Seguimos a cavalo para um outro espaço, perto da região montanhosa, Erik me informa que a entrada da mina mais importante fica por ali, embora hajam outras espalhadas pelo reino.

— Eles devem estar aqui, os conselheiros me disseram que esse local era o primeiro a ser recuperado de todas as minas - digo

— Espero que nos recebam melhor dessa vez.

— Creio que agora que receberam o peso deles em ouro estarão bem mais dispostos - foi uma das primeiras promessas que cumpri assim que retornei ao palácio, mesmo antes da coroação. Meu pai, o rei Magnus, me ensinou que uma rainha deve ter a palavra tão confiável quanto a firmeza de uma rocha.

Descemos dos cavalos e damos alguns passos até uma espécie de pequena porta redonda fincada no chão, bem perto dela há uma pequena sinaleta ativava pelo puxar de uma corda. Ouço o barulho do pequeno instrumento e outro mais volta reberverando de baixo da terra, na verdade, sinto mais as vibrações dele do que o próprio som. Aguardamos alguns instantes até que sentimos as oscilações do que devem ser passos e, quando a portinha é aberta, alguns remunsgos são escutados e eu rio de leve.

— Será que não sabem que estamos em horário de serviço? É bom que seja muito importante ou senão... - Beith, o líder dos anões, não completa a frase, ele para boquiaberto - Ah! Minha rainha, me perdoe, eu não sabia que era Vossa Majestade, se eu soubesse, é claro que não diria essas besteiras - ele revira os olhos

— Pode ficar tranquilo, não vou pedir sua cabeça ou algo assim, fique calmo. Eu vim ver vocês, todos, então, por favor, chame os outros.

— Claro - ele retorna para o buraco e, após alguns minutos, sete pessoas saem da entrada da mina.

— Minha rainha - Quert fala com alegria e emoção nos olhos e segura minhas mãos - A que devo a tamanha honra de receber a rainha em meu local de trabalho?

— Quero saber como estão meus leais companheiros e, também, saber como anda a reconstrução das minas, é claro que meus governadores podem me relatar, mas não é o olhar de mineiros, não é mesmo?

— Está indo bem, mas podia ser melhor - afirma Nion, que logo recebe um tapa na parte de trás da cabeça de um de seus amigos - Por acaso agora honestidade é crime? - ele pergunta ofendido

— Não, mas é falta de educação - Gort o repreende

— Pode falar, Nion. O que está faltando para vocês?

— A iluminação das minas poderia ser um pouco melhor e os construtores bem que podiam ser mais rápidos

— Acredito que estão fazendo o trabalho de maneira mais rápida, considerando a segurança de vocês, não entendo tão bem de obras subterrâneas, mas creio que a pressa pode significar acidentes que colocariam suas vidas em risco. Já quanto à iluminação, eu posso pedir a eles que melhorem esse quesito.

— Já ficaríamos muito satisfeitos com isso, rainha - Muir, o filho de Quert diz.

— E a casa de vocês?

— Os funcionários que a Vossa Majestade mandou estão fazendo um excelente trabalho – Gort me informa

— Porém, enquanto ela não está pronta, aonde dormem?

— Com o ouro que nos deu, estamos pagando por uma boa hospedagem numa vila perto da floresta - Beith fala com um sorriso no rosto - Acho que nunca dormimos em camas tão confortáveis e nunca fomos tão bem servidos, o ouro tem nos auxiliado muito bem.

— Fico feliz com isso. Não considerem isso uma ordem, é só uma conselho: Não gastem tudo o que receberam, eu sei que é difícil imaginar acabar com a fortuna de vocês, mas sabemos que há pessoas que tentaram sugar tudo isso de vocês.

— Ouviu, né, Nion? Pare de acabar com os barris da taverna de Otlen! Ok?

— Como se eu fosse o único a beber lá!

— Pode não ser o único, mas é o que mais consome. - Beith acrescenta

— Será que hoje tiraram o dia para me pertubarem?

— Só hoje não, na verdade, esse é o nosso hobby favorito - Coll brinca - Você ainda não percebeu?

