Uma das regras que Lilia estabelecera com Yuri Plisetsky era pontualidade. Se marcassem um ensaio às dez horas, ele deveria estar no estúdio às dez horas. Felizmente, ainda não teve ocasiões em que ele se atrasara. Na verdade, era até comum ele chegar antes de Lilia e já ter iniciado os alongamentos. Ela gostava desse tipo de atitude. Demostrava disciplina, perseverança e classe em seus objetivos.



A classe acabava quando Plisetsky abria a boca.

Yuri, estirado no chão no meio de um espacate, nem notou quando Lilia entrou na sala, muito concentrado em algo no celular que fazia barulho de explosão, provavelmente um jogo.

Lilia nem teve tempo de dizer "Bom dia", porque Yuri gritou com todas as suas forças:

— O quê?! Como assim só 28%, filho da puta?! - ele reclamou apertando o celular com ódio - Eu coloquei TODAS as minhas rainhas nessa porra e agora você me diz que só deu 28% de dano?! Nem fodendo, mano, eu não admito perder por causa de um bando de minion escroto!

Lilia cerrou os punhos e sentiu uma pálpebra tremer. Yuri poderia ter falado que Alicia Alonso "até que era boa" como bailarina e ela teria se ofendido tanto quanto. Sabia que jovens tinham um dialeto próprio, mas aquilo era apenas um exemplo de falta de educação, antipatia, desrespeito, grosseria e quaisquer outras qualidades negativas que um ser pode ter. Ela não admitiria aquele palavreado chulo durante suas aulas e muito menos em sua residência.

Apegando-se ao último fio de compostura que ainda tinha depois de ouvir tanta barbaridade, ela se aproximou do garoto a passos calculados.

— Yuri. - não havia um tom ameaçador em sua voz, apenas uma suave sugestão de que Plisetsky deveria olhar para ela se queria continuar com aquele lustroso cabelo loiro em sua cabeça. - Eu não quero esse tipo de vocabulário na minha aula.

— Hã? - o jeito com que ele sequer levantou o olhar do celular mostrava que ele não prestou atenção.

De alguma forma, aquilo a irritou mais do que os palavrões. Lilia odiava ser ignorada.

Sem grandes alardes, ela esticou a mão e tomou o celular do garoto que ainda tentou segurar por dois segundos antes de soltar. Plisetsky era um garoto esperto, seria uma lástima para ele se tivesse que ganhar aquele celular numa queda de braço. Lilia já cuidou de crianças pequenas e do cachorro de Victor. Ela não tinha nenhum medo de coisas com dentes.

— Ei! - ele reclamou abismado. - Isso é meu!

— Ora, se você não tivesse me dito, eu não teria percebido. - ela disse o encarando com os olhos em frestas enquanto guardava o aparelho na bolsa. Ela cruzou os braços com frieza. - A aula começa às dez horas, Plisetsky. Já são dez e três.

O loiro olhou para cima e suspirou como se todo o peso do mundo estivesse sobre seus ombros. O drama adolescente é algo universal.

— Grande bosta... - ele resmungou em um murmúrio, caminhando até a barra.

Mesmo que Lilia não tivesse ouvido, ela ainda não teria começado a aula sem aquele aviso.

— Tenho uma nova regra para você hoje. - ela não estava disposta a sacrificar seus ouvidos com aquele hábito repudiável, então cortaria o mal pela raiz. - Nada de palavrões em minha presença, seja em casa, nos treinos ou em passeios. Aliás, seria ótimo se você abolisse esse costume de sua vida. Ninguém é obrigado a ouvir uma criança xingando como um marinheiro bêbado.

Yuri ficou vermelho para a, em sua visão, ofensa.

— Eu não sou criança! - o jeito com que ele se irritava o fazia parecer um gatinho enfezado. Seria charmoso se Lilia já não estivesse de saco cheio daquele tipo. - E o que eu xingar ou não tem a ver com o meu treino?!

— Tem a ver que eu não gosto e isso já basta. - ela respondeu sem titubear. - Você disse que se entregaria de corpo e alma para conseguir vencer o Grand Prix. Parar de falar assim não é nada perto do que eu vou exigir de você daqui por diante. Considere um teste para manter essa sua raiva sob controle. - ela pendeu a cabeça levemente para o lado, analisando a linguagem corporal de seu aluno. - Estamos entendidos?

Ele parecia querer chamá-la de vaca e mandá-la pastar. Mas ao invés disso, Yuri respirou fundo e respondeu:

— Está bem.

