Caminhantes

Aquilo Que Eu Quero Te Mostrar


Rogue POV

— Rogue! Rogue! Rogue por favor, acorda! -uma voz aflita me chamou.

A minha consciência vai voltando aos poucos, sinto algo molhado nas minhas costas, um cheiro leve de sangue.

— Rogue... Por favor... Por favor... Acorda... -a voz chorava.

— Fada-san... O Rogue... -murmurou outra voz, cheia de medo.

— Eu... Eu não sei... Frosch... As costas dele...

Huh? Minhas costas? Aah... Eu estava fazendo algum tipo de ritual, então fui parar nas lembranças de...

Abri meus olhos e suguei muito ar de uma vez, me deu tontura. Estou de cara pro chão. Me levantei abruptamente e comecei a tossir. Estou com o corpo dolorido e uma dor latente nas minhas costas. Ergui o olhar e vi os rostos iluminados de Lucy e Frosch.

— ROGUE! -eles saltaram em cima de mim. Fiquei com uma dor pior.

— O... O... Oi? -me surpreendi.

— Seu idiota! -exclamou Lucy, agarrada em mim, num abraço- Quando saio daquela lembrança o Frosch está chorando e quando ele me traz para cá, acho você todo machucado... E... E... Sangue para todo lado... -engasgava com as palavras, em tons horrorizados.

— Fro... Fro... Está tão feliz que Rogue acordooou! -chorou Froch, deitado em cima da minha cabeça, encharcando meus cabelos com lágrimas.

— Desculpa, por preocupar vocês... -murmurei.

— I... Idiotaaaa! -chorou a loira no meu ouvido- Você está sangrando tanto! Idiota! Idiota! Bunny Boy idiotaaaa!

— ... Poderia parar de me chamar de Bunny Boy? -grasnei, tentando me manter sentado.

— Não! Seu Bunny Boy idiota! -insistiu ela.

— ... Lucy... -fui falando, enquanto Frosch soluçava em cima da minha cabeça.

— Sabe o susto que levei!? -grunhiu ela com a voz falha- Ficamos realmente preocupados!

— F... Fro concorda! -chorou o exceed.

Eu ergui a mão e alisei os fios loiros de Lucy, com ela ainda apoiada em meu peito, escondendo o rosto.

— ... Desculpa -sussurrei.

De certa forma estou sendo xingado e levando bronca, mas estou feliz. Feliz que Lucy voltou. Ela não ficará presa nas lembranças cruéis da lácrima. Mas ainda há um problema. Agora que eu sei do que aconteceu, percebi o quanto Lucy está acorrentada no passado.

Um humano normal iria culpar qualquer outra pessoa, para não se sentir mal pelos problemas que tem. Na minha opinião, Lucy tem culpa nenhuma no desastre de Mirageene, poderia facilmente culpar Zeref ou pelo menos os seguidores dele, principalmente aquele xamã que fez o ritual.

Mas ela não o fez.

Em vez de culpar qualquer um, ela tomou toda a responsabilidade para sí, por todos os amigos e sem querer, pelos inimigos também. Acredito que Lucy não teve a coragem de culpar outra pessoa... Por que de certa forma, culpar outra pessoa ou alguém não traria Mirageene de volta, apenas criar ódio no coração. Lucy não tem esse poder. Ela não consegue odiar, por isso ela deve nem ter pensado em culpar alguém.

Mas se não voltasse a culpa em alguém, sua cabeça entraria em loucura, por isso, ela volteou na única pessoa que sobrou... Lucy Heartphilia. E tomou toda a responsabilidade para sí.

Acho que muita gente a chamaria de idiota, eu provavelmente estaria entre as pessoas que a chamam assim, mas não dessa vez. Eu não a chamaria de idiota, porque sempre que eu a vejo...

Penso que ela precisa ser muito forte para aguentar tudo isso, sozinha.

Me levantei com dificuldade, Lucy se desgrudou e levantou junto. Me encarou e sorriu.

