Bulletproof Daughter

CHARACTER NARRATION: A quarta face Pt.1 (por Jeon Minji)


O nome dele era Min Yoongi, mas não havia ninguém em Daegu que o conhecesse por um nome diferente de Agust D. Desde os 12 anos, ele era o centro das atenções na escola: o rei do rap e o rei do basquete. Todos os intervalos eram dominados por uma única mesa que parecia ser um palco, pois todos os olhares eram voltados para ela, quando o pequeno Agust D mostrava suas habilidades entre os atletas da escola, que eram sempre mais altos que ele. Quando ele andava nos corredores, as meninas ficavam todas olhando e cochichando sobre os boatos de que tinha ficado com tal menina em tal lugar no dia anterior. Ele não sonhava com a minha existência, eu era mais uma na multidão. O único momento em que ele passou a me conhecer de vista foi quando se mudou para a mesma rua que eu, pois a partir daquele dia, compartilhávamos o mesmo caminho entre escola e residência.

Talvez vocês estejam pensando que foi aí que começamos a conversar e nos demos muito bem, mas nunca nos falamos simplesmente por estar na mesma rua, porque o fato de aquele ser o nosso caminho não implicava, necessariamente, em andarmos lado a lado. Eu sempre notava quando ele estava alguns metros atrás de mim, ou o via no fim da rua. Muitas vezes, não chegava a vê-lo no caminho, porque ele ficava na escola jogando ou eu perdia um tempinho conversando com colegas, e assim se constituíam atrasos de um em relação ao outro. Era comum que eu estivesse entrando em casa e ele passasse atrás de mim, na direção de sua própria casa. Na escola, ele não dava sinais claros de saber que eu era a menina que morava na rua dele, mas eu notava quando o olhar dele se sustentava sobre mim por dois segundos a mais do que antes. Nunca sorriu pra mim, nunca me disse annyeong, não sabia meu nome. Eu continuei sendo mais uma na multidão, uma nova demais pra ser alvo de conversas ou sequer do pensamento daqueles atletas.

O dia em que tudo mudou foi mais um dia comum, exceto pelo fato de que não havia reposto meu suprimento de açúcar, como deveria ter feito. Tentei ignorar a ausência da glicose, embora meu corpo não fizesse o mesmo. Felizmente, só comecei a me sentir cansada no final da aula. Assim que ela terminou, peguei a mochila e comecei meu caminho, com a certeza de que ele não era tão longo que eu não pudesse chegar à casa antes de desmaiar.

Claro que eu estava errada.

O sol decidiu ficar mais intenso justo naquele dia. Eu andava e tentava me manter de pé, mas comecei a sentir que não seria suficiente. Não estava nem na metade do caminho quando eu finalmente apaguei.

Quando acordei, estava deitada na minha cama. Não me lembrava do que tinha acontecido, mas estava sentindo uma dor de cabeça terrível. Meu appa apareceu logo e me disse que eu havia desmaiado na rua. Dizer aquilo era algo extremamente natural. Eu estava muito confusa e, percebendo isso, meu pai disse que logo chamaria a minha eomma para explicar.

Minha eomma contou que eles estavam na sala de estar quando houviram três batidas muito fortes na porta, como se fossem chutes. Já preocupada, ela abriu a porta, e viu um menino com o uniforme da minha escola, não muito mais velho do que eu. Ele estava ligeiramente suado e me trazia desacordada nos braços. Ela pediu ao meu appa rapidamente que me pegasse, e ele me levou para cima e cuidou da ferida que havia em minha cabeça enquanto ela o mandava entrar, enquanto ele explicava que estava andando pouco atrás de mim e me viu cair.

Ele sentou na mesa da cozinha e tomou suco enquanto ouvia muito atentamente minha eomma contar sobre a minha doença e todas as suas complicações e responsabilidades. Ela disse que era normal eu desmaiar se a glicose abaixasse demais, e falou sobre os suprimentos de açúcar. Disse, ainda, que eu demoraria um pouco para acordar, mas ficaria bem. O garoto pediu que o ligassem para avisar quando eu estivesse melhor, então minha eomma anotou o número em um papel. Ele, ainda hesitante, foi embora.

