Era mais uma noite chuvosa naquele inverno, eu havia trabalhado o dia inteiro e cansada após um dia extenuante de trabalho, entrei no pequeno refúgio que chamava de lar. Logo que pus os pés em casa, meus olhos, cansados e pesarosos, fitaram as contas espalhadas pela mesa. Era difícil manter a calma quando tudo estava prestes a ruir. Ao abrir a geladeira, a escassez revelou-se cruel. Entre as prateleiras vazias, não havia sequer um ingrediente para compor o jantar. Um suspiro pesado escapou dos meus lábios enquanto meu corpo, marcado pela exaustão, caiu pesadamente na cama que quase monopolizava o reduzido espaço do cômodo. O travesseiro, temporário confidente, ocultou meu rosto em um gesto de desânimo. Talvez por ter feito o mesmo nos dois dias anteriores, eu já não tivesse mais lágrimas para derramar. Na penumbra do ambiente, mergulhei em meus pensamentos, revivendo os dias anteriores, todos envoltos na mesma nuvem cinzenta de adversidades. A umidade do inverno se infiltrava pelos cantos, tornando o ambiente ainda mais melancólico. O tempo parecia se arrastar, e o silêncio apenas era quebrado pelo ruído constante da chuva lá fora e às vezes por um trovão ou outro. Aquele desânimo se instalou como um hóspede indesejado em meu peito.
Foi então que, como se a própria tempestade tivesse ouvido meu lamento silencioso, a porta rangeu ao se abrir. Ele entrou, cuidadoso, para não molhar muito o chão, pois estava com as roupas ensopadas. O esforço para fechar a porta foi em vão, já que o vento voraz a empurrou com força, deixando boa parte do frio lá fora, mas sua presença trouxe um calor humano que rompeu a monotonia gélida do ambiente.

— Eu consegui chegar um pouco mais cedo hoje – Seok-jin me olhava com um largo sorriso enquanto colocava três sacolas em cima da pia. Seus olhos brilhavam. – Aqui tem o frango frito que você adora e refrigerante!
A surpresa se misturou com gratidão em meu rosto, imediatamente, meu coração pareceu ficar aquecido. Quando tudo se mostrava perdido para mim, pelo menos havia algo que ninguém poderia tirar, nosso amor. Naquele instante, o gesto simples dele tornou-se um farol de esperança, iluminando a escuridão que ameaçava nos engolir.

— Gomawo! – Levantei da cama e o abracei com força, ignorando as roupas molhadas. – Tome um banho quentinho, eu vou arrumar a mesa.

Ele segurou suavemente meu queixo, seus dedos delicados transmitindo uma sensação de conforto. Seu olhar, intenso e profundamente compassivo, mergulhou nos meus olhos, como se tentasse ler cada pensamento e acalmar cada temor.

— Deixe tudo de lado hoje... Eu sei que por enquanto nada disso é grande coisa – um breve instante se desenrolou enquanto ele olhava ao redor do modesto cômodo que chamávamos de lar. Um local onde tínhamos apenas o básico para sobreviver, mas que carregava as marcas visíveis e invisíveis de nossa jornada até ali. Seu olhar percorreu cada detalhe, contudo, não havia julgamento em seu semblante, apenas aceitação e um compromisso inquebrantável. – Mas, está tudo bem, okay? Nosso tempo, lembra? – Ele beijou a minha testa, seus lábios estavam frios. – Vamos dar um jeito.

— Me abraça forte só mais um pouco.

Afundei o rosto no peito dele, buscando conforto na segurança dos seus braços fortes. Eu não entendia como ele podia ser tão otimista, mesmo diante das adversidades que pareciam acumular-se à nossa volta. Todos os dias, Jin – como preferia ser chamado – prometia que bastava ficarmos juntos, e conseguiríamos dar a volta por cima. Tínhamos grandes sonhos – sonhos que ecoavam em cada riso compartilhado e em cada plano traçado nas noites silenciosas – e para concretizá-los, resolvemos fugir e pegarmos a estrada da vida. O que eu não imaginava era que essa estrada seria tão esburacada, cheia de obstáculos e desvios. Apesar de tudo, Jin permanecia firme em sua crença de que, juntos, poderíamos superar tudo. Seu otimismo quase inabalável servia de guia através das curvas imprevisíveis da vida. Naquele abraço, mesmo diante da incerteza, eu encontrava forças para sobreviver mais um dia.

