CASTELOBRUXO - O Início de Uma História

CAPÍTULO 11 - A Floresta dos Sussurros


— Onde estamos? — Perguntou Roberto para Miguel.

— Acho que em algum lugar ao norte da Floresta dos Sussurros — comentou Eduardo.

A frente dos garotos, a menina fantasma flutuava, tranquila e determinada. Não havia olhado para trás em momento algum para verificar se os garotos a seguiam.

— Estamos chegando? — Hugo questionou para a garota.

— Mais um pouco e chegaremos. O local é complicado de chegar se você não conhecer a floresta. Pode se perder.

Passaram por um conjunto de árvores onde três fantasmas choravam baixo. Os garotos instintivamente afastaram-se e quase saíram da rota.

— Não se preocupem — acalmou a garota. — Eles não vão fazer nada. Estes são os deprimidos, eles apenas choram e resmungam.

— Mas eles são fanta... — Roberto parou na metade da palavra. Não sabia se iria ser ofensivo continuar, mas a garota não pareceu se importar.

— Nem todos os fantasmas são agressivos. A maioria dos que estão aqui são tristes e deprimidos. Não fazem nada além de chorar e resmungar sobre o passado.

— E a menor parte? — Perguntou Eduardo.

A garota permaneceu em silêncio. Flutuando a frente do grupo, como se não tivesse ouvido o questionamento.

— Qual seu nome? — Hugo aproximou-se da menina.

— Amélia.

— Você morreu aqui? — Perguntou Miguel.

— Sim e não. Não foi nessa floresta em que eu morri, mas o local em que morri está aqui. Ele foi trazido para a floresta depois. Estamos chegando. Após aquelas árvores tem um pântano e depois...

A garota parou de avançar. Por um instante nada aconteceu e então a garota disparou para a direita, mais rápido do que os garotos poderiam seguir. O borrão fantasmagórico logo sumiu entre as árvores e tudo ficou quieto.

— O que houve? — Roberto aproximou-se dos garotos.

— Não sei — respondeu Hugo.

Após alguns instantes o borrão fantasmagórico veio da floresta e parou na frente deles, tomando a forma da garota.

— Temos que correr. Ela sentiu a presença de vocês.

— Ela quem?

A fantasma adiantou-se e aumentou a velocidade enquanto falava alto.

— A chorona!

Em poucos instantes os quatro corriam pela floresta, em direção as árvores que levariam ao pântano. Roberto, no último lugar da fila, olhou para trás e ao longe viu uma figura vindo na direção deles. Era alta e movia-se rápido, com cabelos negros esvoaçando no ar.

Após atravessarem as árvores vira que a trilha imergia na água negra do pântano, sumindo de vista. Não era possível ver a profundidade exata. Plantas e insetos mortos eram levados pelo movimento suave e tranquilo da água.

— Vão em frente, sempre em frente. Não virem, não voltem e não mudem de direção — disse a garota.

— Você não vem? — Questionou Hugo.

— Eu tenho que impedi-la ou ela vai pegar vocês. Vão, agora!

Hugo foi o primeiro a entrar na água, criando ondas que se espalharam pela superfície em todos os sentidos, os outros o seguiram.

— Usem feitiços de luz e nada de ruim lhes acontecerá — recomendou a garota fantasma antes de sumir na forma de um borrão através das árvores.

— Será que devemos mesmo ir? — questionou Roberto com água na cintura.

— Parece que sim — respondeu Eduardo.

— Mas e se tiver outro caminho? Menos sinistro?

Ouviram então um grito agudo vir do caminho por trás das árvores, seguido por um grito menor de uma jovem dizendo: Você não vai pegá-los! Os galhos das árvores se agitaram e outro grito agudo foi ouvido.

— Vamos — disse Miguel e entrou na água.

Aos poucos se distanciaram da margem, deixando os barulhos da garota fantasma e da Chorona para trás. Miguel tomou a dianteira do grupo e apontava a varinha para o alto, onde uma pequena esfera de luz flutuava na ponta. Atrás vinha Hugo, depois Roberto e Eduardo vinha por último segurando sua varinha no alto com o mesmo feitiço de luz.