— Acho melhor aproveitarmos essa pausa e irmos comer alguma coisa, já que o estômago roncando do Coll está fazendo eco lá embaixo

— Apesar da brincadeira sem graça, o ideia é excelente - Coll assegura e os anões vão se despedindo de mim e conversam um pouco com Erik e, logo depois, adentram um local que me é desconhecido na floresta.

— Espere, meu filho – Quert pede e Muir o obedece – O que houve, minha rainha, embora em seu rosto haja um sorriso, eu vejo tristeza em seu olhar?

— Quert, desculpe-me se estou sendo indelicada, mas você está enxergando alguma coisa? - questiono-lhe

— Sim, minha rainha, estou recuperando minha visão aos poucos, cada vez mais a cada dia

— Fico tão feliz por isso! - um grande e verdadeiro sorriso se forma em mim – Se houver qualquer coisa que eu possa fazer, um médico para contratar, não hesite em me comunicar – pego em suas mãos

— Muito obrigado, mas já tenho tudo o que preciso: um bom trabalho, meu filho e meus amigos. Mas não fuja da minha pergunta: Qual é a razão para seus olhos tristes? - a melancolia retorna ao meu ser

— Já quis tanto que algo fosse verdade que acabou se enganando?

— Acordei tantas vezes pela manhã pensando que ia encontrar Isabelle, a minha esposa, ao meu lado, porém isso nunca aconteceu – um sorriso triste ilumina fracamente seu semblante e meus olhos encontram o sentimento que tenho dentro de mim nos dele. Eu sinto o conforto e o consolo de velhos amigos machucados pelo mesmo mal

— Pai, temos que ir, senão os outros acabarão com tudo – Muir diz

— Tudo bem. Temos que ir, majestade, mas fiquei honrado com a sua visita. Volte sempre que quiser. - ele fala e vai embora.

— Até que foi um bom encontro, não tive meu nariz quebrado, não recebi nenhum soco – o caçador comenta depois que todos foram embora

Percebo que o sol está perto de se por e decido que é melhor voltarmos para o castelo antes que escureça e o caminho se torne difícil de se seguir. Ao ver os portões dos castelos abrindo-se, sinto um pesar no coração de retornar para casa sem conseguir alcançar o propósito da minha saída; respiro fundo e tento me acalmar, levando meus pensamentos para assuntos que me absorvam. Deixamos os cavalos na estribaria e vou direto para a varanda da qual posso observar as ondas no seu movimentar contínuo e sereno no mesmo momento em que ouço o leve som das portas da sala de descanso, na qual estou, sendo desatadas.

— Minha rainha – uma criada sussurra

— Pode deixar que eu mesmo me apresento - reconheço de pronto a voz do caçador. Sinto que ele adentra o local e a serva nos deixa a sós – Branca, posso ficar aqui com você?

— Claro – respondo não tirando os olhos do mar que permanece insistente e teimosamente atirando-se contra a costa.

— Branca – ele me chama, mas não ouso encará-lo e arriscar que toda a enxurrada de emoções me atinja novamente – Branca – agora Erik se coloca à minha frente, bloqueando minha visão da paisagem – Eu não consigo expressar o quanto eu sinto muito; eu, realmente, queria que você estivesse feliz agora, mas, infelizmente, não é assim. Porém, eu não quero que se deixe abater – ele olha diretamente em meus olhos – Ficar triste é normal, mas eu sinto que está caminhando para a beira de um abismo de uma tristeza mais profunda, eu sei porque já passei por isso e não quero ver você no mesmo buraco de lama em que eu me enfiei. Só me g que não vai ser sugada por essa infelicidade que está dentro de você, por favor, Branca. - encaro-o e lhe dou um sorriso fraco e triste

— Não posso, simplesmente, ignorar tudo o que estou sentindo, não dá para fingir que está tudo bem, rainhas também sofrem e choram, acho que as pessoas pensam que somos tão poderosos que acabamos perdendo o direito de mostrarmos sentimentos que poderiam ser considerados fraqueza por alguém. Mas eu sinto e dói, dói muito – um pequeno bolo se forma em minha garganta – Contudo, isso não vai ser maior do que eu, pode ficar tranquilo, eu só preciso de um tempo para me recuperar, eu só quero ficar sozinha por um pouco. Você me entende?