Minha eomma me deu o papel. A única pessoa que poderia ter me salvado, a única pessoa que compartilhava comigo aquele caminho era ele, mas eu não consegui acreditar até ver o que estava escrito:

+853 2896 9666

Agust D

— Você deve ligar para ele — disse minha eomma. — Ele estava muito preocupado com você.

Aquela ideia me pareceu extremamente errada. Ligar para o garoto mais popular da escola? E ainda por cima na frente dos meus pais? Quão utópico aquilo parecia?

Então, eu liguei pra ele, que me atendeu logo. Eu gaguejei, dizendo quem eu era.

— Eu liguei para te avisar que já estou bem — disse, com um pouco menos de nervosismo.

— Muito bom ouvir isso, obrigado por avisar. Quer dizer que te verei amanhã na escola?

— Sim — eu disse, levemente atônita com aquilo.

— Então está ótimo. Até amanhã. Jeon Minji.

— Até amanhã, Agust D.

Eu já estava abismada com aquela história toda, mas não mais do que fiquei quando saí de casa no dia seguinte. Inacreditavelmente, dei com Agust D sentado no terceiro e último degrau de acesso à minha porta. Ele se levantou enquanto eu fechava a porta atrás de mim.

— Annyeong — ele disse. Eu esperaria um “annyeonghaseyo”, e não um “annyeong”, mas respondi da mesma maneira.

— Annyeong.

— Gapsida — disse ele, e começou a andar pela rua. Eu o segui lentamente, e ele logo parou e olhou para trás. Esperou que eu o alcançasse, e então, começamos a fazer nosso primeiro caminho realmente juntos, lado a lado.

O caminho foi predominantemente silencioso. Andamos em ritmo normal, não nos olhamos e não falamos quase nada. Estávamos na metade do caminho, no ponto onde era minha última lembrança, quando me dei conta de que não tinha agradecido.

— Obrigada por me salvar — eu disse.

— Era minha obrigação — ele respondeu, naturalmente. — Se por acaso você se sentir mal, ou até se precisar de alguma coisa, deve vir falar comigo, está bem?

Eu acenei positivamente, embora ainda não compreendesse o significado daquilo. Ele disse que eu “deveria” falar com ele, e não que eu “poderia”. Não era uma opção. Demorei a notar que isso não queria dizer que ele queria mandar em mim. Queria dizer apenas que ele não estava oferecendo aquela ajuda por educação, mas porque realmente se importava.

Na hora da saída, não o vi na frente da escola, e iniciei meu caminho. Dei poucos passos antes que ele gritasse meu nome. Virei lentamente, e o avistei entre várias pessoas. Todas estavam olhando pra mim, e eu fiquei vermelha na hora, enquanto ele andava na minha direção.

— Você não ia sem mim, ia?

— Eu não te vi, então achei que já tinha ido.

— Gostaria que você esperasse por mim como eu espero por você. Vou me sentir incomodado se caminhar sozinho.

— Mian — eu disse. — Não estou acostumada a ter companhia.

— Não tem problema. Você vai se acostumar.

— Meus pais pediram pra você fazer isso?

— Não. Você acha que eu sou tão frio assim? Que não sou capaz de me preocupar com você e decidir por mim mesmo que vou te ajudar?

— É o que você aparenta ser no seu rap, menino de Daegu.

Agust D deu uma risada de leve e não falou mais nada até me deixar em casa. Minha conclusão naquele dia foi que ninguém é 100% malvado, e quem aparenta ser, está escondendo um pouco de si mesmo. Talvez para mostrar no momento certo.

Nos dias seguintes, ele fez a mesma coisa. Sempre estava sentado no degrau quando eu saía de casa, com medo de eu ir sem ele. Caminhávamos sem dizer muita coisa, às vezes não dizíamos nada. Na saída, um dos dois saía primeiro e esperava pelo outro, e então voltávamos. Eu achei que aquilo fosse durar só alguns dias, só até ele perceber que aquilo que aconteceu naquele dia é bastante raro e que eu consigo me virar sozinha. Mas ele não pareceu se convencer, porque aquilo continuou. Às vezes eu estava normalmente lanchando no refeitório quando percebia que ele estava me vigiando do palco.