— Ah! Algo tocou em mim — disse Roberto, saltando para o lado.

— Cuidado, não faça barulho — recomendou Miguel. — Não acho que tenham apenas fantasmas aqui.

— Essa não, em que fomos nos meter?

— Respira, Roberto. Vamos continuar.

Após alguns minutos caminhando em meio a água escura, os garotos perceberam que aos poucos o nível dela abaixava, estando agora no começo da coxa dos garotos.

— Lá está margem — disse Hugo.

— Vocês viram isso? — Eduardo parou.

— O que? — Questionou Roberto assustado.

— Parecia uma cauda de algum bicho saindo da água. Lá, naquele canto.

Miguel apontou a varinha e a esfera distanciou-se um pouco de onde estavam. A margem para onde Eduardo apontava estava a metros de distância, de modo que a esfera de luz perdeu força e sumiu antes de chegar sequer na metade do caminho entre eles e a margem.

— Não tem nada lá — disse Hugo.

— Vamos, não quero ficar nesse lugar mais do que o necessário — chamou Miguel e adiantou-se em direção a margem.

Os garotos estavam com as pernas encharcados, com frio e sem ideia alguma de para onde ir. Havia árvores, neblina e solo úmido para todos os lados, além da escuridão da noite.

— Para qual lado vamos? — Perguntou Hugo.

— Sua amiga fantasma não disse? — Respondeu Roberto.

— Vamos seguir em frente — disse Eduardo.

— Não podemos esperar ela aqui? — Sugeriu Roberto.

— Não. Seja o que for aquilo que vi na água, não me pareceu ser algo inofensivo.

— Pode ter sido um galho.

— Não tem galhos na forma de uma cauda, Roberto.

— Estava escuro, talvez tenha se confundido.

Eduardo ia responder quando viu um movimento com o canto do olho. Miguel viu o movimento e ambos se viraram para encarar a figura branca.

Era o fantasma de um homem, de cerca de quarenta anos de idade. Usava um tapa-olho e vestia-se como marinheiro, todo ensopado. Quando falou, sua voz saiu gutural e baixa.

— Ora, ora, ora. O que temos aqui? Quatro garotos perdidos na Floresta dos Sussurros. Curioso. O que buscam aqui?

Eduardo segurou no braço de Hugo quando este fez menção de falar.

— O que foi, Edu?

— Não devemos confiar nele.

— Não há mais ninguém aqui. Ou ele nos mata ou nos ajuda. De todo modo, estamos sem tempo. — Hugo virou-se para o velho. — Nós procuramos uma amiga.

— Uma amiga?

— Sim, ela veio aqui há alguns dias.

— Como é sua amiga?

— Ela é... alta, vestida de negro e com a pele branca.

— Curioso. Conheço essa sua amiga, mas ela não costuma receber visitas.

— Nós nos perdemos dela, no lago. Pode nos ajudar.

— Ora, que cavalheiro seria eu se não ajudasse quatro jovens a encontrar sua a miga perdida. Sigam na direção daquela árvore alta, veem? Após chegar nela, continuem andando em frente, garantindo que ela fique sempre atrás de vocês. Sua amiga está um pouco à frente. Vão reconhecer a moradia dela.

— Obrigado, senhor.

O velho gargalhou, fez reverência e saiu para a floresta.

— Podemos confiar? — Perguntou Eduardo.

— É nossa única pista — disse Hugo e começou a andar, levantando a varinha na frente, com a luz surgindo na ponta. Por último vinha Eduardo, iluminando a retaguarda.

Houve um lampejo, seguido de grunhidos e a fuga desenfreada de fantasmas.

O grupo de James caminhava em direção a parte norte da Floresta dos Sussurros. Haviam entrado pela parte leste da floresta, a qual possuía menos fantasmas e menos impedimentos para chegar no local em que acreditavam ser a toca do encantado.

Porém, James estava longe de estar tranquilo.