— Claro – o caçador afirma e deixa o cômodo.

Peço um jantar leve, com uma sopa fria, uma taça de limonada e uma fatia de torta de amora; quando Georgia aparece para buscar as louças, percebo certa preocupação saltante em seu olhar, embora tentasse ocultá-lo.

— O que houve, Georgia? - adoço meu tom de voz para que ela se sinta confortável em dividir comigo o que lhe angustia

— A senhorita Ellie passou mal enquanto Vossa Majestade estava ausente, ela desmaiou enquanto trabalhava na cozinha.

— O médico do palácio já foi vê-la?

— Sim, nós o chamamos assim que ela passou mal, ela foi levada para seu quarto, ele passou um preparado de ervas, mas a menina não para de arder em febre, está difícil de ela tomar qualquer coisa.

— Tem alguma ideia do que seja?

— Não, o médico acha que talvez seja uma doença que ela já tinha quando veio para cá.

— Pode ser contagioso? - uma epidemia dentro do palácio seria um desastre

— Não parece ser, mas de qualquer forma, as medidas necessárias já foram tomadas pelo doutor Heugh.

— Podem comprar tudo o que for preciso para fazerem os medicamento indicados por Gustav Heugh e me informe se houver qualquer mudança no quadro de Ellie.

— Sim, majestade

Vou para cama descansar de um dia difícil e, quando alcanço a inconsciência, tenho um refrigério sem sonhos da exaustão. Acordo sem os raios da manhã me atingindo, pois estão barrados pelas pesadas cortinas que Georgia fechou para me dar algumas horas a mais de sono, levanto-me e abro as cortinas para poder observar a paisagem lá fora. Ao contrário de ontem, o céu encontra-se nublado e o mar está em ressaca, parece que ocorreu uma drástica mudança de tempo em quanto eu dormia; então, já sei que hoje será uma dia dominado por uma chuva fina e constante. Escolho um vestido azul acinzentado de mangas compridas (https://www.google.com/search?q=vesstido+rainha+manga+comprida&tbm=isch&tbs=rimg:CSiF7mzpQKllIjiCCSLNr92qHRxY1xUszzjzUh4OH0bS4i5lESV9joSLbfCsXDvR_1Vi7W-mUKDcdHZ5MRBxiDWnZRyoSCYIJIs2v3aodEQQOBgSTwnwfKhIJHFjXFSzPOPMRK-3Ue3afH6EqEglSHg4fRtLiLhEKcBKi4OVbIioSCWURJX2OhIttERNjMISRh32-KhIJ8KxcO9H9WLsRoJrTzU1DqJ4qEglb6ZQoNx0dnhFLQeFU6jgVASoSCUxEHGINadlHEf8yIY5zG7i8&tbo=u&sa=X&ved=2ahUKEwizxL2w5-bgAhUJKLkGHaX_An4Q9C96BAgBEBg&biw=1309&bih=714&dpr=1.1#imgrc=KIXubOlAqWWHzM:) e peço a duas criadas para me ajudarem, uma delas com a roupa e a outra com o penteado de uma coroa trançada (https://www.google.com/search?q=penteado+coroa+tran%C3%A7ada&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=0ahUKEwie_6fe8ObgAhVWLLkGHQ9TASwQ_AUIDigB&biw=1309&bih=714#imgrc=u1zBV7Y31EYZeM:) .

Agradeço-lhes o auxílio e sigo para a sala de jantar, ela está vazia quando chego e questiono isso a um dos guardas presentes.

— Minha rainha, todos já tomaram o desjejum no horário habitual

— Acho que fui eu quem me atrasei

— O senhor Devenger me pediu para que lhe avisasse que se quiser encontrá-lo ele iria passear a cavalo e, depois, estaria no estábulo.