— Vamos embora Rogue... Vamos cuidar das suas feridas e depois... Depois podemos pensar em terminar essa missão, ok? -falou ela- Eu te ajudo a andar.

— Lucy, você está com a lácrima vermelha? -perguntei abruptamente.

— Hum? Sim, está aqui -ela me mostrou, num bolsinho da cintura dela, tinha uma protuberância- Escutei do Grande Dragão, que a lácrima poderia voltar com a vida da nascente. E que nele a maldição não residia mais, então...

Eu me aproximei dela rapidamente, meu braço direito foi para a cintura da maga e o outro para suas pernas. A levantei no colo, ela rapidamente abraçou o meu pescoço com um gritinho. E Frosch levantou voo.

— R... Rogue!? -ela exclamou confusa- M... Me solta! Você não pode se esforçar assim! Suas... Suas feridas...! Rogue, por favor! Rogue...

— Lucy, confie em mim e me deixe fazer isso -falei autoritário, ela ficou silenciosa e apertou o abraço.

E fui caminhando para fora da sala com ela em meus braços.

— Frosch, pode levar a minha roupa que está jogada ali? -perguntei para o exceed gentilmente, ele voou e pegou minhas roupas. Saímos da salinha e passamos pela outra sala. Eu dei uma olhada rápida para o esqueleto humano e a mesa de pedra, saímos dessa sala também.

— Rogue... Fro acha que devemos cuidar das feridas do Rogue também... -murmurou o exceed.

— Eu estou bem, Frosch -respondi para ele. Os olhos do gato verde marejaram- Pode confiar em mim? -perguntei, e ele assentiu lealmente.

Comecei a subir as escadas, que fazia curvas em espiral. O topo estava meio escuro, quer dizer que já é de madrugada? Quanto tempo ficamos aqui?

Mas eu tenho que mostrar uma coisa para ela... Se for Lucy, a garota que eu disse que não tem trevas no coração, vai entender o que quero que ela veja.

— Rogue... Por que está fazendo isso? Você deve estar sentindo tanta dor... Por favor... Não... Não aumente a minha responsabilidade... Rogue... -ela sussurrou- P... Por minha culpa... Você...

Estou sentindo minhas costas doerem e um liquido escorrer, provavelmente minhas feridas se abriram novamente. Mas eu preciso fazer isso.

— Você não tem responsabilidades comigo, Lucy -eu respondi.

Ela negou com a cabeça e murmurou.

— Eu tenho com todos, principalmente com Mira... Com Natsu, com Lisanna, com Elfman, com Levy, com todos... Eu saí da Fairy Tail e eles devem ter ficado preocupados comigo... Eu fugi dos meus problemas lá da Fairy Tail... Eu... Eu -a voz dela se tornou um sussurro envergonhado- Eu posso estar usando a Sabertooth, posso estar usando você para esquecer dos meus problemas... De Natsu... -confessou, com um tom de vergonha.

Eu fiquei silencioso. Frosch não tinha nada a declarar e voava na minha frente. Meus passos ecoavam na grande fortaleza, então resolvi responder:

— Será que você não está apenas tentando superar?

Ela pareceu pensativa.

— Essa é uma forma de ver as coisas -foi sua resposta- Usei a desculpa de que precisava de um tempo, eu tinha a intenção de superar... Mas por alguma razão não estou realmente fazendo um progresso... Eu... Ainda sinto o meu coração tão pesado, e parece que agora pesa ainda mais... Como posso chamar isso de progresso?

Ela voltou a chorar.

Lucy é meio teimosa, acho que é por isso que eu preciso mostrar. Ela ainda não conseguiu superar, porque esqueceu de dar o primeiro passo mais importante.

— É sempre assim... Eu sempre fujo... Fujo de casa, da guilda... -ela murmurava.

E finalmente estávamos no final da escada. Ali havia uma entrada grande e logo assim que o ultrapassava, tinha uns seis degraus descendo para um salão ovalado de pedras lisas e brancas. Na esquerda, tinha uma estátua de dragão aninhado em cima de um pequeno palco de mais ou menos meio metro de altura e na direita era completamente aberto, dando para ver a paisagem afora. Chegamos ao topo da montanha.