— Assim é melhor. - ela foi para o seu lugar perto da caixa de som. - Suponho que já tenha se alongado, podemos começar revendo seus fundamentos.



Se Yuri a amaldiçoava de nomes feios quando ela virava as costas, Lilia não dava a mínima. Pelo menos, ela não teria seus ouvidos feitos de latrina tão cedo.

- - -

1967

Gorki Osipov não tinha muitos problemas com seus colegas da aula de patinação.



Sendo que, na escola, ele já era um garoto mais fechado, não esperava que na CSKA fosse diferente. Ele estava ali para patinar, afinal. Mesmo assim, ele não ficou muito surpreso quando se viu sendo convidado para tomar sorvete depois da aula ou incluído nas conversas da turma. Ele podia não falar muita coisa, mas aquilo não parecia um problema para os seus colegas. O que importava era ele saber brincar e isso ele podia fazer, como uma criança normal.



Após alguns meses de aula, ele ainda não conseguira memorizar o nome de todos, mas havia alguns que se destacavam mais. Misha Ivanovich gostava de fazer piada com qualquer coisa; Larisa Fyodorovna sempre parecia matar alguém com o olhar por trás dos óculos; Melaniya Petrovna nunca (e ele repetia, nunca) parava quieta e Denis Arseniyevich era um auto-intitulado líder do grupo por, alegadamente, ser o mais maduro. Particularmente, Gorki o achava muito exibido, mas já aprendera há um tempo que valia a pena ficar na cola de pessoas mais confiantes, pois elas conseguiam coisas que você não conseguia por falta de coragem. Gorki também não tinha muito o que fazer, sendo o recém-chegado de uma turma que se conhecia há anos e um pouco mais novo que o resto.

Mas mesmo se achando, ainda havia uma figura que se sobrepunha à autoridade de Denis Arseniyevich. Aliás, ela se sobrepunha a todos os alunos das turmas iniciais, sem restrições. Era um poder diferente de pessoas como treinador Pudovkin ou os patinadores mais velhos, como Yakov Eliseevich. Esses eram respeitados durante a aula e, no intervalo, corriam risco de serem alvo de piadinhas. Isso não se aplicava àquela pessoa. Gorki suspeitava que falar mal dela não resultava só em uma briga, mas numa excomunhão da CSKA.



Essa pessoa era a treinadora Linya Vasilievna.

Gorki passou duas semanas achando que ela era uma espécie de lenda urbana que a turma inventou para dar medo nele, o novato. Quando ele finalmente entendeu que treinadora Linya era uma pessoa de verdade, restou a confusão de como era ela, pois ele nunca tinha a visto e ninguém sabia dar uma descrição objetiva e confiável.



Essas foram algumas respostas que ele conseguiu:

— Treinadora Linya é incrível! - Melaniya disse animada uma vez. - Ela é muito bonita e sabe dançar balé no gelo!

— Treinadora Linya não sabe sorrir. - Larisa disse inexpressiva. - Eu quero ser igual a ela quando crescer.



— Treinadora Linya é mais assustadora do que o nosso técnico! - Pasha Borisovich do hóquei respondeu com uma careta. - Uma vez ela pegou a gente fugindo da aula e eu chorei.



— O coque dela nunca desmancha. - Misha Ivanovich disse como se fosse um segredo de Estado. - Eu acho que é uma escuta da KGB.

— Ela é uma bruxa. - Denis respondeu sério. - Eu quero dizer uma bruxa de verdade, dessas que invocam monstros e fazem poções mágicas. Só que eu acho que ela gosta tanto de balé que resolveu largar a profissão de bruxa para ser uma bailarina. Mas tanto faz, porque eu não tenho medo dela!

Aquela última parte parecia a mais mentirosa do relato inteiro, mesmo quando levassem em conta bruxas e monstros.

O que Gorki conseguiu absorver foi que Treinadora Linya era uma bailarina do Bolshoi que costumava dar as caras na CSKA. Só que nos últimos tempos ela não aparecia tanto pois estava mais ocupada. Também não ajudava que ela aparecia num horário em que as aulas das turmas iniciais já haviam acabado, impossibilitando um possível encontro.

Osipov finalmente teve chance de conhecê-la três meses depois de entrar na CSKA.

— Treinadora Linya tá aqui!! - Melaniya gritou entrando na sala de jogos e assustando praticamente todos os presentes. Ele eram os que chegavam bem mais cedo do que a aula pedia pois era o que a agenda de seus pais permitia. - Eu vi ela quando eu fui beber água! Eu acho que ela veio para dar aula pra gente!