Carla havia trazido um suposto duelista europeu consigo, mas o homem era jovem e inquieto. Atacava inclusive fantasmas que sequer entravam no caminho do grupo, o que foi enfurecendo James que pretendia alcançar suas presas em um ataque surpresa.

— Carla — James chamou a mulher para perto. — Controle esse seu amigo ou eu o deixarei amarrado nas árvores.

— Ele só está animado — respondeu a mulher de forma ríspida.

James levantou uma sobrancelha e abriu o sobretudo que carregava, expondo o local na cintura em que sua varinha estava.

— Controle o garoto ou eu controlarei. Garanto que o deixarei para conversar com os fantasmas.

Carla pareceu desafiar o homem, ela não gostava de pessoas mandando nela, mas nesse momento um dos disparos do jovem errou o fantasmas e acertou um galho que caiu na água. O impacto de madeira na água ressoou pela floresta alto, fazendo com que fantasmas ao longe parassem de se mover e observassem o grupo.

A mulher virou-se, com fúria e gritou em alemão para o garoto de cabelos ruivos. Ele deu de ombros e sorrindo apontou para outro fantasma do outro lado do lago. O movimento de Carla foi mais rápido e preciso, a varinha do garoto saltou de sua e foi pega em pleno ar pela mulher. Ela pronunciou uma última ameaça e voltou a andar do lado de James.

James ficou satisfeito com a atitude dela. Por precaução olhou para a floresta e para o seu auxiliar que vinha próximo a ele. Na ponta da varinha do ajudante havia um fio de cabelo negro brilhante que apontava para o oeste, indicando a localização de Giuliano e dos professores. Pela direção, ele supôs que o outro grupo estava caminhando vagarosamente atrás deles.

Sua expressão se entristeceu ao perceber que muito provavelmente não enfrentaria o professor Luís em duelo, tendo que se concentrar apenas em capturar o encantando.

O grupo continuou a andar em frente, afugentando um ou outro fantasma que surgia de forma mais silenciosa que conseguiam. Quanto mais próximo estivessem do local, mais havia chances de serem ouvidos. O vento soprava pela copa das árvores, indeciso pelo caminho que deveria tomar.

O vento frio da noite passou por cima da cabeça da professora Ana que caminhava entre os ramos da Floresta dos Sussurros. Mal haviam entrado e foram surpreendidos por um trio de fantasmas que tentou atacar o grupo. Os professores conseguiram afugentar os espíritos que passaram a acompanhá-los a uma distância segura no meio da floresta. Um aviso para lembrar onde estavam e o que lhes aguardava por ali.

— Fiquem calmos — recomendou a professora. — Não acho que serão os primeiros a nos atacarem.

— Faz tempo que estes espíritos estão por aqui? — questionou a professora Betânia.

Era a mais jovem contratada da escola. Uma mulher de altura mediana, com cabelos negros brilhantes enrolados em um coque baixo, óculos de armação pontuda e vestes cinzentas.

— Sim, os fantasmas foram trazidos para cá de vários locais há algum tempo — respondeu a professora Ana.

— Estes são os mais perigosos?

Não. Só alguns estão aqui.

— Um terço dos mais perigosos estão à solta, um terço aqui e o outro sob controle do Governo em locais especiais — explicou Giuliano. — Todos estão sob controle de certa forma. Sabemos onde estão, mas nem todos podem ser controlados.

— Mas qual a razão de estarem aqui? — questionou a professora.

— O Governo trouxe alguns para este local para equilibrar o mundo mágico e mantê-lo escondido dos comuns — explicou Giuliano. — Pela história, os povos antigos sempre usaram espíritos para atacar ou amaldiçoar outros. Tal uso exagerado dos fantasmas gerou instabilidade na natureza deles, criando uma espécie de vírus que afeta outros espíritos. A energia deles tornou-se corrompida. A separação serve para manter aqui e nas instalações os espíritos corrompidos.

— Essa floresta já era habitada por fantasmas muito antes do Governo fazer qualquer coisa — disse a professora Ana. — Muitos já viviam por aqui, trazidos aos poucos por outros bruxos. O Governo então tornou essa área um local de quarentena.