— E William?

— Pelo que soube, ele foi à Vila Real - um medo profundo me atinge e a cena da embriaguez do meu amigo retornan aos meus olhos

— E como ele estava quando saiu?

— Ele parecia bem, minha rainha

— Ele disse o propósito de sua saída?

— O duque falou algo sobre conseguir um novo arco e flechas, além de comprar algumas ervas que o doutor pediu para o tratamento da senhorita Gandelf - o soldado refere-se a Ellie pelo seu sobrenome

— Claro - o alívio preenche meu ser

— E o duque Hammond?

— Está no gabinete da ala leste, verificando alguns documentos

— Ótimo, é só isso, pode se retirar

— Como quiser, majestade

Termino minha refeição e me encaminho ao encontro de Hammond, ele parece ser o único que pode me entender no momento que estou vivendo; atravesso, então, os corredores sem qualquer problema e, quando chego à porta do gabinete, os guardas que ali estão logo me cumprimentam e se oferecem para anunciar a minha entrada ao meu conselheiro.

— Obrigada, mas não é preciso – afirmo, enquanto eles abrem a porta para mim

— Minha rainha – o nobre, outrora sentado e imerso em papeis, rapidamente levanta-se e faz uma reverência – Eu não tinha ideia de que vinha

— Nem eu até alguns instantes atrás, então, não se preocupe

— E o que deseja? No que posso serví-la?

— Eu...bem... - tento encontrar as palavras adequadas para expressar o que sinto

— Pode falar, majestade

— Hammond, sinto que é o único que pode me compreender, você sabe o que é liderar e o grande peso que isso significa, você manteve a resistência viva enquanto eu estava aprisionada nas masmorras

— Eu diria mais que eu ajudei a nos mantermos vivos, mas não exatamente uma resistência, só queríamos ficar longe daquela bruxa, eu nem ao menos sabia que estava viva.

— Mas, mesmo assim, você ficou responsável pela vida de todas aquelas pessoas e tentou matê-las seguras, então, sabe como é esta responsabilidade

— Sim, eu sei, não é a mesma coisa que Vossa Majestade, mas, em tese, é uma experiência parecida

— Como você faz para se manter firme mesmo quando sente que quer desmoronar? Quando os outros esperam tudo de você e a única coisa que queremos é termos uma folga? - digo, rasgando meu coração, desabafando o dilema que sinto em meu peito; o duque respira fundo antes de me dar uma resposta

— Não é facil, não é nada fácil, líderes também são de carne e osso e também sentem, embora, algumas vezes, os liderados possam se esquecer disso – ele dá um sorriso triste e seu olhar parece distante – Você já sabe disso, já conhece a história que vou contar, mas nunca a ouviu por meus lábios, o único foi William logicamente. A mãe dele morreu no parto, o sangramento não parou como deveria acontecer, ela morreu sorrindo, mesmo sabendo o que estava acontecendo, ela sorriu, estava radiante de ver o nosso bebê – seus olhos ficam marejados, porém ele insiste em falar – Foi como se ela simplesmente fosse dormir. Meu coração se partiu naquele dia, contudo, ao mesmo tempo eu fiquei feliz, lá estava meu menino, tão pequeno e vulnerável, precisando de mim, o pedaçinho que Adela deixou para mim. Naquele momento eu tive que fazer uma escolha, eu podia me deixar levar pela dor ou eu, apesar de todo o sofrimento, me doar àquela pequeno ser que precisava de mim. - eu me encara diretamente – Foi uma decisão difícil, horrível, mas eu não podia me ausentar de minhas responsabilidades como pai e digo que, apesar da aflição, isso me trouxe grandes alegrias por estar presente na vida do meu filho.

Também já tive outros momentos cruciais, quando se é um general, braço direito do rei, há muitas coisas importantes para se optar, quais estratégias seguir, se recuamos ou não, é claro que seu pai tinha a palavra final, mas quando a ação precisava ser urgente, ele havia me dado autorização para agir como me parecesse adequando, mas sempre respondendo a ele depois. Criar estratégias significa lidar com vidas e sentir o peso disso recair sobre seus ombros, mas o meu trabalho não era a pior coisa do mundo – o duque dá um leve sorriso – Do jeito que estou falando, parece que era o pior. - arrisco um sorriso tímido também.