Denis, que estava jogando damas com Gorki, deu de ombros como se não desse a mínima para a notícia.

— Nem senti falta. - ele falou em tom de deboche, mas suas bochechas vermelhas denunciavam o contrário. - Eu vou falar com ela agora só porque eu quero mostrar que eu consegui abrir um espacate perfeito antes da aula.

Outros ali, especialmente os mais novos, também pareciam animados com a ideia de rever a bailarina, então Gorki os seguiu pois não tinha mais nada para fazer. Também estava curioso para conhecer aquela figura lendária.



Em algum momento, Melaniya desafiou Denis para uma corrida até a pista de gelo e ele aceitou sem grandes cerimônias, obrigando o resto do grupo a acelerar o passo para alcançar os outros dois. O garoto ganhou com grande vantagem, mas parou abruptamente três passos fora do corredor. Ele voltou rapidamente e olhou para trás fazendo sinal de silêncio para os outros.

Melaniya foi a que chegou primeiro e perguntou confusa:

— Mas o que...?



— Shh! - Denis a interrompeu afobado e continuou em voz baixa. - Só escuta.

Todo o grupo parou para escutar o quer que fosse. Eles estavam no fim do corredor que levava às pistas de gelo do rinque. De onde estavam espremidos, não conseguiam ver muita coisa além duma parte do gelo e os bancos da arquibancada à direita.

Foi então que eles escutaram o choro.

— ...fui tão idiota. - a voz feminina disse embargada. - Tão burra...



Denis e Melaniya se entreolharam com os olhos arregalados de surpresa.

— Treinadora Linya está chorando? - Melaniya sussurrou para ninguém em específico. Ela nunca havia visto Lilia Vasilievna chorar. O que poderia magoar alguém tão confiante como ela? E o que ela estava fazendo ali?

— Você não é burra, Lilia. - a voz agora era de Yasha Eliseevich. Aparentemente, eles estavam em algum lugar da arquibancada perto o suficiente para serem ouvidos. - Ele é que é um babaca descarado que não te merece. Aqui, pega isso.



— Mas isso é seu...

— Eu compro mais depois, a prioridade é você. - ele assegurou. As crianças não conseguiriam ver naquele momento, mas Lilia acabara de receber um pacote de biscoitos importados como consolo. - Por favor, não chora. Aquele tipo de cara não vale a pena tanto sofrimento.



Houve alguns momentos de silêncio em que as crianças apenas levantavam hipóteses sobre o que raios tinha acontecido. Quem era o tal babaca? O que ele fizera para deixar Lilia tão triste? Um monte de perguntas sem resposta que eles esperavam descobrir em sua bisbilhotagem.

— ...Cafajeste filho da puta.



Os que conseguiram ouvir arregalaram os olhos e abriram a boca num "oh" surpreso e silencioso, como vizinhas fofoqueiras que acabam de descobrir um adultério pois colocaram o ouvido na parede para escutar a conversa alheia.



— O que? - Misha perguntou por não ter entendido direito. Ele ainda falou em voz baixa, exemplo que foi seguido pelos outros.

— Treinadora Linya falou palavrão! - uma menina falou alarmada.

— Pensei que fosse errado falar palavrão. - outro respondeu com uma careta.

— Mamãe brigou comigo quando eu falei uma vez. - Larisa comentou se lembrando da bronca que levou por usar a palavra com "p" para puro efeito dramático. - Mas meu tio falou durante uma festa e todo mundo riu.

— É porque palavrão é coisa de adulto. - Melaniya explicou.

— Mas treinadora Linya não é adulta...ou é? - Misha perguntou em dúvida.

Era estranho pensar em Treinadora Linya como adulta. Eles aceitavam que ela era mais velha e tinha mais autoridade do que eles, mas colocá-la na mesma categoria que pais, professores e vizinhos parecia estranho. Lilia era como uma irmã mais velha que nunca chegaria a maior idade.



Pelo visto, não era bem assim.

— Vai ver ela virou e a gente não viu. - alguém comentou.

— Hmm, acho que não. Ela ainda tem cara de Treinadora Linya. - Misha disse com a mão no queixo e os olhos em frestas, como um detetive analisando as possibilidades. Logo, seu rosto se iluminou. - Então se ela fala, a gente pode falar também!

— É? - Gorki sentiu necessidade de participar da conversa, mesmo que não estivesse entendendo muita coisa.

