O chá gelado parecia encará-la de volta enquanto Usagi tentava pôr em ordem seus sentimentos. Não era esta a grande entrada que ela esperava quando abandonara o encontro e embarcara em um táxi. Bem, ela não realmente o havia abandonado, apenas tentado apressar seu fim para chegar àquele apartamento no horário marcado. Contudo, ficara tão ansiosa desde o convite que lhe chegara pelo celular que mal havia prestado atenção em nada.

E agora não conseguia acreditar... Tudo não passava de uma conversa bêbada? Sentia-se tola. Era tudo tão tolo quanto ser servida chá gelado no meio da madrugada em um apartamento que mal conhecia. De alguém que ela conhecia menos ainda.

E agora? Voltava para casa e fingia que nada daquilo havia acontecido, né? Era o melhor para todos. Acontecer... o que poderia acontecer entre ela e... Mamoru Chiba! Justo aquele sujeito entre tantas pessoas.

A tensão entre ambos na última vez que se viram havia sido evidente, mas tudo viera do álcool. Ingerido apenas por ele, valia lembrar. E por que o seguira até sua casa? Por que se comportara assim? Agora até havia retornado à cena do crime para fazer o que não pudera antes.

Bem-feito. Mamoru mal parecia se lembrar de quem ela era.

Ainda assim, era tão diferente de quando estava... com o outro. Na primeira vez que estivera naquele apartamento, bastara um olhar mais íntimo de Mamoru para fazer seu corpo parecer pronto para entrar em combustão. Eles teriam se beijado caso não houvessem sido interrompidos.

Mas o sinal não tinha bastado para impedi-la. Usagi havia retornado, achando que ainda estaria ali todo o desejo que Mamoru parecera sentir antes. Quando ele sequer se lembrava de lhe haver mandado a mensagem que a chamara de volta.

Fora tão idiota! Durante as duas horas ou mais em que estivera fora, era claro que Mamoru dormiria e toda a bebedeira iria embora. Agora, apenas sobrava nele o embaraço do que ele fizera. E ela também, para aumentar seu problema.

Ainda assim...

Como que refletida no copo intocado de chá, Usagi conseguiu ver toda uma aventura. Ela não era frígida, como vinha pensando ao até sentir nojo de se deitar com seu namorado, quem tanto gostava dela.

Talvez, só precisasse sentir aquela aventura a lhe formigar o estômago. E, definitivamente, a presença de Mamoru lhe causava formigamento. Era a aventura; devia ser. Normalmente, mal conseguia ficar no mesmo lugar que aquele homem e agora não aguentava mais ficar longe. Precisava experimentar o que fora interrompido antes. O sabor do beijo não dado perdurava em sua boca.

Certo. Tudo já fora terrível naquela noite. A decisão se formou em sua cabeça e seu corpo mal se continha em si. Valia a pena ao menos arriscar um beijo, saber se depois que sua saliva se misturasse à de outra pessoa ela não morreria de nojo no lugar daquela vontade de... Usagi ficava vermelha só de pensar em tudo o que viera imaginando que estaria fazendo naquela hora enquanto voltava ao apartamento.

Mais rápida que os reflexos em ressaca do outro, Usagi jogou o próprio corpo para o colo de Mamoru e começou a beijá-lo com força, antes que ele cerrasse a boca e impedisse o beijo. Então se segurou, com medo de acabar caindo de costas sobre a mesa logo à frente. Ele estava tão quente... E sua boca! Mesmo ainda se reagir, somente aquele toque alienígena contra os lábios de Usagi já a faziam ter medo de não mais conseguir parar quando ele o pedisse. O que logo deveria acontecer. Mesmo um pouco bêbado, mesmo ainda em ressaca, Mamoru reagiria logo, ela já o sentia se mexer aleatoriamente. Tentou aprofundar a língua contra a dele, sentir melhor.

A boca de outro homem, pensou enquanto o fazia. Era a primeira vez que beijava alguém que não fosse seu namorado. Não só enquanto estava namorando, mas em toda a sua vida nunca tinha beijado outro. Como podia ser tão diferente? Os dentes se encontravam todos quase no mesmo lugar, a aspereza da língua também era para ser a mesma. Seria o resquício do álcool que também a deixava um pouco inebriada? Não, não haveria ninguém mais a quem culpar por aquilo.

Deixou suas mãos sentirem o tórax dele. Era um pouco mais largo que o de seu namorado e estava tão quente. Precisava abrir sua blusa, saber como era a pele por debaixo. Quanto tempo mais ela teria? O pensamento a apressou para desabotoar a camiseta. Era difícil. Quantas vezes na vida já pusera a mão em botões alheios? Talvez nunca? E ele ainda usava mais uma camisa por baixo. Perfeito. Isto não contava como chegar a base nenhuma fosse este um filme americano, né? Em que letra do alfabeto dos relacionamentos japoneses seria conseguir ver a camisa de dentro da camisa? E ela já ficava sem ar após todo o esforço e movimento. Precisava partir os lábios, respirar.

