Cadáver

Transporte de Cadáver


Era quase equinócio de outono, mas a noite já estava chegando mais rápido. Julia e seu pai estavam no carro tentando se refrescar apenas com as janelas, pois o veículo era desprovido de ar-condicionado.

A conversa era rotineira, voltavam de mais um fim de semana em família na casa da avó. A tarde depois do almoço foi regada de histórias de terror causando medo não só na idosa anfitriã, como também no pai de Julia.

Como a filha boa que era, Julia sempre zombava do apavoramento de seu pai por fenômenos que não aconteciam.

Coincidentemente, naquela mesma estrada, quando o sol já tinha se escondido e a noite se fazia presente, um caminhão branco de pequeno porte passou por eles após o pedágio.

― Ih! Pai, olha só. ― Julia leu o que estava escrito na lateral do veículo. ― “Transporte de cadáver”.

― Ave maria! ― Vitor arrepiou-se.

― Será que tem cadáver lá dentro agora?

― Credo, Julia!

― Ué, mas é pra isso que serve. ― deu de ombros, rindo.

Alguns minutos de silêncio e o caminhão continuava ao lado deles na estrada. Julia não quis perder a oportunidade.

― Pai, a porta está abrindo.

― Ué, mas está trancada. ― ele verificou sua própria porta e a dela.

― Não, a do transporte de cadáver. Olha!

Ele olhou assustado e ela deu risada.

― Engraçadinha!

― É sério, abriu um pouco. ― ele bufou e ignorou. ― Caramba, pai! Tem uma mão saindo de lá de dentro! Tem alguém vivo lá dentro!

― Não tem graça, Julia!

Ela segurou o riso e tentou falar sério.

― Eu estou vendo um cabelo, certeza que é o cadáver de uma mulher tentando sair.

― Julia, é sério, mais um pio e eu coloco você lá dentro também.

A menina de cabelos negros e olhos da mesma cor riu novamente e ficou quieta, já estava bom por um dia.

O caminhão continuou ao lado deles e em determinado momento, parou no farol vermelho pouca coisa a frente deles, ainda na lateral, na segunda via.

Foi aí que aconteceu algo que Julia não esperava. A porta de fato começou a abrir e de fato uma mão começou a sair.

― Puta merda!

― Que foi?

― A mão!

― Julia, eu já falei…

― Não! Não, pai, agora é sério, olha!

― Não vou olhar nada, já chega de gracinhas. Não se brinca com essas coisas!

O cadáver abriu mais a porta e não só colocou a cabeça pra fora, como foi saindo do veículo parado.

― Não estou brincando dessa vez! É um cadáver mesmo.

Vitor suspirou. Parecia que ainda estava dando sermão em uma menina de seis anos, não quinze.

De fato apavorada, Julia cutucou seu pai sem tirar os olhos do cadáver na estrada.

― Está se arrastando pra cá.

Vitor se recusava a olhar e estava realmente irritado.

― Vai ficar de castigo dois meses se não parar de falar disso agora!!! ― seu tom de voz se alterou e Julia se calou, em pânico, subindo o vidro da janela. Pro inferno com o calor.

O cadáver rastejava em direção a janela de Julia. Sua aparência era a coisa mais horrível que a menina já vira na vida.

Seus cabelos estavam desgrenhados, sua pele ensanguentada e suja, porém pálida. Dava pra ouvir os ossos estalando enquanto a figura se contorcia na estrada tentando engatinhar, e ela olhava diretamente para Julia com seus olhos fundos e sorriso podre.

A menina, travada, com os olhos arregalados e soltando lágrimas de puro pavor, viu o cadáver chegar em sua janela e bater no vidro.

O grito veio e do nada Julia estava de volta ao momento em que estavam passando pelo pedágio.

Ainda assustada, ela olhou para os lados tentando entender o que havia acontecido.

― Tudo bem? ― seu pai perguntou.

― Aham. ― ela assentiu, tentando controlar a respiração.

Assim que avançaram um pouco mais, viram o caminhão passar por eles.

Julia simplesmente engoliu a seco e segurou firme na maçaneta de subir o vidro da janela.

Vitor a olhou confuso após ver o veículo e perceber que ela não diria nada sobre ele.

― Sério? ― indagou ele. ― Não vai fazer nenhuma piadinha?

Forçando um sorriso, ainda apavorada e tentando disfarçar, ela limitou-se a balançar a cabeça em negativa.

Julia não sabia se era sua consciência lhe pregando uma peça ou se era uma premonição do que ia acontecer se ela brincasse com aquilo, o fato era que ela não queria pagar pra ver.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.