Já era a segunda noite de tempestade em Townsville. Ás 19h34 da noite, em uma esquina pouco movimentada e levemente escura, perambulou três indivíduos encapuzados se escondendo nas sombras carregando sacolas com suprimentos. A cada esquina havia um carro policial circulando a procura de três meninas fugitivas. Em um momento, os três passaram por uma loja de televisões e eletrodomésticas onde se podia ver pela vitrine diversos canais de TV. Todos estavam em noticiários falando sobre a mesma coisa. Por alguma razão, aqueles três encapuzados pararam um instante para assistir.

Em uma TV se ouvia o noticiário do canal 2, que mostrava uma declaração do Prefeito de Townsville sobre os último incidentes:

Uma imitação grotesca do mal surgiu em nossa cidade. Ontem, nossa cidade sentiu o terror em nossa pele. Nunca antes na história dessa nação sentimos algo nesse nível. É mais do que bombas ou aviões. São armas vivas com atributos sobre-humanos. Algo que não é visto em décadas...”

Outra TV exibia o programa sensacionalista, Nação Harengue

“Está ai amigos provas concretas de que estamos oficialmente testemunhando uma invasão alienígena em larga escala. A produção teve acesso exclusivo a documentos que provam que Betty, Bertha e Beatrice Utonium, conhecidas localmente como Doçura, Florinha e Bonitinha faleceram à seis anos em um trágico acidente. E agora pergunto a vocês quem são essas três jovens? Segundo alguns especialistas que consultamos, isto é uma prova da presença da força alienígena que atua secretamente no planeta conhecida como “Soberanos”.

A TV de baixo estava no Canal 5 cujo ancora comentava sobre o assunto.

“A prefeitura estima um prejuízo de 25 milhões só por danos de propriedade. Contudo, a empresa multibilionária DexLabs, confirmou que doará o dinheiro necessário para reconstrução da cidade”

Na TV da esquerda que exibia o canal 19 mostrava um repórter em frente à casa de Utonium.

“...a perícia encontrou um laboratório no subterrâneo da casa. O laboratório estava repleto de tecnologias e equipamentos patenteados pertencentes a Hardly Industrias, empresa na qual Utonium trabalha cujo o dono, Dick Hardly é seu amigo de longa data. Na entrevista ele disse:

“Acreditem, eu estou me sentindo tão traído quanto vocês. Eu ofereci um emprego a ele e sua esposa na minha empresa como um amigo. Não tinha ideia de que ele usaria isso para o mal. A Hardly pede desculpas e ajudará aqueles que foram prejudicados. Nós ajudamos esse país diversas vezes no passado com nossa tecnologia e garantiremos que isso se mantenha assim.”

Acusado de vários crimes, Utonium foi preso ontem. Durante sua prisão seus únicos comentários foram:

“Por favor, não machuquem minhas filhas. Elas não tem culpa de nada. Eu causei isso. Elas não merecem nada disso, são apenas crianças. Por favor, são apenas garotinhas que devem estar por ai com frio, assustadas, ou até mesmo, perdidas”.

Na TV do canto, o noticiário do canal 11 mostrava um repórter entrevistando Marianne Smith, uma das vítimas do incidente.

“Elas quase mataram a minha família, abriram um buraco na minha casa e ainda por cima arruinaram o meu jantar que levei dias para preparar!” — Gritou a moça perdendo completamente a calma. — “Não me peça pra ficar calma, Harold! Elas são um bando de aberrações mutantes! É isso que elas são, aberrações! Aberrações não tem lugar aqui em nossa cidade ou sequer no nosso país. Fora suas pequenas aberrações!”

Um carro policial entrou na rua para patrulha-la. Percebendo o perigo, os três correram para a fábrica abandonada que ficava depois de um beco escuro. Ao entrar pela porta dos fundos, eles retiram seus capuzes revelando serem as três meninas que estavam sendo procuradas por toda a parte da cidade.

— Merda! Merda! Merda! — Murmurou Docinho.

— Papai está preso. Está tudo acabado. — Chorou Lindinha. Seu rosto exibia sua exaustão e seus cabelos nunca estiveram tão desarrumados. A situação estava tão triste que nem fez suas marias-chiquinhas que costumava fazer.

— Isso tudo é culpa da Docinho! — Retrucou Florzinha.

— Minha culpa? — Questionou. — Você que surtou e jogou um raio em mim.

— Isso por que você rasgou o laço que a mamãe me deu! Era única coisa que tinha dela — Argumentou Florzinha.

— Isso não teria acontecido se você não fosse tão mandona! — Afirmou Docinho.

— Me desculpa, por ser a única que se preocupa com o bem-estar dessa família. — Ironizou Florzinha.

— Não venha com esse falso moralismo de merda. Você é uma hipócrita! — Gritou Docinho com os olhos brilhando verdes.

— E você é uma irresponsável. — Gritou Florzinha com seus olhos brilhando rosa.

As duas estavam quase se confrontando novamente. Contudo, Lindinha não podia mais ficar parada vendo tudo acontecer de novo.