Levei Lucy para a direita e a coloquei no chão, Frosch se sentou no chão ao nosso lado enquanto eu e a loira continuamos em pé.

Ela me olhou confusa e incerta, então eu apontei para fora, para a vista.

— Olhe Lucy, o que você vê?

Os olhos achocolatados se ergueram e olharam para aonde apontei.

Lucy POV

Da boca do topo da montanha, vi uma floresta. Mais para frente um vale verde. Daqui dava para ver a cidadezinha que não pudemos entrar, uma vila para ser exata, com os seus aldeões acordando antes do amanhecer, para trabalhar no campo. Por causa das muralhas que eles fizeram, não dava para ver suas casas antes, mas daqui, pude perceber como eram talhadas com carinho pelos moradores.

Alguns animais herbívoros já corriam pelos campos abertos. E o sol começou a raiar do lado direito, pintando tudo e todos com seu vermelho exuberante. No fundo, montanhas terminavam o cenário.

— ... É bonito -falei, então voltei a encarar Rogue.

Meu coração pesou, pois em seu peitoril exposto, ele estava coberto de sangue. Na verdade, eu também estou com um pouco do sangue dele em minha roupa e em minhas mãos. Ele se machucou assim por mim, certo? Por que fez uma coisa horrível dessas? Por minha culpa... Por que tudo acontece desse jeito comigo? De forma trágica?

— Lucy, olhe direito. Sem se preocupar comigo -os olhos cor de rubi me fitaram profundamente.

— Rogue... Vamos... Vamos ir te curar, depois falamos sobre...

Ele suspirou e pegou a própria roupa que Frosch trouxe, colocando-a sobre si, para esconder as feridas, me impedindo de continuar a encara-las.

— Em vez de se preocupar com as minhas feridas que podem se curar com um pouco de cuidado de algumas faixas de pano, eu quero que você preste atenção nas suas, que podem ser eternas, Lucy.

Eu fiquei sem saber o que responder.

— Por favor, me diga -ele insistiu- O que você vê?

Eu engoli seco. Olhei para a vista de novo, dessa vez, por pedido de Rogue. Tentei ver aquele lugar com outros olhos.

Senti a vida do lugar inspirar beleza. Um cheiro leve da manhã dos campos que ainda não permitiram que suas flores desabrocharem para saborear os primeiros raios de sol. Os animais que corriam exuberando felicidade pela sua liberdade e inocência. Os moradores trabalhando duro para que suas famílias tivessem o que comer no inverno. A música dos pássaros cantarolando para que seus filhotes aprendessem a voar. Dei um sorriso.

— É bonito -murmurei com admiração. Eu olhei para o rosto de moreno e repeti num sorriso- É uma vista muito bonita.

Ele sorriu.

— As suas escolhas, você as fez porque achou que eram as mais corretas a tomar -disse- Sobre você fugir dos problemas, ou me usar, eu não me importo.

— Hã? -fiquei confusa.

— Já imaginou que naquelas montanhas, no cume delas -ele apontou para o horizonte- Pode ter uma vista mais bonita do que essa que está vendo agora?

— Eu não estou entendendo... -murmurei.

— Estou dizendo Lucy, que eu não ligo de como você está fazendo as coisas, porque é para lá que você está tentando ir -ele sorriu- Você está tentando ver uma vista de sua vida para uma mais bela, por isso, se me usa ou não, se você foge ou fica, pouco é importante para mim, desde que você consiga chegar lá.

Eu ergui a mão para o horizonte. Rogue viu que eu quero ir para lá? O meu desejo... De uma visão mais bela...?

— É isso que você quer, certo? -ele perguntou- Eu penso Lucy, que você nunca fugiu de nada, mas sim, sempre tentou buscar o horizonte, apenas... Não sabia que o desejava.

No horizonte eu vi...