Só quero que saiba que não está sozinha, sempre poderá contar comigo, com William, com o caçador e com seus amigos anões, pelo que sei

— Eles são bons amigos. Fico feliz e aliviada de poder contar com pessoas tão valiosas, quando paro, sento e converso, quando recebo uma boa palavra, seja de carinho, aprovação ou aconselhamento, os momentos ruins tornam-se mais leves.

— Claro, vejo em Vossa Majestade a disposição de fazer o certo, só não se concentre no que não é tão bom, caso contrário, achará que eles são maioria, o que não é verdade, os momentos felizes são maiores e mais poderosos, pode acreditar.

— Eu entendo, foi realmente bom ouvir isso, acho que já estava levando isso mais adiante do que deveria.

— Todo mundo precisa de umas pausas de vez em quando e de conselhos também, até mesmo rainhas – ele sorri para mim e segura minha mão, olhando em meu olhos com uma ternura paternal

— Sim, com certeza. Obrigada pelo seu conselho. Você se importaria em me ajudar a encontrar os documentos necessários para devolver as terras para o conde de Lince?

— Claro, seria um prazer, o jovem Vince, apesar de sua fama quanto a mulheres, tem demonstrado bastante sensatez e fidelidade como súdito, já tive a oportunidade de conversar com ele e é uma pessoa muito agradável e bastante engraçado – o duque deixa escapar uma leve risada enquanto se lembra de algo que o conde lhe contou

— Tem alguma ideia de onde possa estar?

— Acho que devemos ter a cópia do título de propriedade e algum mapa da região que delimita as terras do pai de Vince neste gabinete ou no segundo gabineste desta ala do palácio, o perto dos quartos de hóspedes.

— Devo chamar alguns empregados para procurarem?

— A príncipio não, tenho a impressão de saber onde eles devem estar, deixe-me tentar encontrá-los primeiro, caso não obtenha sucesso, aí, então, receberemos auxílio externo. - Hammond vai para o último armário na parte esquerda da sala, perto da janela que dá visão para o pátio interno e começa uma busca minuciosa; após alguns minutos, decidimos, então, pedir que alguns criados se encarreguem da tarefa. Eles trabalham bem e, em algum tempo, temos tudo em mãos e começamos a debater a redação que devolva as terras a Vince, já providenciando uma cópia para ficar guardada nos arquivos reais.

Acabamos de formalizar a escritura com o selo real e armazenamos a nossa versão e, quando ia solicitar para que intimassem o conde, um servo adentra a sala sem ser convidado, com o rosto vermelho pela corrida que parece fizera há pouco, fazendo uma reverência apressada.

— Minha rainha, há uma emergência!

— Alguma coisa com Ellie, minha criada pessoal?

— Não, é uma perseguição a crimonosos perto no Vale Pantanoso, na região Sudeste do reino.

— Isso é ao lado das terras de Vince! - exclamo

— Sim, um dos moradores de lá veio desesperado, precisam da ajuda de soldados reais.

— Mande-o entrar – ordeno

— Claro, majestade – um homem com roupas marrons de couro, careca, olhos castanhos escuros e uma barba marrom entra. Seu semblante parece-me, a princípio, rígido e imagino que assim seja pela seriedade do assunto a ser tratado.

— Majestade – o camponês faz uma reverência – Eu me chamo Klaus, sou morador de uma das vilas do Pântano. - ele respira fundo antes de continuar – Há alguns meses, algumas de nossas crianças começaram a sumir, no começo não percebemos a extensão da situação até que as histórias das outras localidades começaram a se espalhar. Foi então que decidimos nos reunir, juntamos homens e começamos a vasculhar o Pântano, passamos dias e noites, mas nada, era como se elas simplesmente tivessem desaparecido no ar enevoado.