— Estou meio que congelando, mas, se você fizer muita questão, fico te abraçando até amanhã, acho que uma hora essa roupa tem que secar. – Ele riu e aquela risada era quase um bálsamo para mim.

— Eu nem percebi, vou te deixar ir...

Às vezes eu lembrava de tudo o que passamos para chegarmos até ali, não com arrependimento, é até difícil explicar. Para realizar o meu sonho, eu frustrei o sonho da minha família. Não venho da família mais rica do mundo, entretanto, meus pais levavam uma vida confortável. A rede de restaurantes deles, construída a partir de um modesto começo, prosperara ao longo dos anos. Minha infância foi marcada pela simplicidade, mas quando completei 12 anos, tudo mudou, e meus pais não negavam nada que eu ou meus irmãos mais velhos desejassem. Estava prestes a concluir o curso de Direito, seguindo um caminho que, de certa forma, estava predestinado pela expectativa de minha família. No entanto, meu destino deu uma guinada inesperada quando conheci o garoto mais lindo e gentil de todos. Apaixonei-me instantaneamente por seu sorriso radiante, que iluminou meu dia quando ele entregou flores no escritório onde eu estagiava. Kim Seok-jin era filho único de uma viúva, proprietária de uma pequena floricultura.

Tudo entre nós aconteceu muito rápido, e logo estávamos enfrentando a oposição ferrenha dos meus pais. Para eles, parecia preferível ter uma filha morta a vê-la casada aos vinte e três anos, especialmente com alguém que julgavam estar abaixo das expectativas que tinham para mim. Após intermináveis discussões e, infelizmente, um tapa doloroso desferido por meu próprio pai, percebi que precisava tomar uma decisão. Fiz as malas, determinada a seguir o caminho do meu coração, e corri para os braços do meu querido Jin.
A mãe dele, que sempre me acolheu com um sorriso gentil, partiu apenas três meses depois que fui morar com eles. A dor da perda foi agravada pela necessidade urgente de arcar com os custos hospitalares e funerários. Sem outra opção, Jin e eu nos deparamos com a difícil decisão de vender a floricultura que fora por tanto tempo o coração do sustento da família. Sacrificar esse símbolo de sua história tornou-se uma dolorosa exigência para honrar a memória de sua mãe e proporcionar-lhe um adeus digno.
Em menos de duas semanas, o que restava do nosso mundo desmoronava como um castelo de cartas, pois já não tínhamos dinheiro para o aluguel do apartamento em que vivíamos. O pouco que eu possuía na minha conta bancária e o que consegui vendendo algumas joias nos manteve à tona por algum tempo. Em um ato inevitável, nos mudamos para um apartamento de dois cômodos e o dinheiro que restava era um fio frágil que, a cada dia, ameaçava se romper. Chegamos a um ponto em que não sabíamos sequer se haveria comida para o próximo dia. As noites eram marcadas pela incerteza e o vazio da despensa, enquanto a preocupação tornava-se uma sombra constante pairando sobre nós.

— Jagiya, você está mais calada que o normal – ele já havia saído do banho e estava se vestindo.

— Fiquei lembrando de quando nos conhecemos...

— Arrependida?

— Não, idiota. Você sempre pensa isso! – Dei um tapa no ombro dele. – Só queria que o meu pai não tivesse sido tão filho da puta me queimando para a empresa, estava indo tudo tão bem lá.

— Realmente ele não tinha o direito de ter feito isso – Jin terminou de se vestir, sentou-se à mesa e bebeu um gole do refrigerante. – De qualquer forma, sei que em breve você arrumará um lugar melhor para trabalhar.

— Tomara, amor. Eu não aguento mais as falcatruas do Sr. Yang.

Pensar no meu trabalho também me enchia de desgosto. A empresa do Sr. Yang, especializada em material hospitalar, tornou-se um ambiente carregado de frustrações. Em vez de focar na qualidade e integridade dos produtos, o Sr. Yang insistia em repassar itens baratos ou com defeitos de fabricação. Essa prática irresponsável, naturalmente, resultava em inúmeros processos legais, e para o meu desalento, o desgraçado parecia acreditar que, por eu ser advogada, não poderia perder sequer um único caso. Pior ainda, ele esperava que eu revertesse todas as situações a favor da empresa, como se isso fosse uma tarefa simples e justa. A pressão constante para defender práticas questionáveis e a falta de ética nos negócios eram uma fonte constante de conflito interno. Além disso, meu chefe tinha uma visão estreita, acreditando que eu deveria fazer tudo isso sem receber mais do que meu salário já baixo. A ausência de honorários justos para o volume significativo de trabalho que eu realizava tornava a situação ainda mais exaustiva. Mas, o que eu poderia fazer? Meu pai havia pedido para todos os amigos, que também pediram aos amigos, que eu não fosse contratada em empresa ou escritório algum da cidade. Uma situação que, de alguma forma, amarrava minhas mãos profissionalmente, deixando-me em uma encruzilhada entre a ética profissional, a necessidade financeira e as expectativas limitadoras impostas pelo meu passado.