Sim, eu quero... Eu quero ver um futuro em que todos da Fairy Tail estão sorrindo... Um futuro em que eu estou sorrindo junto com meus amigos, mas que sorrio não por fazer parte de uma peça de teatro e sim porque estou feliz... É o que quero... Um futuro aonde as dores não tomam todos os meus dias.

— M... Mas está tudo bem mesmo? Eu... Eu... -fechei o punho- Eu posso mesmo ir para lá?

— Lucy, não estou dizendo para se esquecer do que aconteceu com Mira ou todas as coisas que resolveu tomar como resposabilidade. Mas que se concentre em seguir em frente.

Eu o encarei, ele desviou o olhar, não sei se era por causa do raiar do sol ou se ele estava mesmo corado.

— E para você não precisar mais olhar para trás... Pro... Pro passado e... Eu... Que... Quero que se lembre... Que f... Fo... Foi por isso que eu te carreguei para fora dos seus pesadelos -gaguejou constrangedoramente.

Eu o encarei.

— P... Por isso... Que me carregou pela escadaria toda? -e comecei a rir- Como você é bobo -ele literalmente me carregou!

— É... É que você é teimosa, se eu não fizesse isso, você iria esquecer -o tom de voz dele ficou meio mal humorado e envergonhado.

E lágrimas caíram enquanto eu ria. Ué? O... O que está acontecendo? De repente meu coração se preencheu de felicidade por algumas palavras dele... Por que estou chegando a chorar por isso? Que... Que estranho...

Rogue me encarou e sorriu, um sorriso aberto e bonito.

— Eu te levei para fora dos pesadelos, eles ficaram para trás, naquela sala. Agora está tudo bem Lucy, você já sofreu demais e pagou por tudo o que tinha que pagar. Já não precisa lamentar pelo o que aconteceu, vamos juntos procurar em como dar um desfecho para isso, eu acredito que assim é bem melhor... Então... Pode ir para o horizonte, que dessa vez, eu tomarei a responsabilidade.

Eu fiquei sem saber o que responder. E desejei apenas uma coisa.

Ergui minhas mãos trêmulas e peguei na fita acinzentada da capa dele, o puxei e encostei nos lábios dele com a minha boca. Os lábios de Rogue eram cálidos, da forma que eu me lembrava daquela noite, ele me correspondeu inconscientemente.

Assim que nos afastamos, senti meu rosto corar e os olhos dele ficarem surpresos. Sorri.

— Agora seu termo de responsabilidade foi selado. Tem um contrato comigo, Rogue Cheney.

— ... Pensei que magos celestiais fizessem contratos apenas com espíritos.

— He he -ri- Você é o espírito encarnado do Bunny Boy.

Ele sorriu, botou as mãos na minha cintura e roubou um beijo meu, gentil e frágil. Dessa vez eu fiquei surpresa e ele me fitou com suas orbes cor rubi em ar de espertinho.

— Não selou esse contrato direito, Lucy Heartphilia.

— É um péssimo mentiroso Bunny Boy, usando esse tipo de desculpa -inflei as bochechas.

Ele suspirou meio mal humorado.

— Por que foi se lembrar desse apelido?

— Eu não sei -admiti- Apenas saiu, acho que tempo demais com o Laxus -desculpa Rogue, eu só quero é te irritar um pouco mesmo.

Eu encostei a cabeça no peito dele e olhei para o horizonte, ergui a mão como se tentasse pegá-la. Fiquei estranhamente animada. Corei ao escutar o som do coração do Dragon Slayer das Sombras, está tão descompassado...

— Você é idiota, Lucy -ele sussurrou- Como pretendia superar algo, se em nenhuma vez olhou para o futuro?

Fui xingada. Mas em vez de ficar brava, eu sorri. Na verdade, eu senti como se um grande peso tivesse se esvaído dos meus ombros.

Agora eu me pergunto, se o coelho negro que encontrei em Florea, era mesmo um coelho da sorte... Não, eu acho que era o meu guia para o horizonte, porque foi ele me mostrou o que eu desejo ver além do cume longínquo.

— Nem que seja pouco a pouco, irei caminhar até lá.