Capítulo 02 - Lorde

Cap.02 - Lorde

Acho que meus pais não pensaram muito quando escolheram meu nome.

“Lorde”, aquela que comanda, título de nobreza. Não me sinto nada nobre, e definitivamente não me sinto com alguma autoridade quando Foxes passa pelo corredor e acusa meus óculos e a higiene do meu aparelho, meus ombros se encolhem instantaneamente.

Não acho que ela ao menos saiba meu nome, mas isso não conta quando ela precisa de sua dose diária de superego. “É Lorde, vadia”, tenho vontade de dizer e talvez eu até sussurre, mas ninguém é capaz de ouvir. E é quase o mesmo efeito quando fecho meu armário e avanço pelo corredor.

Alguns passos são o suficiente para esbarrar na imagem de Zedd beijando Foxes, dizendo algum elogio só pra ser deixado para trás enquanto ela continua a rotina que não inclui a mesma aula que ele. A próxima aula de Zedd é Química, eu saberia se incluísse Foxes.

É tão nítido que ele merece mais, olhe pra esses olhos como eu olho: é algo que passa do azul único ou do sorriso que parece tímido, quando ele só está sendo ele mesmo, é como se ele todo espalhasse essa aura de “HEY, eu sou um cara realmente legal”. E talvez isso quase me faça tentar dizer “oi” para ele no corredor, quase. Ao invés disso abaixo a cabeça entre os livros e continuo a andar, só mais algumas portas até o laboratório.

Mas, entre uma porta e outra do lado oposto do corredor ergo o olhar e observo Foxes fazer mais uma de suas vítimas: Ed dirige um pequeno, quase imperceptível, aceno de cabeça para ela e pronuncia um simples “Foxes, como vai?”, a resposta dela se encaixaria perfeitamente, desde que 1) Não fosse pronunciada por Foxes 2) Não fosse proferida no tom de superioridade de Foxes 3) Não fosse seguida do desvio óbvio que ela fez tomando como referência o corpo de Ed. O encanto bobo nos olhos dele não se prolongam muito, mas o sorriso se alarga enquanto ele bagunça os cabelos ruivos e entra na sala mais próxima, empurrando a superfície de madeira com os ombros.

“Acho melhor adotar os óculos que usava na sexta série, Sheeran”, tenho vontade de gritar, mas é óbvio oque eu realmente faço. Entro no laboratório e aceno para o professor na mesa antes de me sentar. Organizo meus materiais e as canetas de forma a ficarem lado a lado, separo o álcool e corante e abro a apostila que explica oque vamos fazer hoje. Abro Hannibal na página que parei na noite passada e passo os olhos em algumas linhas enquanto o sinal não toca.

Quando o som estridente finalmente ecoa pelos corredores guardo o livro e me aprumo na cadeira e sem perceber me pergunto se o suéter que escolhi hoje parece legal. Amarro o cabelo em um coque rápido apenas para evitar contato com Zedd quando ele entra atrasado na sala, sorrindo uma desculpa para o professor, que o deixa ficar. Ainda estou olhando para a cadeira quando ele se senta ao meu lado e as canetas tremem, se desajeitando. Apresso-me em organizá-las.

Ele joga a mochila em baixo da mesa e levanta o rosto, e só então percebe oque fez.

— Ops, precisa de ajuda com isso? – Olho pra ele, que agora tem um vinco entre as sobrancelhas. Aceno negativamente.

O professor diz oque temos que fazer e eu já misturo os ingredientes separados enquanto Zedd controla a temperatura, em alguns minutos já terminamos. Levanto a mão, sinalizando ao professor o fato. Ele apenas acena.

— Você não fala muito não é? - Demoro alguns segundos pra perceber que era comigo.

— Não tem muito oque se falar. – Murmuro, mas sei que ele escuta.

Zedd então se espreguiça e encosta-se à cadeira, eu pego Hannibal e continuo a leitura. Tão próximos e tão distantes, eu sei que estava mentindo,tem muitas coisas a serem ditas, mas... “Ele só estava tentando ser legal Lorde”, penso, e Hannibal também pensa na sua próxima vítima, até a aula acabar.