Nos pensamos que tivesse sido um crime de Ravenna, nós sabíamos que ela sugava a juventude das mulheres consideradas bonitas para se manter jovem e, por isso, pensamos que a bruxa havia começado a fazer o mesmo com as nossas crianças. Com isso, aceitamos o luto, cavamos sepulturas para ficarem vazias e cravamos lápides para chorarmos sobre. Contudo, quando Ravenna morreu, pensamos que esse mal cessaria, mas não, ele continuou com mais uma criança sumida – ele para e olha para o chão. Quando ergue de novo sua cabeça, seus olhos estão mergulhados em lágrimas represadas e sua voz sai como se se espremesse por uma passagem muito estreita – A minha sobrinha, uma garotnha de 8 anos, ela tinha ido buscar o lençol de sua mãe que estava estendido no varal e o vento tinha levado. Eu reuni todos os homens que podia e passei dias na floresta, alguns desistiram depois de um tempo, mas como minha família é grande, conseguimos manter um bom pelotão de busca apesar da desistência de alguns de nossos vizinhos.

Estávamos todos cansados e eu quase dava por encerrada nossa tentativa, quando avistei uma menina, na hora cheguei a pensar que estava tendo uma alucinação, que minha mente estava me pregando uma peça. Mas, então, meu primo também a viu, fomos atrás dela, a resgatamos e a levamos para nossa vila para procuramos por seus pais, eles nos disseram que seu nome é Olívia. Ela estava suja, magra, parecia abatida, com um olhar perdido, vago como se pudesse enxergar algo que não conseguíamos; por mais que tentássemos, não dizia uma palavra sequer, manteve-se assim até que desmaiou no meio da noite por causa de fome, por também se recusar a comer.

Vivemos esse drama por 2 dias até que ontem, pela manhã, ela balbuciou algumas palavras em meio ao sono no qual caiu por exaustão, disse algo sobre alguém ficar bravo, que não queria que a prendessem de novo. Então, soubemos que não havia sido algo maquinado pela bruxa, porém, provavelmente, por criminosos, talvez capangas de alguém que queira escravos, daí, pegamos em armas para enfrentarmos quem quer que tivesse feito aquilo. A menina, como uma sonâmbula, nos guiou até uma entrada secreta perto de um lago na qual encontramos todos os cativos numa espécie de curral, amontoados como gado, estavam lá, como que hipnotizados, não me mexeram nem quando chegamos. Invadimos um casebre ao lado, mas já estava vazio, os canalhas devem ter nos ouvido e fugiram, tentamos isolar todo aquele local secreto, mas não sabemos se deixamos algumas possível saída de fora.

O problema é que nosso cerco é precário, pois se o reforçassêmos, deixaríamos nossas casas desprotegidas; esses bandidos à solta são um perigo para toda aquela região, ainda mais porque há vastas terras perto a quase um dia de caminhada, uma fazenda abandonada de um nobre que se exilou com a família.

— Por acaso, trata-se da propriedade de Hart Bernik? É o vale de Lince? -questiona Hammond

— Sim, por isso também viemos, ouvimos no caminho para aqui que o herdeiro daquele local era seu convidado, majestade

— Ele era durante a coroação, mas, está, atualmente, na Vila Real, mas isso não é nada que não possa ser resolvido – viro-me para um dos empregados – Tragam Vince Bernik aqui o mais rápido o possível, se for necessário leve o mais veloz cavalo do nosso estábulo. Envie, também, um mensageiro real para que os que batalharam comigo e moram perto daquela região reforcem o cerco, além de convocar alguns homens aptos à batalha para fazerem o mesmo.

— Muito obrigado, majestade – a face de Klaus forma um sorriso de alívio

— Você deve estar faminto e cansado – ele assente de leve com a cabeça – Levem-no para a sala de jantar e providenciem-lhe uma refeição. Assim que o conde chegar, pedirei para lhe chamarem – o camponês acompanha o servo para fora do gabinete

— O que foi isso? - digo, não conseguindo assimilar o absurdo do crime cometido, passando a mão pelos meus cabelos e quase desfazendo o penteado tão bem formado pelas minhas criadas – É intolerável! Como podem fazer isso com crianças?!