— Quer dizer que estamos entrando em um local onde há fantasmas doentes e descontrolados? — Questionou Betânia.

Todos permaneceram em silêncio, ninguém quis dar a resposta óbvia. O fio de cabelo na ponta da varinha do professora Ana os guiava para o nordeste da floresta.

A professora ficou preocupada, pois o caminho indicado pelo fio os levava para a parte mais ao fundo da floresta, onde havia a divisa com a porção sombria da Floresta Profunda.

A Floresta Profunda abrangia uma área incalculável de terra. A escola estava na parte mais conhecida e mapeada da floresta. Entrando pela floresta adentro se chegava na Floresta dos Sussurros, uma área triste há algumas centenas de metros da escola. Além da floresta se estendia a maior porção da Floresta Profunda, uma área pouco mapeada e cheia de perigos.

Era o lar de capelobos, corpos-secos, gorjalas, dentre outras criaturas que exigiam a presença de especialistas para lidar, sendo uma região perigosa até para professores experientes.

De todo modo, sua obrigação pessoal e o senso de responsabilidade a impediam de expressas suas preocupações, mantendo sua expressão séria enquanto desviava dos galhos e poças de água.

Ao longe ouviram um som, algo como o impacto de algo na água. Todos pararam e ficaram em atenção, varinhas levantadas na direção do som. Os fantasmas ao longe permaneciam imóveis observando o grupo, sombras esbranquiçadas atravessando árvores e flutuando acima das poças.

— Vamos continuar.

— O que foi aquilo? — Questionou a professora Betânia.

— Alguma criatura deve ter entrado na água. Temos que fazer silêncio. Vamos.

Em um ponto distante, quase nos limites entre a Floresta dos Sussurros e a Floresta Profunda, um fantasma de marinheiro caminhava para a entrada de uma caverna subterrânea.

A entrada não era grande e havia sido montada para afastar curiosos, com teias de aranha e limo espalhados. Tinha o espaço para que no máximo duas pessoas caminhassem lado a lado, porém, para um fantasma não havia problemas de espaço.

Mesmo assim, o fantasma entrou com cuidado. Aquele era o lar de um encantado, não um encantado qualquer, mas um temido pelos fantasmas desde os tempos antigos.

— O que quer aqui, marinheiro? — A voz firme veio da escuridão, onde olhos amarelos como duas lanternas observavam o fantasma.

— Desculpe entrar assim, minha senhora. Eu não queria atrapalhar a sua alimentação e...

— Fale logo o que quer.

— Sim, senhora. Há crianças vindo para cá.

— Crianças?

— Sim, quatro garotos, parece que vem atrás de alguém.

Os olhos amarelos se viraram para o canto da caverna, onde camas de pedra improvisadas se elevavam do solo. Havia cinco camas, onde cinco crianças estavam deitadas. Perto de suas cabeças, havia um prato de barro, onde uma mistura de ervas, minerais e um líquido espesso emitiam uma luz fraca. De dentro da mistura surgiam fios prateados que se uniam a cabeça das crianças que dormiam tranquilamente.

— Devem ter vindo atrás da garota da escola. Interessante.

Os olhos moveram-se e junto a ele o corpo volumoso no escuro. O som da pele reptiliana roçou nas rochas e no solo, ressoando pela caverna. O fantasma afastou mais, chegando na entrada.

— Primeiro os professores entram na floresta, depois o grupo maior e agora crianças vem ao meu abrigo. Nunca me havia ocorrido tal situação, mas confesso que estou curiosa para saber o que se seguirá.

A animação era audível na voz dela, mesmo que sua forma volumosa e grande estivesse escondida nas sombras.

— Com sua licença, minha senhora.

— Marinheiro! — A voz chamou antes que ele pudesse sair. — Chame seus amigos, mudança de planos. Quero que distraia os outros dois grupos e deixe as crianças chegarem. Quero recebê-las sem interrupções.

— Como quiser, minha senhora.

O fantasma sumiu pela entrada, enquanto os olhos amarelos se fechavam na escuridão da caverna.