Finalmente, chegou um dia em que ele me disse, no caminho para a escola, que precisaria estar em um jogo de basquete depois da aula, então eu poderia ir sozinha, mas apenas se eu tivesse certeza de que estava 100% bem e com um bom estoque. Caso contrário, deveria ligar para os meus pais me buscarem. No fim da aula, ele me perguntou como eu estava. Eu não respondi, apenas liguei para minha eomma, e ele ficou esperando.

— Posso ficar pra assistir a um jogo de basquete?

Quando fiz a pergunta, ele olhou para mim, surpreso. Pouco depois, eu desliguei o telefone, e disse.

— Eu vou ficar.

Ele sorriu, divertido.

— Não achei que fosse querer.

Mais tarde, ele estava lá jogando, e eu assistindo. A escola era pequena e a quadra também, mas parecia até jogo de time da capital. Toda vez que ele fazia uma cesta, a torcida toda cantava “A to the G to the U to the STD”. Obviamente, o time dele ganhou. Houve comemoração, e depois disso, finalmente fomos para casa quando o sol começava a se pôr.

Depois de mais alguns dias, comecei a reparar que as pessoas que costumavam olhar para Agust D de repente estavam olhando também para mim, quase da mesma forma. Eu andava pelos corredores e ouvia cochichos, mas não era tão bobinha como eu parecia. Estava óbvio para mim que estavam começando a pensar coisas que não existiam. Certa ida para casa decidi comentar com Agust, de maneira sutil. E ele me disse.

— Isso é bobagem. Não o fato de estarem espalhando mentiras, porque isso é o que fazem o tempo todo. O nome disso é boato, e ele sempre existe em escolas pequenas como a nossa. Então, é bobagem dar atenção a isso. Deixe eles falarem e pensarem o que quiserem, Minji, a verdade pertence a nós.

Não toquei mais no assunto, e fiz como Agust havia me aconselhado. Ignorei completamente os cochichos e as mentiras escondidas neles, ignorei os olhares. E tudo ficou bem pra mim.

Na realidade, foram poucas as vezes em que precisei da ajuda de Agust. Às vezes, quando notava que tinha esquecido de repor meu estoque de açúcar, ia até ele e ele me dava um saquinho de açúcar. Ele sempre tinha um guardado para emergências, desde o primeiro dia. Já tinha se passado quase um ano quando aconteceu o caso mais grave em que a presença de Agust foi essencial.

Eu fui bem para a escola, mas comecei a me sentir tonta ainda na primeira aula. Já era uma época em que eu estava habituada a recorrer a ele, e pela primeira vez eu sentia que era necessário. Eu fui até a sala, e ele me viu pelo vidro. Saiu sem ligar para qualquer outra coisa, trazendo o saquinho de açúcar, e imediatamente me fez sentar no banco do corredor. Eu tinha dificuldade em respirar e minha visão estava ligeiramente turva, mas consegui acompanhar enquanto Agust abria o saquinho e me dava açúcar. Quando senti o gosto na boca, melhorei 90%.

— Você precisa ir pra casa.

— Não dá. Meus pais foram em Busan resolver um problema, só devem voltar na hora da saída.

Senti que ele hesitou por um momento, e depois disse.

— Então fica com o açúcar, para o caso de piorar de novo. E quero que fique na minha mesa no intervalo.

— Na sua mesa? — Perguntei, hesitante. Não achava que Agust me ofereceria tal coisa. Andar com uma garota já era um pouco demais para alguém que tinha uma reputação a zelar.

— Mas é claro! Você vê algum problema nisso?

— Eu não — disse, rindo. Ele sorriu de canto.

— Então te vejo no intervalo, Minji.