— Infelizmente, minha rainha, alguns poucos donos de terra que deveriam ser chamados de delinquentes se valem de mão de obra escrava e, nesse sentido, as crianças são as mais fáceis de se capturar, não têm tanta habilidade para fugir e os adultos costumam não acreditar nelas.

— Eu entendo – levanto-me, dando as costas ao duque e indo para a janela – Mas mesmo assim, como alguém pode ter coragem de cometer tamanho... algo tão impensável? - lá embaixo enxergo William pedindo para um servo levar o cavalo para o estábulo – Guardas! - um deles abre a porta – Peçam ao filho do duque venha até nós, por favor, e que as cozinheiras me tragam um chá calmante para mim e...O senhor também quer? - pergunto a Hammond

— Eu aceito e, se não for incômodo, acho que Will também quererá

— Então, para nós três – termino a frase e o soldado sai, fechando a porta – Temos que pegar esse criminosos para que eles tenham o devido julgamento e sejam punidos de acordo com a lei, esse povo precisa saber que há justiça em nosso reino

— Com licença – escuto a voz do meu amigo e me viro em sua direção – O que houve, Branca?

— Um problema dos grandes e preciso de mais uma cabeça para pensar, mas, antes, você precisa saber da história – conto tudo para ele

— Não há palavras para descrever o quão impensável esse caso é

— Eu na pressa acabei pedindo para convocarem homens para fortalecerem o cerco e protegerem a região, porém não pensei numa estratégia militar

— Não tem problema, nós debatemos algo e enviamos o que decidirmos através de um mensageiro

Ficamos ali debatendo, cogitando diversas alternativas a analisando-as de acordo com mapas que nos dão uma noção melhor, até que somo interrompidos por Vince.

— Majestade – ele adentra o cômodo e faz uma reverência – No que posso ajudá-la?

— A princípio, eu iria chamá-lo apenas para entregar-lhe isso – passo o papel para um servo que o leva para o conde, que analisa o documento e, após alguns instantes, abre um largo sorriso.

— Muito obrigado, majestade, muito obrigado mesmo – ele recolhe das laterais dos olhos as lágrimas que ameaçam transbordar – Isso significa muito para mim – ele diz com emoção na voz – Queria que meu pai estivesse aqui para ver isso, ele provavelmente me pediria para me conter na frente da rainha – afirma mais para si mesmo do que para nós na frente e dá um leve riso. O conde levanta a cabeça e dilata suas pupilas, demonstrando certa surpresa ao se relembrar de nossa presença – Perdoe-me, majestade, pelos meus devaneios, mas é que fiquei atordoado com tamanha alegria de receber um presente como esse

— Não há nada o que perdoar

Vince continua a admirar o titulo de propriedade até que seu olhar volta-se para mim com curiosidade

— Pelo que me falou, há alguma ocorrência, algo de errado que também motivou o meu chamamento

— Sim, mas a melhor pessoa para explicar-lhe isso é Klaus. Peça para um guarda buscá-lo.

Logo o camponês está conosco e atualiza o nobre do acontecimento e ambos adentram no debate para nos auxiliar na escolha da melhor forma de pegarmos os bandidos; assim permanecemos até chegarmos a um consenso. Transformamos a decisão em um documento a ser levado por um mensageiro, depois, vamos comer na sala de jantar uma boa refeição preparada pelas servas; após isso, Klaus decidi ir para a Vila Real assim como Vince, que se determina a visitar suas terras e ajudar no que for possível. Minha cabeça lateja e eu peço um chá para uma das servas, enquanto caminho para o jardim no qual encontrei o caçador durante a coroação e, quando adentro o local, é com ele que me deparo.

— Como sabia que eu estaria aqui?