Foi nesse momento que ela sentiu as mãos de Mamoru subirem até a altura de seu cobro e segurarem seu casaco. Um calafrio. Usagi decidiu continuar a marcar território na boca do outro, mas parou de se mexer tão tensa estava. Aquilo qualificava como estupro? Homens podiam ser estuprados? Se pudessem, ela o havia feito justo contra alguém que iria até o fim para puni-la, com certeza.

Mas o que ela sentiu em seguida foi uma brisa, um refresco por seu corpo. O casaco começou a deslizar por seus braços. Não, Mamoru começou a tirá-lo. Por um momento, ele afastou-se um pouco, deixando a tarefa e, de repente, ele já havia se livrado de suas blusas, agora terminando de lhe remover o casaco enquanto devolvia o beijo.

Oh!

Era só o que sua mente respondia enquanto os lábios de Mamoru desciam por seu pescoço, por seus ombros e retornavam à sua boca. Toda a emoção do que fizera, do que apostara parecera lhe aumentar exponencialmente o prazer e seu corpo já suava. Mamoru já havia lhe tirado as blusas e agora devia estar encarando seu sutiã. Ela nem lembrava qual havia escolhido. Bem, devia ser algo bom, já que tinha um encontro com o namorado naquela noite, mas nada especial. Não para aquilo, o que quer que estivesse fazendo.

E aquilo já não era apenas uns beijos, pensou, vendo várias letras de alfabeto saírem correndo à sua frente quando ela inspirou fundo e seguiu para o cinto do outro.

— Vamos para o quarto, — A respiração quente de Mamoru, ainda com resquício alcoólico, parecia capaz de derreter sua orelha.

Não havia mais volta.

Tudo havia mudado. Ela havia mudado tudo. Seu namoro, seu relacionamento com Mamoru, ela própria.

As pessoas não costumam saber quais são os dias que serão marcos em sua vida. Apenas muito depois elas olham para trás e o definem. Põem um marcador naquela página, circulam aquela hora exata e apontam: "Ali minha vida mudou". Há sempre aqueles que digam que esses momentos, exatamente porque não ouvimos um tocar de sinos festivos, são pura ilusão, construção dos dramáticos. A vida para eles se trata de uma sucessão de causalidades acontecendo desde antes de nascermos e tudo estaria conectado. Assim, se houvesse um ser onipresente, com acesso a todas as informações do mundo, bastaria um jogo de lógica para que ele soubesse tudo o que viria a acontecer. Não era um momento por si próprio que mudava tudo, era só inevitável.

Infelizmente, nenhum humano tem essa capacidade para testar a segunda teoria, por isso, começamos histórias a partir daquele dia em que o marcador será posto, na cena exata cuja hora virá a ser circulada por aquelas pessoas e não conseguimos imaginar como poderia ter sido possível caso esse momento definidor da história houvesse sido diferente ou deixado de existir.

E esse momento deve ter sido aproximadamente quando Usagi Tsukino saiu do trem naquela tarde, acompanhada de sua amiga de faculdade, Minako Aino. As duas haviam se conhecido em turmas em comum cursadas no primeiro ano e aprofundaram amizade no segundo ano, após viajarem com mais duas meninas para esquiar em Hokkaido nas férias de primavera.

Minako correu atrás da amiga, que havia deixado a bolsa para trás ao se levantar de seu assento e brigou com Usagi por ser tão desatenta. Mas Minako já fizera o mesmo tantas vezes que o sermão fora apenas para constar, ou uma forma de extravasar o medo de aquele atraso dentro do vagão fazê-la ficar presa até a próxima estação, onde teria que pegar outro trem para retornar àquela, perguntando-se se a amiga se haveria dado por sua falta.

Usagi agradeceu a bolsa, sem ouvir as reclamações de tão acostumada. De toda forma, ela estava nervosa naquele dia, tinha que ser perdoada por fazer algo assim no dia de seu primeiro emprego. Era só um de meio-período e todo mundo já havia passado por isso algum dia, era verdade. Ela apenas nunca se preocupara com arrumar um. Na verdade, desde seu terceiro ano colegial, vinha se concentrando em se manter na média. Inferior, mas ainda na média. O primeiro de faculdade fora um choque maior que o vestibular, mas ao fim concluíra que não passara de um susto. Era possível sobreviver à universidade. No segundo ano, envolvera-se com um rapaz, seu primeiro grande romance. Estava apaixonada demais para pensar em dinheiro e nem precisava, pois ele sempre fizera questão de pagar tudo, e Usagi nunca o objetaria, até porque os dois nunca se divertiriam se dependessem de sua mesada calculada para as despesas com a universidade.

As duas apressaram o passo quando notaram já estarem atrasadas em mais de quinze minutos. Era outro péssimo hábito de Usagi, do qual Minako reclamava sempre que conseguia chegar antes da amiga. Mas ver quem se atrasaria mais o era uma competição acirrada entre as duas.