— Eu tenho uma novidade – anunciou Jin após servir alguns pedaços de frango no meu prato.

— Conta!

— Uma gravadora se interessou pela minha música – ele deveria estar animado, todavia, não era isso que seu olhar demonstrava. – Só que eu não poderei cantar... Eles querem que eu assine um contrato como compositor.

— Puxa, amor! – Peguei em sua mão e afaguei. – Seja qual for a sua decisão, eu te apoio!

— O dinheiro é bom, nos salvaria por algum tempo.

— Não pense só nisso, certo? Em três dias já recebo o salário e esse mês ficaremos bem – tentei sorrir, queria muito transmitir o meu apoio. – De verdade, não desista fácil do seu sonho. A sua música é perfeita, mas a sua voz também é. Eu tenho fé que alguém vai querer que você cante e...

— Parece que só você acredita em mim – ele interrompeu e beijou a minha mão. – Tenta comer, vai esfriar.

— A sua mãe também acredita e eu sei que ela está olhando por nós lá de cima... A eomeoni sempre me falou que todo o esforço para pagar a sua graduação em Música um dia traria frutos e eu confio nisso.

— Existem horas em que eu simplesmente acho que deveria jogar tudo para o alto e arrumar um emprego que me dê um salário certo no fim do mês, só que aí eu lembro dela vendendo rosas até mesmo debaixo de chuva e da neve, somente para bancar os meus estudos. Você tem razão, Kyung-mi...

— Por isso mesmo! Você vai conseguir.

Jantamos tranquilamente, era como se aquela simples refeição fosse um banquete. Precisei disfarçar um pouco a minha preocupação, pois, se o meu marido perdesse a fé em si mesmo, seria difícil animá-lo. Eu não me importava de passar pelos abusos na empresa do Sr. Yang por mais um tempo, desde que o meu querido Jin continuasse tentando realizar o seu grande sonho.
Após o jantar, me encostei na cabeceira da cama para ler um livro, enquanto ele tocava algumas notas no seu teclado. Eu não conseguia ficar alheia à voz dele, aquela música que ele ofereceu para a gravadora era perfeita e o mundo precisava conhecer. Após terminar de cantá-la, percebi que ele começou a improvisar uma nova música. Seus dedos habilidosos tocaram uma melodia desconhecida para mim, e ele me olhou com ternura. Sua voz, carregada de emoção, por um instante conseguiu apaziguar a dor das feridas da minha alma.

— O seu amor é a canção que faz meu coração pulsar,
Nos recantos do nosso mundo, onde o caos tenta entrar,
Você é a melodia suave que me faz acreditar.

Amor, você traz luz nos dias de escuridão,
Sua presença é um alento para o meu coração.
Em notas de paixão, nosso destino a tecer,
Juntos, enfrentaremos o que aparecer.

Nas trilhas incertas, você é a minha guia,
A estrela mais brilhante que me ilumina.
Mesmo quando as sombras dançam ao nosso redor
Você as dissipa com a sua força e o seu calor.

Em cada acorde, em cada suspiro,
Nosso amor é uma canção que nunca se extinguirá.
Na sinfonia da vida, lado a lado a caminhar,
Kyung-mi, contigo, sempre hei de ficar.

Eu estava com os olhos fechados, ouvindo aquela música que fluía do fundo de sua alma para a minha. Cada palavra se entrelaçava com os acordes, e a voz de Jin era a essência de um amor que ia além das palavras. À medida que a canção se desdobrava, percebi que ele não estava apenas cantando sobre amor, fazendo também uma promessa, construindo pontes sobre o meu maior medo e incerteza, que era um dia perdê-lo. A sua música soava como uma brisa acariciando o meu rosto e os meus lábios se curvaram em um sorriso. Lágrimas de alegria deslizaram suavemente pelas minhas bochechas. Naquela noite, eu dormiria em paz.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.