— Não sabia – Erik que dantes estava de costas, vira-se na minha direção com um sorriso nos lábios e nos olhos – Foi só um palpite, além disso, a vista é muito linda, algo realmente relaxante, tenho que admitir

— Eu estou precisando disso – sento-me do seu lado, apoio minha cabeça em seu peito e fechando meus olhos, sentindo o movimento de sua respiração e o som das batidas do seu coração

— Dia difícil, né? - ele começa a acariciar meus cabelos, fazendo cafuné

— Nem imagina – aproveito o carinho e me deixo embalar na sensação – Bandidos que sequestraram crianças, agora fugiram e estão escondidos nas terras de Vince

— E as crianças? - o caçador me pergunta

— Estão bem, eu acho, na medida do possível. Na verdade, não sei se muito bem, mas foram todas resgatadas e voltaram para seus pais, mesmo assim, vai demorar para retornarem às suas vidas normais

— Não há ninguém melhor do que a família para ampará-los – ele comenta – Então, foi por isso que vi o condezinho sair do palácio há pouco tempo

— Condezinho? - levanto um dos cantos da boca em um meio sorriso irônico

— Sim, ué, é o meu jeito de falar dele, por favor, não me peça para mudar, nunca vou falar assim em público – ele me pede tranquilo

— Por mim não tem problema algum, eu só achei engraçado, gosto do seu jeito leve de ver as coisas, esses é um dos seus encantos para mim – eu me desencosto de seu peitoral para poder ficar de frente para Erik e, então, o beijo.

— Sabia que eu te amo? - seus olhos tempestuosos fitam-me intensamente e eu me sinto tragada por eles como que pela correnteza do mar

— Sim, mas é ótimo ouvir – respondo com um sorriso – Isso aqui é uma maravilha. Só eu que sinto estamos apenas nós no castelo?

— Não, não é só você, eu também quando não me lembro da presença dos guardas perto de nós, ainda bem que aqui dentro não há nenhum.

— Ainda implica com eles? É só o trabalho deles

— Eu sei, eu sei, estou sendo treinado para ser um deles, é só que não gosto de plateias enquanto estou te beijando ou estamos conversando. Branca, entenda, antes eu era um simples plebeu, tinha toda a privacidade do mundo, as paredes da minha casa eram minhas muralhas em relação ao restante do mundo. Agora, as coisas estão mudando muito rápido e eu me sinto um pouco tonto com tantas transformações, não é que eu não goste delas – ele segura meu queixo e me faz olhar no fundo de seus olhos - eu não quero desistir de você, a questão é que preciso de algum tempo para me acostumar e, então, não serei tão reclamão

— Eu entendo de certa forma, eu vivi a vida inteira, bem, pelo menos, até os meus doze anos sendo cuidada pelos guardas, então a presença deles já é algo natural para mim, porém até eu tenho lidado com muitos desafios ultimamente e sei como é complicado encarar alguns deles. Só espero que o conde Lefond descubra isso ou ele vai te colocar para vigiar alguém só para fazer você perder essa sensação

— Não fale nada disso por favor! - seus grandes olhos suplicam-me enquanto seu rosto demonstra uma forte apreensão, o caçador já sabe do que o conde era capaz.

— Pode deixar que eu não direi nada, mas você falou isso para mais alguém ou reclamou em voz alta?

— Droga! - seu rosto toma um certo tom de palidez – Quão encrencado eu posso estar?

— Muito, Lefond tem ouvidos nas paredes. - ele fica mais preocupado – Querido, agora é só aguardar – digo e lhe dou um breve beijo – Apenas deixe isso para lá e me acompanhe até o corredor do meu quarto.

— Tudo bem – ele se levanta e estende o braço para mim, que o aceito e assim vamos caminhamos até que chegamos no meu destino, no qual me despeço dele com um “boa noite”, já que havia guardas naquele corredor e Erik não iria querer uma plateia para um beijo de despedida.

Adentro meu quarto e troco minha roupa pra uma mais confortável e, não sei se é pelo cansaço ou pelo fato de estar superando a perda da minha mãe, mas quando durmo de novo não tenho mais sonhos angustiantes com ela.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.