Na hora do intervalo, eu já estava mais ou menos. Assim que eu peguei a bandeja, olhei pra ele, e ele estava olhando pra mim. Me chamou imediatamente. Senti-me desconfortável, mas sabia que minha saúde não estava boa o suficiente para recusar Agust. Quando cheguei à mesa, ele me apresentou ao time de basquete como sua irmã mais nova. Os meninos me receberam respeitosamente e me deram as boas vindas. Quando Agust terminou o lanche, um dos jogadores pediu a ele que fizesse o show. Agust, como sempre fazia, empurrou a bandeja para o lado, sentou-se na mesa e começou seu rap. Eu estava ouvindo aquela voz doce enquanto ia lentamente perdendo a consciência.

Acordei novamente com o gosto do açúcar. Eu estava deitada no colo de Agust, que tinha me dado um pouco mais de açúcar. Percebi logo que os meninos do basquete observavam atentamente. O refeitório estava em silêncio.

— Melhor? — Perguntou ele, e eu fiz que sim. — Nós vamos pra casa agora.

Eu me sentei devagar.

— Agust... Murmurei. — Meus pais não...

— Eu sei. Mas não dá pra ficar aqui. Nós vamos embora.

— Pra onde?

— Pra casa.

Aquela foi a primeira e única vez em que eu estive na casa de Agust D. Ele me levou nas costas pelo caminho todo. Eu adormeci em alguns trechos, e em outros estava apenas sonolenta. Quando chegamos à casa, ele abriu a porta com dificuldade. O interior da casa era bonito e vazio, e havia um piano marrom tomando espaço em um canto. De repente, surgiu um som e um movimento. Era um pequeno filhote de cachorro, de pelo marrom, que se aproximou agitadamente e tentou subir em Agust. Ele sorriu ternamente.

— Annyeong, Min Holly. Essa é a Minji.

Agust andou em direção à escada e começou a subir muito devagar.

— Me deixa descer.

— Eu consigo.

— Eu não sou tão leve quanto pareço, Agust. Já me trouxe o caminho todo, não precisa fazer isso.

— Eu disse que eu consigo — insistiu ele, já indo para o próximo degrau. Eu percebi que ele estava se esforçando demasiadamente.

— Como você é teimoso... — Resmunguei, mas ele não pareceu dar ouvidos.

Depois de algum tempo de escalada, ele chegou lá. Me deitou na cama dele, tirou meus sapatos, ajeitou uns travesseiros e me cobriu.

— Durma — pediu ele, sentando-se na escrivaninha. — Te acordarei quando seus pais chegarem.

— E você vai fazer o quê? — Perguntei, já adormecendo.

— Vou compor.

Mais tarde, Agust me acordou com delicadeza e disse que meus pais tinham vindo. Novamente, ele me pegou no colo e me levou escada abaixo. A casa continuava estranhamente vazia e parada, exceto pelo animado Min Holly. Me perguntei como era a relação de Agust com a família, mas aquela estadia me deixara com a certeza de que nunca deveria fazer tal pergunta a ele. Eu abri a porta para Agust e ele me levou até meu appa, que me colocou dentro do carro. Meu appa fechou a porta enquanto Agust ia buscar minha mochila e meus sapatos. Ouvi pelo vidro o som abafado da conversa sobre mim. Finalmente, meus pais entraram no carro e eu fui embora, vendo Agust passar.

Meus pais me levaram para o hospital, como eu presumia. Eu estava em uma situação incomum que acontecia a cada alguns anos: um agravamento na hipoglicemia, no qual a minha dose diária de açúcar, mesmo que fosse alta, não era suficiente para mim. Se fosse demasiadamente aumentada, deveria me fazer mal. Então, geralmente, eu ficava no hospital durante alguns dias recebendo um remédio especial direto na veia, até o quadro se estabilizar novamente. Minha eomma disse que contou a Agust sobre eu ir para o hospital, mas não disse qual era o hospital, porque sabia que ele não iria querer sair de perto de mim. Mas o tranquilizaram, dizendo que seria por pouco tempo.

Eu dormi em pequenos trechos durante o dia, mas o remédio já conseguia me manter mais acordada que o açúcar. No fim do dia, meu appa ficou para a sala de espera, já que só um acompanhante era permitido. Minha eomma ficou comigo. Pela manhã, ele voltou para o quarto. Eu não consegui evitar: fiquei pensando em como Agust deveria estar sem ter uma Minji pra tomar conta.

[...]