— É! - Misha concordou com a própria hipótese, animado pela possibilidade de falar todas aquelas palavras que só adultos, em tese, deveriam usar. Ele se sentia mais importante usando palavras de adulto.



Nem todo mundo ali estava super animado com a ideia de xingar alguém, mas concordaram que o argumento era válido. Denis, em toda sua maturidade de dez anos, achava aquilo palhaçada, mas não valia a pena discutir com crianças. Ele só queria ouvir a conversa entre Yakov e Lilia.

O grupo voltou a ficar quieto para tentar ouvir mais, porém o canal de comunicação estava prejudicado pelo choro de Lilia, que ficava revezado entre comer biscoitos, soluçar e falar palavras desconexas com a voz tremida.

— Ele foi tão ordinário. - Lilia disse ressentida. - Vontade de amassar aquela carta e mandar ele enfiar no rabo.



Ah, aquela palavra era nova.



— Ela falou "rabo"! - Melaniya repassou a mensagem para o resto.

— Que rabo? - Nika Ivanovich, de sete anos, perguntou estranhando.

— Acho que é uma forma feia de falar "bumbum". - Masha Sergeevna, de oito, falou em uma voz ainda mais baixa que os outros, envergonhada pelo que dizia.

— "Bumbum" é coisa de criança. - Denis resmungou, não aguentando aquela idiotice. Ele estava cercado de bebês. - A gente fala "bunda".



— Bunda? - Masha estranhou a palavra.



— Bunda! - outro garoto da mesma turma repetiu extasiado.



Todos com menos de nove anos passaram a repetir "bunda" como se acabassem de ter descoberto um feitiço mágico para usar na luta contra os ianques capitalistas. Denis colocou a mão no rosto por vergonha alheia. Melaniya ainda estava empenhada em tentar ouvir a conversa dos mais velhos.

— ...Canalha, estúpido, vagabundo do caralho! - Lilia continuou xingando e chorando, porque era a única coisa que ela conseguia fazer no momento além de comer. - Não acredito que eu pensei em casar com ele. Puta que pariu, Yakov, onde eu estava com a cabeça?!



— O que é "caralho"? - uma das pequenas perguntou.

— Shh! - dessa vez foi Melaniya que pediu silêncio, ainda não entendendo ao certo o que aconteceu.



— "Caralho" não parece tão legal. - outro disse. - Prefiro "bunda".



Toda a turma concordou que "bunda" era a melhor palavra e que dificilmente outra a substituiria. Gorki realmente não sabia como reagir.

— ...eu confiava nele. Ele era tão gentil comigo, fazia eu me sentir a mulher mais maravilhosa do mundo. - Lilia continuou falando magoada. - Eu fui tonta. Tonta de acreditar que aquele namoro ia virar algo mais.

Denis e Melaniya conectaram os pontos quase que imediatamente.

— O cara do piano! - ela disse se lembrando do namorado de Lilia. Bom, ex-namorado pelo que parecia.

— O idiota do piano, você quer dizer! - Denis disse irritado. - Nunca gostei daquele cara, ele parecia uma cebola.

— Treinadora Linya deve estar sofrendo de coração partido! - Melaniya, sempre dramática e com um fraco para romances, só conseguia imaginar em toda a dor que Lilia estava sentindo. - Isso é horrível! É por isso que ela está tão triste!

Denis quase riu.

— Treinadora Linya não é qualquer menina besta que sofre por algo tão estúpido quanto um fim de namoro. - ele declarou cada vez mais irritado. - Aquele babaca deve ter feito alguma coisa muito grave. Ah, se eu encontrasse ele de novo, eu juro que eu ia chutar a...

— Ouviu alguma coisa? - a voz chorosa de Lilia perguntou, interrompendo a conversa das crianças.



Houve alguns segundos de silêncio em que nenhum dos pequenos espiões pensou em sair dali e evitar serem desmascarados. Foi por isso que quando Yakov colocou a cara para dentro do corredor, todos soltaram pelo menos um grito estridente.

— Mas o que raios vocês estão fazendo aí? - ele perguntou irritado, já percebendo que ele estavam ouvindo a conversa escondidos.

— É... Esconde-esconde! - Misha foi o primeiro a conseguir uma desculpa. - Estamos procurando Pasha Miranovich.

— Pasha pegou catapora, burro. - Larisa disse entre dentes. Seu colega aparentemente não percebera que Pasha já estava sem vir às aulas há duas semanas.