— CALEM A BOCA VOCÊS! — Berrou Lindinha ao mais alto que podia com os olhos lacrimejados e respiração ofegante pela raiva e o desespero. — POR FAVOR, PAREM DE BRIGAR!

Florzinha e Docinho se calaram surpresas. Não era da natureza de sua irmãzinha perder a cabeça ou assumir a voz da razão.

— Mesmo depois de tudo, vocês ainda tem a cara de pau de continuarem brigando? A Robin, o Elmer, o... o Mike, todos eles agora devem nos odiar agora. Nosso pai está preso acusado de um monte de crimes e a cidade inteira está nos caçando. Somos aberrações agora e nossa família está destruída e tudo porque vocês não conseguem se intender uma vez sequer. Me digam, o que mais a gente tem que perder para vocês duas se tocarem disso? Quando isso vai parar?

As duas ficaram em silencio total, pois não tinham nada mais a ser dito. As duas falharam feio e todos pagaram por isso. Docinho sentou-se contra parede no chão frio e cobriu o seu rosto. Florzinha também começou a chorar.

— A culpa é minha. — Declarou Florzinha finalmente deixando seu orgulho de lado e depois admitiu. — Docinho, você estava certa o tempo todo. A mamãe teria te apoiado, ela teria feito muito melhor do que eu fiz. Eu vivo o tempo todo fingindo que sou a líder desse trio, mas na verdade eu não sou. Mamãe dizia que eu tinha que cuidar de vocês, mas eu não sei como fazer isso. Eu finjo que sou mais madura, mas a verdade é que eu não sou. Olha só, por causa de um laço besta eu perdi a cabeça e olha onde a gente veio parar.

Docinho se levantou, porém levantou com a cabeça baixa. Andou até Florzinha e lhe abraçou pelas costas.

— Não é um laço idiota. Era importante pra você e eu fui egoísta mesmo. — Lamentou-se Docinho. — A verdade é que eu invejo vocês. Eu me sinto tão acorrentada e enjaulada e vocês parecem sempre estarem tão bem. Estão sempre com rosto confiante e um sorriso alegre. Acho que me esqueci que isso também é uma forma de fingir. Eu sinto muito, maninha. Eu só queria me sentir como eu mesma. Queria me sentir... especial.

Docinho afastou seu capuz revelando seus olhos tristes. As duas choraram abraçadas lamentando o que fizeram uma outra. Era tarde demais para desfazer o que foi feito, mas não era tarde para fazerem as pazes. Lindinha assistindo a cena, sorriu levemente, orgulhosa e sentindo-se esperançosa apesar de ainda estar emocionada. Mesmo depois de ter perdido tudo ainda tinha suas irmãs. Ela logo correu e participou do abraço genuíno.

— Nós vamos sair dessa, maninhas. Eu prometo. — Afirmou Florzinha.

De repente, as três ouvem um barulho que ecoou pela fábrica que a deixou em alerta.

— O que foi isso? — Perguntou a ruiva.

— Será que acharam a gente? — Disse a irmã loira.

— Quem está ai?! Apareça! — Gritou menina durona.

Ninguém respondeu. Nada se ouviu por vários minutos a não ser a reverberação do grito do Docinho.

— Acho que deve ser só um morcego ou algo assim. — Concluiu Florzinha.

— Olá. — Alguém disse com uma voz grave e levemente áspera que foi reverberada por todo o lugar.

— Quem está ai?! — Berraram a três.

— Não fiquem assustadas. Eu não irei lhes fazer algum mal. — Disse a voz que reverberava assustadoramente pela fábrica.

— Desculpa se eu não acredito em você. — Duvidou Docinho. — Ultimamente todas pessoas querem nos pegar.

Um vulto vivo desceu do teto e caiu no meio das sombras. Ele caminhou lentamente em direção as meninas indo para a parte iluminada da fábrica.

— Isso não é problema, pois... — Ele alcançou a luz e meninas puderam ver o seu rosto. — Eu não sou uma pessoa.

Florzinha, Lindinha e Docinho e se assustaram com o que viram. Era um macaco, um chimpanzé na verdade, com pele verde olhos roxos e andava ereto como um ser um humano. Ele usava calça e um casaco moletom roxo que cobria uma parte de sua cabeça. Assustadas, as três deram um passo para trás sem entender bulhufas o que estava acontecendo.

— Não se assustem meninas. Como eu disse, eu não vim lhes fazer algum mal. Muito pelo contrário. Eu vim ajudar vocês.

— É um chimpanzé verde e que fala! — Afirmou Lindinha o óbvio.

— Essa é coisa mais estranha que já vi. E olha que nós voamos e soltamos raios dos olhos. — Disse Docinho tentando acreditar no que via.

— Quem é você? — Perguntou Florzinha.

— Meu nome é Caco e assim como vocês eu também sou uma aberração. — Explicou e depois removeu o seu capuz revelando o que havia sua cabeça. Um enorme cérebro exposto, vazando do crânio em que estava como se fosse grande demais para aquela cabeça de animal pequena. — Uma aberração do Elemento X.

