Caleidoscópio

Um ponto a se pensar


Um longo minuto havia passado dentro do elevador que hoje mais parecia uma tartaruga para descer apenas dois andares.

Sentia todas as forças do seu corpo serem sugadas para fora de si.

Respire, apenas não se esqueça de respirar.

Ele estava ali. Parado, apenas assistindo o que sua simples presença faz com seu corpo. O que vai acontecer quando ele começar a falar...

Deu um passo para trás e encostou as costas no aço frio do elevador. Isso era ruim, não podia se deixar encurralar. Suspirou o mais leve possível e olhou ainda surpresa para o rosto que tanto ansiou em ver... Por um tempo.

— O que você está fazendo aqui? — Disse o mais fria que conseguiu.

— Estou descendo de elevador. E você? — Sarcástico, como sempre.

O ar parecia estar se condensando e escapando de suas narinas. Pensamentos demais vinham em sua mente agora, coisa demais para organizar dentro de um elevador. Olhou para ele dos pés a cabeça. Parecia mais alto, talvez fosse só impressão... Já fazia tanto tempo.

— O que você quer? — Ela estava perdendo o controle. — Não estava morto? — Ela também sabia ser sarcástica.

Esse era um dos pontos a ser conversado, mas por que agora?

— Eu não quero nada... — Ele balançou a cabeça. — Só queria... Ver você.

Sua boca estava seca, seu coração acelerado e uma sensação incomoda começava a surgir dentro de si.

— Por que voltou Gin? — Ela disse em tom baixo. — Depois de tanto tempo... O que está procurando?

— Eu sei que tenho muitas coisas para explicar, mas agora eu...

— Você não tem nada para explicar... Você mentiu pra mim de uma maneira muito além do que eu podia suportar Gin. O que você quer agora?

— Se fiz isso foi para te proteger. Sabe que minha vida não é um mar de rosas.

— Foi a vida que você escolheu. E nessa vida você já mostrou que não tem espaço pra mim. Então vá embora. — Ela disse entre dentes.

— Rangiku, estou cansado. — Ele sussurrou. — Quero parar...

O elevador enfim abriu as portas.

Suas palavras penetravam em sua mente, mas a realidade era para o lado de fora daquele pequeno recinto de aço revestido.

Ela fez um leve movimento com a cabeça ainda olhando penetrante para o homem a sua frente. Se abaixou e pegou o celular que por um momento foi esquecido. O encarou novamente.

— Eu não sei o que aconteceu nesse tempo, muito menos o que você deve ter feito, mas se você realmente acha que pode vir e colocar minha vida de cabeça pra baixo de novo está enganado... Você continua estando morto pra mim.

Sem o olhar saiu do elevador.

Ele ficou ali parado e atônito ao que ela disse. Viu ela se virar e ir embora ajeitando a bolsa, algo queria que ele também pudesse fazer o mesmo, mas Deus sabia como ele havia perdido o chão.

Nunca conseguiu imaginar sua vida se Rangiku não o amasse mais e se isso enfim aconteceu? E se ele demorou tempo demais para perceber o que realmente valia a pena...

— Rangiku. — Ele saiu do elevador e foi atrás dela.

Avistou-a já na parte da frente do prédio chamando um táxi. O táxi parou na frente dela e ele começou a correr. Quando estava perto ela entrou e fechou a porta.

— Rangiku espere!! — Ele bateu no vidro.

— Vá embora! Me deixe em paz!! — Ela disse quando o motorista arrancou com o carro e ele apenas o viu se afastar.

Isso não era um bom começo, na verdade era um péssimo começo.

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— Com licença senhora, mas você ainda não me disse pra onde vamos... — O motorista falou cauteloso.

— Sim... Me desculpe, eu gostaria de ir para a praça Sakura. — Seus olhos estavam marejados.

— Sem problemas... — Ele deu um meio sorriso.

Olhou para a janela e viu a rua passar lentamente. Como esse caminho percorrido hoje de manhã havia mudado... Ou talvez ela que o tivesse. De manhã tinha passado com Kisa gargalhando e brincando com o motorista, agora estava sozinha com um sentimento de perturbação por dentro.

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Andou lentamente em direção ao projeto. Sentia seu corpo anestesiado e pensava que a qualquer momento iria cair no chão. Precisava chegar logo no trabalho, distrair a mente com alguma coisa talvez ajudasse.

Assim que chegou no projeto viu algumas vans paradas na entrada, eram do recolhimento do Concelho tutelar. Com certeza estavam se preparando pra algo grande.

Entrou no prédio de três andares e desviou de várias pessoas que estavam fazendo o caminho oposto. Conselheiros, assistentes sociais, policiais e até dois bombeiros estavam passando em direção as vans.

Subiu pelas escadas até o segundo andar onde o escritório de Liandra ficava e esperou pacientemente até que um dos auxiliares de trajeto saísse da sala.

Quando o home saiu deu-lhe um pequeno aceno de cabeça como cumprimento e entrou no escritório que como sempre estava com cheiro de chocolate.

Liandra era uma senhora baixa e gordinha, que pintava todo o mês o cabelo de vermelho. Estava perto de sua estante com enormes gavetas guardando alguns papeis. Demorou alguns segundos até ela perceber a presença da outra ruiva.

— Matsumoto querida o que houve com você? — Ela disse arrumando o s óculos vermelhos no rosto (para combinar com o cabelo).

— Não foi nada Liandra é só que meu celular caiu e desmontou no chão... Acho que vou ter que comprar outro. — Ela disse dando um sorriso amarelo.

— Tudo bem... — Ela a olhou de cima em baixo e reparou que parecia abatida, mas decidiu não se meter.

— Aqui estão seus papeis. — Ela lhe ofereceu as folhas que estavam um pouco amassadas.

— Ai Matsumoto querida eu te liguei para avisar que já encontrei... — Ela balançou as mãos.

— Jura? — Rangiku levantou as sobrancelhas.

— Me desculpe te fazer ter o trabalho de voltar para casa e buscar...

— Ah! Não se preocupe. — Ela revirou os olhos. — Liandra o que está acontecendo lá fora?

Ela começou a carimbar alguns registros.

— Estão se preparando para irem a uma espécie de acampamento que fizeram no alto das colinas na região leste.

— Fizeram um acampamento lá? Mas é um local desolado, já faz anos que ninguém vivia ali.

— Sim, parece que a ultima coisa que teve foi um conjunto habitacional, mas foi fechado depois de uma chacina a mais de 10 anos. — Seu rosto de repente se escureceu. — Foi a pior cena que eu vi na minha vida.

— Você esteve lá? — Rangiku se sentou na cadeira na frente dela.

Liandra tirou os óculos e esfregou os olhos.

— Sim eu estive. Estava terminando a faculdade quando aconteceu, era o período do treinamento de campo e fui enviada para pegar informações sobre as crianças que haviam ficado órfãs... Foi terrível, mortos e mutilados ainda estavam no local quando chegamos... As crianças zanzando pela floresta e o cheiro de sangue. Deus! Até hoje tenho pesadelos com aquilo.

Rangiku olhou para o chão, um pequeno filme começou a rodar em sua mente. Não se lembrava de Liandra. Também, foram tantas pessoas recolher as crianças, não havia como lembrar.

— Ei Matsumoto! Dormiu? — Ela disse pondo os óculos novamente.

— Não eu... Só parei para pensar.

— Até agora não me chegou nada para você fazer... Que tal parar de pensar e me ajudar com alguns arquivos?

Rangiku sorriu.

— Tudo bem. Por onde começo?