Bubbly

ToothBrush


Sábado, às dezenove horas da noite, lá estava Keith, encarando a porta do vizinho, a qual era semelhante a todas do prédio. Sim, havia aceitado o convite. O que ele poderia fazer? Não se recusa uma chance de ver documentários, principalmente quando não sabia fazer mais nada na internet além de pesquisar pelo ‘’youtube’’.

Pidge havia dito uma vez sobre ‘’torrent’’, ensinou-lhe instruções sobre como fazer, o resultado foi o dono da ‘’lan-house’’ furiosíssimo porque ele fizera a proeza de encher o computador que usara de ‘’malwares’’. Ele era uma negação com tecnologia. Não era sua culpa que tudo era complicado, deviam ser fáceis de utilizar da mesma maneira que consertava motocicletas.

Ele finalmente bateu na porta, que logo foi destrancada. Lance apareceu com os olhos arregalados e a boca aberta, como se duvidasse da presença a sua frente.

— Ah! Achei que não iria vir.

— Eu disse que viria.

— Bem, pode entrar. — Lance afastou-se para Keith entrar.

O apartamento continuava o mesmo. Organizado, com os mesmos copos e as mesmas fotos de pessoas sorridentes. Lembrava a Lance. Keith se sentiu confortável pensando nisso.

Ele se acomodou no sofá e não muito depois, Lance apareceu com as pipocas, era indispensável, Keith lembrou-se disso. Contudo, a comida estava coberta com algo vermelho, ketchup talvez? Lance pegou o controle e entregou para amigo, que encarava a pipoca com confusão.

— O que é essa coisa vermelha? — Keith perguntou.

— Coma. — Lance virou-se para ele com o aquele sorriso malicioso que há pouco tempo Keith achara difícil de desviar os olhos.

Ele, desconfiado, levantou uma sobrancelha e encarou Lance.

— Não é pegadinha, vamos, prove! — Lance Insistiu. Lançou um olhar intenso para Lance antes pegar e colocar um pouco na boca. As pipocas ficaram um pouco macias por causa do molho. Era salgado, normal, até que a língua de Keith começou a esquentar e a formigar.

— Lance! Isso é picante! — Keith arregalou os olhos e abanou a boca com as mãos.

— É bom, não é?! — Lance colocou um punhado na boca. Ele mal terminou a frase e Keith já tossia com força.

— Cla... — Preparou-se para soltar um comentário sarcástico, mas não conseguiu completar devido às tosses.

— Keith, você está bem? — Lance segurou o ombro mais próximo e deu tapinhas nas costas do outro. — Acho que vou pegar um copo de leite.

Lance correu para a cozinha e voltou com um copo cheio. Keith bebeu rapidamente o líquido e se acalmou.

— Agora estou com um gosto horrível na boca. — Fez uma careta. — Acho que vou escovar os dentes.

— Tem uma escova que não usei no armarinho do banheiro.

— Não precisa, somos vizinhos. — Enquanto respondia, enfiou as mãos na calça de moletom preta, procurando as chaves. — Onde estão as minhas chaves?

— Sei não. — Lance respondeu de boca cheia. — Vou ver aqui.

Keith adentrou a cozinha para ver se por algum acaso, as chaves haviam caído lá. E mais uma vez, viu as fotografias de pessoas sorridentes decorarem o cômodo. Admirou-as por alguns segundos. Era reconfortante ver famílias como a de Lance, sempre presentes e agindo como uma família normal. Já ele, nunca saberia como era fazer parte disso. Lógico, existia Shiro, e estava profundamente grato de tê-lo em sua vida, porém, infelizmente, não era o mesmo.

Após seus pais adotivos falecerem, apenas havia seu irmão adotivo. Keith gostava dos novos pais, no entanto, o que ele sentia por eles era mais gratidão. Quem sofreu mesmo foi Shiro, pois era o filho biológico deles.