— Minha nossa! — Disse Lindinha horrorizada.

— Ele é como a gente? — Perguntou Docinho confusa.

— Problema diferente. Pesadelo igual. — Explicou Caco.

— Papai dizia que ele tinha um chimpanzé de estimação que ele adotou e que fugiu quando nós.... — Recordou Florzinha. — O nome do macaco era Caco.

— Sim. O Professor Charles Utonium, talvez o que tive mais próximo de um pai na vida. — Afirmou Caco. — Quando eu era filhote, eu sofri um acidente. O professor me acolheu em sua casa e me usou como cobaia para seus experimentos.

— Isso faz sentido. — Concluiu Florzinha.

— E o que você quer da gente, macaco? — Questionou Docinho.

— Eu quero propor a vocês uma parceria para que nós possamos nos ajudar e resolver o nosso problema em comum.

— Você acha que pode ajudar a gente? E Por que a gente confiaria em você? — Perguntou Lindinha.

— Eu entendo a sua desconfiança, meninas. Talvez se eu contar a minha história vocês consigam averiguar as minhas intenções. Tudo começou há seis anos, quando um pequeno chimpanzé, nomeado de Caco, após sofrer um grave acidente foi acolhido por um cientista brilhante. Ele o usou como cobaia de um experimento ilegal com o Elemento X para fazê-lo recuperar-se de sua invalidez. Funcionou, o pequeno curou-se milagrosamente. E como já sabem, ele fugiu. Fiquei dias nas ruas me escondendo de qualquer humano. Só aparecia para roubar comida de algum lugar. Com tempo, minha pele foi tornando-se cada vez mais esverdeada e minha inteligência ampliada. Primeiro, as ideias para obter comida foram ficando cada vez mais... sofisticadas, depois comecei a murmuram palavras e até frases completas. Depois um ano, eu já era capaz de falar a sua língua fluentemente, de ler e de escrever também. Contudo, as mudanças não pararam ainda. Depois 3 meses, comecei a sentir terríveis dores de cabeça e comecei a ter uma fome não por comida, mas por conhecimento, por lógica, por ideias. Invadi bibliotecas e faculdades, comecei a ler, pesquisar e raciocinar desenfreadamente. E cada livro que devorava, ao mesmo tempo, meu cérebro crescia e crescia. Até ali, foram três anos nas ruas completamente perdido na solidão, porém sabendo física quântica, cálculo avançado, astrofísica, química nuclear, robótica, filosofia, literalmente tornei-me a pessoa... desculpe... a coisa mais inteligente que esse mundo havia visto. Com o tempo, uma outra fome tomou conta de mim: Uma fome por identidade. Comecei a refletir sobre minha existência, meu proposito nesse mundo. Quem era eu? O que eu havia me tornado? O que devo fazer agora? Fazia essas perguntas diariamente. Eu poderia usar a minha mente para tornar esse mundo lugar melhor, eu pensei. Mas, o mundo não me aceitou. Não importa o quão inteligente eu fosse, para os humanos eu era uma...aberração. Percebi então, que minha condição era na verdade uma maldição: a maldição da sabedoria. Tentei retornar a uma vida de simplicidade, conviver com os meus semelhantes primatas, todavia, para eles eu também era uma aberração. Esse seria minha sina? Ser sábio demais para um chimpanzé e ser bestial demais para um homem e não ter um lugar para mim nesse mundo? A cura para essa maldição se tornou minha única saída e esta tem sido a minha busca desde então.

— Que triste. — Disse Lindinha simpatizando com a história do animal sabio.

— Espera, você acha que pode curar a gente? — Perguntou Florzinha.

— Na verdade, eu sei que posso. Tenho estudado isso faz um tempo.

— Eu não sei. O professor passou anos tentando fazer isso e nunca chegou perto. — Apontou Docinho.

O macaco apenas deu um leve sorriso sarcástico e afirmou: — Tenho total respeito ao Professor Utonium. Ele é sem dúvidas é um dos homens mais inteligentes desse mundo. Todavia, ele continua sendo apenas um homem. Eu, por outro lado, já ultrapassei as limitações do homem em todos os sentidos. Como eu já lhes disse, sou uma aberração como vocês. Eu entendo o seu ceticismo meninas, mas, se não acreditam em minhas palavras, eu posso simplesmente lhes mostrar todo o meu plano. Venham comigo para o meu laboratório, pois tenho total certeza que o meu plano irá lhes agradar e muito.

Docinho, Lindinha e Florzinha trocaram olhares confusos e indecisos uma para outra. Não sabia o que decidir naquele momento. Mas, se havia uma possibilidade de voltarem a serem normais não poderiam recusar. Lindinha acenou com cabeça e sorriu, Docinho bofou por um momento e fez o mesmo. Florzinha sorriu para suas irmãs sabendo que todos estavam de acordo.

— Tudo bem. Nós ouviremos o seu plano. — Afirmou Florzinha. — Onde iremos agora?

Macaco sorriu para meninas empolgado por terem tomado tal decisão.

— Vamos para o antigo observatório abandonado de Townsville.