— É aqui! — apontou Usagi para um prédio após poucos minutos desde que saíram da estação. Ficava em um pequeno beco paralelo à rua principal. — No subsolo, — acrescentou, após checar a mensagem em seu celular.

— E estamos pontualmente atrasadas também! — Minako aproveitara para esticar o pescoço e conferir a tela do celular rosa da amiga.

— Já disse que ele não liga. — Usagi fez sinal, chamando para que descessem a escada negra.

Ao chegarem ao subsolo, encontraram uma porta de madeira com o nome do bar, Drunk Crown. Usagi riu-se ao constatar que não recebera errado o nome do lugar onde iria começar sua vida profissional. Meio período, mas isso também contava, certo?

Um frio na barriga lhe veio assim que Minako abriu a porta e o bafo do aquecedor chegou a seu nariz.

— Bem-vindo! — gritou alguém de algum lugar no interior. Era uma voz levemente nasal, que repetia apenas o que estava no script de encarregado de qualquer estabelecimento comercial. Mesmo assim, Usagi percebeu-se rindo ante a nostalgia.

— Motoki! — gritou de volta, pulando em um dos bancos ao lado do balcão.

Havia apenas uma pessoa do outro lado, um homem agachado com o rosto dentro de um dos armários na parede. Ao ouvir seu nome, ele se virou em um instante e abriu um imenso sorriso para a recém-chegada.

— Nossa, Usagi, como você continua a mesma! — disse, pondo as palmas das mãos no balcão e esticando o corpo em direção à moça.

— Isso é um elogio? — perguntou em resposta, puxando uma mecha de cabelo enquanto fazia bico.

— Bem, pra mim é ótimo! Quem me dera não envelhecer a cada ano como você. — Então, pareceu perceber a segunda menina. — Ela também está querendo emprego?

— Ah, não! — Minako respondeu prontamente, balançando a mão na frente do rosto. — Só vim acompanhando a Usagi. Sou Minako Aino, prazer!

— Motoki Furuhata.

— Então, vocês eram realmente amigos... Achei que a Usagi estava exagerando, não esperava que ela tivesse um amigo de infância tão mais velho a ponto de possuir um bar. Ainda conta como sendo de infância?

— Eu meio que só estou começando aqui — respondeu Motoki com um sorriso sem graça —, abrimos no final do ano retrasado. E, é mesmo. Não sei se seríamos amigos de infância, eu era meio período em um salão de jogos ao qual Usagi sempre ia depois da escola, nos tempos de ginásio. Depois, eu saí de lá, me formei, encontrei um emprego... Ficou mais raro nos vermos. Mas realmente, não somos amigos de infância.

— Ignora a Minako, ela só faz o que quer...

Minako riu-se, soltando os longos cabelos dourados de dentro do cachecol laranja.

— Pendure aí mesmo. — Motoki apontou para um cabide próximo à porta de entrada, aonde as meninas procederam a pôr seus agasalhos. — Li que hoje vai ser um dia bem frio, não esqueçam nada aí quando saírem.

— Não sou criança!

— E quase deixou a bolsa no trem, — disse Minako, e sentou-se no banco ao lado de onde Usagi havia se sentado antes.

— Realmente, você não mudou nada... — A voz de Motoki diminuiu, mostrando que sua mente estava em algum lugar distante.

— Tem certeza de que quer contratá-la? — Minako perguntou, pondo a mão no queixo.

— Ela não será a única e eu tô sempre aqui para ajudar. Mas, Usagi, você tem certeza de que está tudo bem trabalhar em um bar? Seus pais não ligam?

— Bem, contanto que eu não fique muito tarde nas vésperas de aula...

— Nem precisaria, nossos dias de movimento são sexta e sábado. Domingo é cheio, mas logo esvazia quando é quase hora do último trem, você verá se pegar esse dia. Segunda não abrimos. Nos demais dias, não costumo ter mais que uma pessoa trabalhando além de mim, a não ser terça à tarde quando damos uma geral no lugar. Mas, voltando, como já te disse por telefone, preciso de alguém que fique a noite toda sexta e sábado. Não precisam ser sempre esses dois dias, nós somos bem flexíveis com turnos, até porque todos são jovens e têm vida social, né? Só que você precisa ter certeza de que pode desde já. Infelizmente, não vale a pena ensinar alguém apenas para os demais turnos.

— Ai, Motoki, já disse que quanto mais trabalho eu tiver, melhor! Eu estou realmente precisando.

— Meu celular também agradece, sábado passado ela não parou de me mandar mensagem até umas três da manhã porque estava entediada e não conseguia dormir — complementou Minako.

— Então, está contratada mesmo! Por que não vem pro balcão e começa contando pro seu irmão postiço sobre esse namorado ingrato que te abandonou?

Usagi sorriu, sentindo um cafuné na cabeça. Estava decidida a se recuperar do fim de seu namoro naquele emprego. Conheceria mais gente, mais coisas. A oferta de Motoki não podia ter vindo em melhor hora. Tinha certeza de que aquele era um momento de virada em sua vida. Ela mesma o havia decidido.

Continuará...