As próximas semanas foram terríveis. Todos os dias esperava que o sorriso falso de Shiro finalmente sumisse. Keith não podia fingir para sempre que não ouvia os soluços vindo do quarto do irmão. Na terceira vez que isso se repetiu, ele percebeu que a situação não poderia continuar daquele jeito. Então, ele foi ao quarto de Shiro e se deparou com o parente em prantos no chão. Keith sabia que palavras ajudariam, portanto apenas o abraçou até ele adormecesse.

— Keith! Não encontrei! — Lance gritou e desvencilhou Keith de seus pensamentos.

— Ah, sim. — Suspirou. — Então, acho que vou ter que usar sua escova, espero não pegar bactérias.

— Ei! Eu nunca tive uma cárie! Além disso, nem tirei a escova do plástico. — Protestou. Keith somente riu em resposta e depois se dirigiu ao banheiro.

O quarto de banho era pequeno e simples, mas muito bem limpo e organizado. No lugar em que se situava o box, havia uma parede de azulejos azuis pastilhados, a qual se contrastava com o branco do local.

Keith entrou e examinou o espelho, descobrindo que também era um armário, o qual continha inúmeros produtos, devidamente enfileirados. Presumiu que alguns eram produtos de cabelos e outros de rosto, os quais aparentavam custar caro ao julgar pelas embalagens metalizadas.

Quando encontrou a escova, preparou-se para tirar o gosto de leite e um pouco da pimenta em sua boca.

— Você tem produtos caros. — Disse Keith enquanto voltava para a sala.

— É preciso esforço para manter este rosto lisinho. — Lance sorriu e passou as mãos no rosto. Keith apenas ficou em silêncio, tentando imaginar o qual macia a face do amigo seria. — Então, o que vamos ver?

Keith apenas sorriu em resposta.

***

A manhã estava linda. O azul predominava o céu sem nuvens, os passarinhos cantavam e as flores floresciam nas mais variadas cores. Entretanto, o Café Altea não fervia de animação como o habitual. Lance não estava flertando com qualquer ser binário, nem Keith ficou irritado sem nenhuma razão aparente. O motivo óbvio para a cena inabitual seria a ausência dos dois rapazes.

— Pidge? Cadê Lance e Keith? — Hunk perguntou preocupado, pronto para roer as unhas.

— Vai saber, de uns tempos para cá eles tão andando muito juntos.

— Mas se algo aconteceu?! E se eles foram sequestrados?!

— Keith chutaria o agressor e todos fugiriam.

— E Lance?!

— É, isso é difícil, ele confia em todo mundo, mas Keith pode estar com ele.

— Pidge!!

— Tudo bem, Hunk! Vamos ao prédio deles, tenho certeza que estão bem.

E assim fizeram. Bateram na porta de Keith, sem sucesso, ninguém estava presente. O nervosismo de Hunk aumentou. Tentaram na de Lance, a qual foi aberta pelo mesmo.

— Oi, pessoal! — Cumprimentou sorrindo, os fios castanhos de sua cabeça apontavam várias direções.

— Lance! Você está vivo! — Hunk deu um abraço de urso no amigo.

— Viu, só, eu tinha razão. — Pidge se pronunciou. — Bom, porque vocês não apareceram hoje.

— Keith perdeu as chaves! Aquele mullet vive perdendo-as! — Exclamou. — Estamos procurando há dez minutos!

— Bom, estamos aqui, vamos ajudar. — Hunk se ofereceu.

— Valeu, caras, entrem.

Os dois entraram e notaram Keith sentado no sofá, esfregando o cabelo.

— Não está em lugar nenhum. — Keith reclamou.

— Então, vocês fazem isso? — Hunk indagou.

— Isso o que? — Lance falou.

— Juntos... — Esfregou os dedos indicadores

— Hunk! Não é desse jeito! Keith explica para ele!

— Explicar o que? Do que estão falando?

— Deixe para lá. — Lance bateu na testa.

