Call Again

Uma declaração é uma guerra.


As primeiras lágrimas eu não as contive, no entanto, engoli as outras que ameaçaram vir logo em seguida. Chorar agora era perda de tempo.

– Por quê? – a pergunta sai engasgada, atropelando os soluços indesejáveis.

Eu precisava entender. Meu cérebro trabalhava as informações. Queria saber quando deixou de me amar. Quando eu perdi minha chance. E ele precisava me dizer calmamente, porque, nem minha mente e muito menos o meu coração acreditava nisso.

Zack não aguentava ver-me chorando, ou quase chorando. Pensou em passar os braços ao meu redor e apertar-me firme contra seu peito. Mas não o fez. Enquanto eu manipulava minhas lágrimas, ele batalhava outra guerra: a negação do seu amor contra a vontade de reafirmá-lo para secar as gotas que caiam dos meus olhos. Põe a mão no meu joelho. É como faz meu pai quando eu estou triste e mamãe está viajando. Esse gesto intriga-me e irrita.

– Porque a pessoa que eu gosto parece não existir mais. – diz, o olhar profundamente fixo no ar, distante.

– Eu não te entendo... – rebato sua justificativa, que não era se quer plausível.

Ele vira-se para mim, sua mão ainda pesando sobre a minha perna. Passa os dedos da outra em mechas do meu cabelo.

– Você mudou Blair...

Ele falava tão sério que não parecia o mesmo Isac. E eu ainda não compreendia suas palavras, o que aumentava minha angustia.

– Eu ainda sou eu, Isac. – afirmo com a voz um tanto áspera.

Zack engole em seco. Pelo visto, dentre nós, ele era o único ainda capaz de ler os pensamentos do outro.

– Você é adaptável, Blair. Para agradar Ben, você ficou toda colorida, feminina e esportes radicais. Você odiava esportes, Blair, qualquer tipo. Não foi ao meu jogo de futebol por isso, lembra-se? No caso de Jean, transformou seus gostos, ficou escura e muito sensível à dor alheia. Não digo que isso é ruim, mas você misturou tantas coisas que eu não sei mais quem é que está a minha frente.

Sua fala faz parar o tempo ao meu redor e olhar para eu mesma.

O cabelo longo escuro e ao mesmo tempo manchado com mechas foscas azuis, escutando músicas de Jean( que gosto menos que antes, quando namorávamos) nas tardes de domingo, enquanto observo a quadra vazia, esperando ouvir as batidas da bola de basquete. Minha personalidade era a soma dos tempos que namorei Ben e Jean, somado à inocente Blair que Zack amou. Eu era confusa, inconstante, sem nenhum aspecto sólido. Quem eu era?

Ante a minha concentração, a testa franzida e o olhar perdido, Isac chama atenção prosseguindo seu monólogo.

– Você pode agradar qualquer cara que gosta de meninas femininas, ou alguns rebeldes sem causa com suas mechas e casaco de couro... Mas eu não gosto de nada disso. – separa de qualquer contato físico meu, sua mão sai do meu joelho para apertar a xícara. O que diria a seguir era doloroso e também a mais pura verdade sobre Zack Baker.– Eu gosto da Blair White. Ela é o único tipo de garota que faria o meu coração acelerar. E mesmo que eu sinta todo esse amor por ela, Blair se perdeu no tempo. Ela não existe mais.

Paraliso. As palavras chegam ao meu ouvido, porém não as compreendo. Não sei que língua está falando. Perco todos os sentidos. Foco apenas na nossa respiração, constantes, para não esquecer de que preciso respirar. A chuva mostrava-se perplexa tanto quanto eu e interrompe as gotas na janela.

Tudo estava girando e meus neurônios ficaram tontos. Como eu podia estar a sua frente, entretanto não existir? Que eu perdi a minha essência? Se eu não era Blair, quem eu era?

O problema principal não era minha existência no mundo qualquer e sim, na existência que eu tinha no mundo dele, do meu melhor amigo, que parecia conhecer-me melhor que eu mesma. Eu estava ali, no quarto de Isac, na casa dos Baker, tomando o chocolate quente feita por Bibian. Ainda lembro o nome dos meus pais. E recordo o que vim fazer aqui. Finalmente entendi algo na expressão de Zack: ele me amava. E isso me daria forças para lutar por ela. Quem decidiu isso é Blair White. Pode ter sido iludida por falsos amores, mas ainda era ela. E se Zack não conseguia vê-la em mim, eu o forçaria a enxergar-me. Esses olhos claros deveriam olhar-me e receber tudo o que sinto.

Agarro sua camisa, puxo-o para mim e beijo seus lábios com força. Sua reação é de perplexidade, afinal a declaração estava apenas em seus olhos. Se cansado de sofrer em silêncio, não enxergava os próprios sentimentos; se não consegue acreditar em minhas palavras agora, pensando ser passageiro; seria o selo da promessa. Ou da minha declaração de guerra à teimosia dele. Assinado por Blair White em Isac Baker.

– Você é um idiota. – declaro isto como fato.

A mãe de Zack chega assim que me separo de seu filho. Ela não descobre o que aconteceu entre nós, estreitando os olhos para a nossa súbita distância. Veio avisar que meus pais vieram buscar-me.

Agradeço o aviso e a hospitalidade. Também o chocolate quente delicioso. Levanto-me. Zack busca fazer o mesmo, no entanto, o impeço. Pego numa mão seu copo azul, aproveitando para um último contato com sua pele, e levo a minha na outra. Sigo a senhora Baker para fora do quarto e até a sala, parando antes para oferecer ao meu amigo um último olhar.

Sei que ele conseguiu enxergar a Blair que amava e existe dentro de mim; aquela que não desiste facilmente.