— Vocês são péssimos mentirosos. - Yakov disse balançado a cabeça. - Ninguém ensinou que é feio espiar a conversa alheia?



Ninguém sabia o que dizer agora e Gorki sequer sabia o que ele estava fazendo ali. Estava levando uma bronca de graça só porque queria conhecer uma bailarina.

Antes que alguém pudesse se manifestar, mais uma pessoa se fez visível à entrada do corredor. Uma moça de no máximo 20 anos, o cabelo escuro preso num coque alto típico de uma bailarina profissional, o rosto vermelho e inchado por estar chorando, mas o olhar sério e calmo como se nada tivesse acontecido.

Essa era Treinadora Linya.

— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? - foi ela que perguntou de braços cruzados, olhando para cada um dos rostinhos culpados a sua frente.



Melaniya deu uma cotovelada discreta em Denis, o instigando a tomar a iniciativa de se explicar pelo grupo. Ele não se auto-proclamava o líder? Assumisse a bomba, então!

Por mais que ainda tivesse um ligeiro, mas inadmissível, medo de Lilia; Denis ainda deu um passo a frente e disse de cabeça baixa:

— A gente veio ver a senhora, mas paramos para ouvir a quando vimos que estava chorando, treinadora.

Denis não percebeu, mas Lilia respirou um pouco mais fundo com a notícia de que sua crise de choro foi ouvida pelas crianças. Ela estava profundamente envergonhada, mas não demonstraria ainda.



— E o que esperavam ganhar com isso? - ela disse num tom neutro que não denunciava seu real sentimento sobre a situação. - Não é educado bisbilhotar a conversa dos outros. Se realmente estavam tão curiosos assim, deveriam me perguntar em pessoa, como crianças grandes fazem.

— A senhora não ia contar. - Denis rebateu levantando o olhar. - Adultos não gostam de mostrar para as pessoas que eles também choram. A gente só queria saber o que tinha acontecido para poder ajudar.



A frágil máscara de compostura que Lilia ainda tinha se quebrou com aquilo. Ela havia se esquecido do quão maduro e petulante Denis poderia ser, às vezes. Ela queria poder dizer que ele estava errado, que ele não sabia nada do que estava falando e que adultos como ela não deveriam ouvir ladainha de crianças.



Mas eram apenas nove míseros anos de experiência que separavam Denis e Lilia. Ele tinha tanto direito de ensinar algo a ela quanto ela tinha de chorar como uma menina por perder um namorado.



E ainda assim, ela não conseguiu dizer nada sobre aquilo, ainda em choque por ter tido a verdade jogada em sua cara.

— Bom, tenho certeza de que vocês têm muito o que dizer, mas Lilia Vasilievna está cansada agora. - Yakov disse tomando a dianteira. - Que tal vocês já irem se preparando para a aula e outro dia conversarem melhor? Lilia não veio para ensinar vocês, hoje.



Um "ah" decepcionado foi ouvido entre o grupo, tanto pela falta de uma aula diferente como pela impossibilidade de ouvir o resto da fofoca.

— ...Eu prometo que na próxima irei para o gelo com vocês. - Lilia garantiu, esperando diminuir um pouco da tristeza daqueles olhinhos desapontados. - É que eu realmente não tenho nada para mostrar pra vocês agora.

Antes que alguém pudesse insistir naquela aula, Denis mais uma vez assumiu o comando:

— Tanto faz, a senhora pode levar o tempo que quiser, a gente tem mais o que fazer. - ele anunciou com talvez um pouco mais de mal-humor que o necessário, mas era destinado aos colegas e não à mulher. - Anda, bando de idiotas, vamos logo, o treinador mandou!

— Não chame seus amigos de "idiotas", Denis. - Yakov ainda disse com um suspiro.



Não houve uma resposta de fato, pois logo Denis estava praticamente empurrando o grupo pelo corredor de onde vieram para deixar os dois adultos em paz, então Gorki foi mais uma vez levado pela corrente.

Ainda assim, ele percebeu que Denis ficara bem mais para trás no caminho do que os outros. Quando ele olhou para onde o mais velho deveria estar, o encontrou voltando correndo para onde Lilia estava e a abraçando. A mais velha pareceu muito surpresa com a atitude, mas ainda conseguiu retribuir ligeiramente com a mão sobre o cabelo castanho do menino.

Osipov sentiu que aquela era mais uma das cenas que ele não devia estar bisbilhotando. Por isso, ele decidiu continuar seu caminho junto com os outros patinadores e esquecer que vira aquilo.