— Gente, estas são as chaves? — Pidge perguntou enquanto segurava um molho.

— Pidge! Meu anjo, minha salvação! — Lance gritou.

— Finalmente! — Keith se sentiu aliviado. — Onde achou?

— Perto do sofá. — A expressão de Pidge se resumia em incredulidade. — Bom, estamos esperando vocês, vão tomar um banho. Vamos Hunk.

Eles desapareceram deixando os amigos sozinhos e confusos com a pressa dos amigos.

***

Como surgiu o universo? O que é a vida? Por que estamos aqui? Alienígenas existem? Michael Jackson está mesmo vivo e aproveitando as longínquas férias em Seychelles? Dúvidas sem sentido rondavam a mente de Keith no tédio da segunda-feira à noite.

Geralmente, dormiria como um bebê no seu querido sofá, porém, de repente tudo apareceu tão... quieto. Mesmo com a televisão ligada a sensação de quietude permaneceu na atmosfera. Nada mudou, porque ele estranhava o habitual? Desde quando se sentiu tão sozinho?

Fitou o teto por minutos, como esperasse que alguma coisa caísse, qualquer coisa diferente. Mas não aconteceu nada. Então, Keith levantou-se de súbito e saiu do apartamento. E lá estava ele novamente encarando a porta familiar. A porta de Lance.

Tocou-a levemente, com receio de acordar o vizinho. Não demorou muito para que ela se abrisse e a figura de Lance aparecesse na entrada.

— Keith?! — Lance usava um conjunto de pijamas azuis simples.

— Ah, oi! É... — Keith se amaldiçoou. Onde que ele estava com a cabeça? Mais uma vez sua atitude impulsiva tomara o controle. Não fazia ideia do dizer para o amigo. Poderia simplesmente falar: ‘’Eu estava passeando e lembrei que você morava por aqui! Vim te visitar!’’. A desculpa talvez serviria caso não fossem vizinhos. — Hum... Posso usar sua televisão?

Bingo! Ótimo, Keith. Ele sabia escolher as melhores desculpas, poderia ganhar um prêmio.

— Cara, você me surpreendeu. — Lance sorriu e esfregou o pescoço. — Estou vendo um filme, é meio bobo, se quiser ver...

— Tudo bem, estou um pouco entediado.

Lance se afastou e deixou o caminho livre. As luzes estavam todas apagadas e restava apenas o brilho da televisão de plasma. Keith lentamente se acomodou no sofá e esperou que o amigo fizesse o mesmo.

— O que está assistindo?

— ‘’10 coisas que odeio em você’’.

— Já ouvi falar. — Keith pensou por um momento e seus lábios se curvaram numa fina linha. — Combina com você.

— Por que está sorrindo? Tem algo de engraçado nisso? — Lance franziu o cenho.

— Não! Eu nunca faria isso! — Keith olhou para os lados, nervoso.

Lance congelou por momento, deixando o amigo desconfortável pelo silêncio repentino. É provável que demorara uns cinco segundos, até menos, porém aparentavam serem muito mais, por causa da estranheza da situação. Keith abriu a boca, todavia, Lance falou primeiro.

— É verdade, você não faria. — Lance curvou os lábios, mostrando a brancura dos dentes. Era normal que ele sorrisse, Lance sorria o tempo todo, contudo, dessa vez parecia diferente. Sua postura estava relaxada, assim como a expressão e ele observava Keith gentilmente.

— Bom! — Lance enunciou, saindo do transe. — Vou dar play, logo vai acontecer aquela cena do Patrick. Ela é icônica e romântica, impossível de se esquecer!

Prosseguiram com o filme. Lance parecia mais animado do que nunca. Ele roía as unhas de seus dedos finos nas cenas de tensão, gritava quando um momento fofo acontecia e também apenas sorria silenciosamente. Keith não fazia ideia do que acontecia na longa-metragem, ele estava muito ocupado em capturar as expressões entusiasmadas de Lance.