Um homem magro, com cabelos ralos e grisalhos. Parecia um senhor normal, mas seu sorriso é perturbador, como a roupa cinza e um avental encardido, o mais assustador, era... A quantidade de sangue que o banhava. Um sangue escuro, provavelmente seco... Se ele não se limpou para tirar o sangue... É porque ele gosta de estar banhado pelo líquido vermelho?

Só de pensar nisso, engoli seco. O encarei assustada.

— O... O que vai fazer comigo?

— Eu!? -sorriu, se afastou e uma lâmpada se acendeu no meu lado, mostrando uma mesinha com bandeja prateada, dentro reluziam materiais que cintilavam feito alumínio. Ele se aproximou de novo, pegando uma tesoura incrivelmente limpa e brilhante- Não é linda? -perguntou a admirando- Eu sou muito limpo com minhas ferramentas, se ficarem sujos de sangue, tem que limpar, ou enferrujam... E ficam cegas. Não queremos que isso aconteça, certo? -e colocou a tesoura na bandeja de volta.

Ele me encarou sorrindo, eu o encarei de volta, fechando a cara.

— Vamos! Fale comigo, loirinha. Não recebo visitas para conversar... Temos muito tempo antes de começar... É tão solitário...

— O... Que pretende... Fazer comigo? -insisti.

— O que fiz com todas as outras. -respondeu, sonhador.

— E o que aconteceu com as outras? Por que raptam as mulheres e crianças!? -estou com medo, o que vai acontecer comigo!?

— Quer saber mesmo? -se aproximou perto do meu ouvido, como se fosse contar um segredo de uma criança travessa- Os caras de cima, pegam pessoas e me dão.

— Para quê? -perguntei no mesmo sussurro.

— Sim, garota, como amo que conversem comigo. Como eu sou legal, vou especialmente te contar. -ele deu uma pausa, senti minha respiração se tornar mais forte e pesada- Eu abro a barriga delas, coloco um saquinho de drogas e as fecho de novo.

Ele riu animado, se afastou, arregalei meus olhos.

— Vocês... Usam as mulheres e crianças para traficar drogas!?

Ele me sorriu. Não precisava responder, eu sabia a resposta. A resposta é sim. Minha boca tremulou de medo.

— O que acontece com elas depois? -perguntei num sussurro falho.

— Ou elas morrem... Ou, como elas vão para o exterior, podem acabar em uma das instalações de escravas sexuais e morrem de tanto violentadas.

Meu coração falhou. Eles são monstros! Não são humanos! São monstros! Eu o vi saltitar, como se estivesse em seu dia mais feliz. Mas eu tenho mais uma pergunta.

— Tem mais gente aqui? Mais mulheres e crianças?

Ele suspirou triste, pela primeira vez.

— O Conselho anda nos procurando... -comentou desanimado- Não podemos raptar pessoas com frequência, só sobrou você e a pirralha do olho azul, pois assim que são operadas, logo levamos para a entrega.

— Seu... Monstro! -berrei, muito chocada.

Ele riu, riu muito.

— Não! EU SOU UM ARTISTA!

Ele puxou um fio, mais três luzes se acenderam, mostrando um enorme painel horizontal, com várias fotos, todas de barrigas abertas.

— OLHE! SÃO DE TODAS AS MULHERES! DE TODAS AS CRIANÇAS! TODAS AS MINHAS LINDAS ARTES! -berrava ele, abrindo os braços se mostrando orgulhoso para mim.

Acima do painel, um gigantesco quadro, uma barriga bagunçadamente aberta, o cirurgião louco apontou para esta foto e olhou apaixonado.

— Mi... Minha primeira paciente... -e suspirou feliz, com os olhos sonhadores, se lembrando do passado.

Eu fiquei com vontade suprema de vomitar, tremia mais que uma vara verde. Não Lucy! Acalme-se! Acame-se! Pense, como fugir! Olhei para um lado, e vi uma estante, tinha uma lâmpada a iluminando, tinham chapéus, bolsas, sapatos e... Minhas chaves e meu chicote!

— Para aonde está olhando? -ele perguntou, logo seguiu meu olhar, depositando a atenção na estante de objetos.

— O... O que é aquela estante? -perguntei, mas sinto que já sei a resposta. Ele sorriu mais e mais.

— São as coisas das minhas lindas pacientes, eu me lembro perfeitamente a quem pertence cada objeto.

— Para quê...? -sussurrei, mas o homem não respondeu e apenas sorriu, voltando a encarar as fotos. Eu não preciso da resposta, já sei o que são as coisas que ele mantém...

Esse louco! Ele... Ele... Mantém algo de suas vítimas como troféu!

Aaah droga! Se pelo menos eu tivesse as minhas chaves comigo... Eu poderia pedir para Loki forçar o portão... Mas se elas estiverem tão longe... Não posso me comunicar com as chaves... DROGA! DROGA! DROGA!

— Ooh! É verdade -falou ele se aproximando de mim mais uma vez- Você é uma maga, certo? O mundo tem poucos magos, então nunca fiz arte em uma... -o louco lambeu os beiços- Como será o estômago de uma maga?

Eu o encarei com nojo, do melhor possível me debrucei para frente e cuspi em seu rosto pútrido.

— Você me dá nojo. -falei fria, o encarando.

Ele me encarou nervoso, então disse entre os dentes:

— Eu pensava em usar anestesia em você, loirinha. Mas com toda essa energia, acho que não vai precisar. -ele riu um pouco- Não se preocupe em gritar, essa sala é a prova de som, não vai vir ajuda nenhuma, mesmo que berre como condenada.

Me arrepiei, posso me arrepender por ter feito isso, mas me lembrei dos olhos azuis de Serena. Meus olhos estavam marejados, eu queria berrar de desespero, mas sorri. Eu sorri porque estou protegendo uma menina indefesa, uma menina de olhos azuis e cabelo negro, que dá um sorriso quando eu canto, que levanta a mão para que eu não vá. Fechei meus olhos com força para o pouco de coragem que criei não fosse embora e berrei:

— EU NÃO TENHO MEDO DE VOCÊ! NÃO TENHO! COM TODAS AS MINHAS FORÇAS EU VOU MOSTRAR! VOU MOSTRAR ESSA MINHA FORÇA! PORQUE... EU ESTOU PROTEGENDO SERENA!

Escutei uma risada, e o chiado de uma tesoura se abrindo e fechando.

— Protegendo!? Serena? Fez amizade com a pirralha? Que inútil. A pirralha vai ser a próxima. Você só deu algumas horas a mais para ela.

Eu esbocei um sorriso. Continuei de olhos fechados.

— É O SUFICIENTE! EU TENHO AMIGOS! ELES VÃO ME ENCONTRAR! ELES VÃO ACHAR ESSE LUGAR E VOCÊ VAI ESTAR MUITO FERRADO! VÃO TE TRANSFORMAR EM GELEIA DE BARATA DE ESGOTO! EU SEI! ELES VÃO VIR, ELES VÃO SALVAR SERENA!

— É isso que veremos.

Escutei a tesoura cortar um pano. Ele mexia em minha camisa. A operação começou. Ele está cortando a minha roupa enquanto assobia a melodia da música infantil “Brilha, brilha estrelinha” bizarramente. Mas eu vou sorrir, engolir o choro e o medo, continuo a sorrir confiante.