Será que eu mudei?
Se eu tivesse escolhido um caminho diferente,

Se eu tivesse parado e olhado para trás
O que eu vou ver?
No final desta estrada, onde você estará?

Road/Path - BTS

Quando Hoseok encontrou Yoongi teve vontade de lhe acertar o celular do próprio em sua cabeça, mas foi impedido por Seokjin que estava o acompanhando na busca. Quando Jin percebeu a intenção do mais novo ao vê-lo erguer a mão que segurava o celular, o mais velho rapidamente salvou um dos bens mais preciosos de Yoongi e impediu que o mais novo recebesse uma bela bronca do Min quando o mesmo acordasse - além de ter salvado também a cabeça de seu dongsaeng rabugento.

— Acorde ele enquanto eu mando mensagem para os meninos - pediu Jin enquanto tirava o próprio celular do bolso traseiro da calça. Hobi concordou com a cabeça se aproximando ainda mais do Min vendo o mais velho dormir angelicalmente em baixo daquela árvore. Se abaixou perto do rosto do garoto e ficou encarando-o por alguns segundos antes de finalmente tentar acorda-lo.

— Yoongi seu mendigo! O que diabos você está fazendo debaixo dessa árvore! - gritou Hoseok a plenos pulmões. Jin arregalou os olhos para o amigo, o mais velho olhou em volta completamente envergonhado notando que as poucas pessoas que caminhavam pelo campus agora estavam encarando-os.

O moreno que antes dormia tranquilamente em baixo da árvore - com a cabeça descansando sobre os próprios braços e seu corpo encolhido quase que em posição fetal -, ergueu a cabeça e abriu os olhos com o susto e um tanto confuso, mas assim que Yoongi compreendeu a situação tratou de demonstrar seu descontentamento pela situação franzindo o cenho em direção a Hoseok.

— Qual o seu problema, retardado!? Chegamos até a pensar que você tinha sido sequestrado, mas você esteve aí o tempo todo dormindo em baixo de uma árvore? - Jin se afastou alguns passos de Hoseok quando a voz do mesmo subiu algumas oitavas. - Percebe o quão idiota é isso? Quem em sã consciência dorme em baixo de uma árvore quando tem uma cama quentinha para aproveitar, Sr. Min Yoongi!?

— Primeiro, pare de gritar, eu estou bem aqui na sua frente não a vinte metros de distância... - resmungou Yoongi enquanto se sentava completamente desgostoso coçando os olhos para tentar afastar o sono. - Segundo, cadê o respeito pelo seu hyung? Não sei se você lembra, mas sou um ano mais velho que você, o mínimo que me deve é respeito e não me tratar como se tivéssemos a mesma idade; terceiro, o retardado aqui é você que está gritando como se fosse louco no meio do campus e quarto, que horas são e por que diabos vocês me acordaram?

— "Por que?", você some por mais de uma hora e vem me perguntar o "por que?", hyung? - berrou Hoseok dando ênfase no "hyung" fazendo movimentos amplos com os braços ignoram todos os comentários que o mais velho havia feito anteriormente. - Já faz um bom tempo que estamos te procurando e você ainda vem me perguntar o "por que?"

— Hobi, faça o favor de parar de gritar - pediu Jin ainda prestando atenção aos olhares estranhos que recebiam. - Não sei se você lembra, mas não somos as únicas pessoas aqui...

— Além de que eu estou aqui, vocês já me encontraram - completou Yoongi abrindo os braços indicando a si mesmo -, não seria mais fácil parar de reclamar e me falar o porque de estarem atrapalhando o meu sono?

— Vamos sair hoje a noite - respondeu Jin antes que J-Hope começasse a gritar novamente. - Queríamos saber se você vai querer ir também...

— Vão aonde? - perguntou Yoongi bocejando. Claro que estava sentido uma pontada de raiva por aqieles dois terem lhe acordado apenas para falar que iriam sair e quase os xingou por causa disso, mas se conteve ao ver que seu dongsaeng tinha os cantos de sua boca viradas para baixo indicando que estava irritado. Hoseok quase nunca ficava realmente irritado, mas Yoongi tinha plena certeza que Hobi iria voltar a berrar caso ele reclamasse de qualquer coisa naquele momento, então era melhor não abusar.

— Octagon - disse Jin dando de ombros fazendo Yoongi voltar a encara-lo. - Sabe as meninas que conhecemos hoje mais cedo? As brasileiras? Então, elas nos convidaram para acompanha-las hoje.

— Ah... - murmurou Yoongi pensando se deveria aceitar a oferta. Não estava nem um pouco a fim de sair, mas precisava dizer que também não queria perder a oportunidade de conhecer aquelas brasileiras; Suga não era muito fã de pessoas no geral, mas a cultura brasileira sempre lhe chamou a atenção, além de que, as garotas no Brasil eram bem mais bonitas do que na Coreia, isso era algo que ele podia garantir...

Hyungs! — imediatamente os três olharam em direção ao prédio 1 e viram Taehyung correndo em direção a eles. - Cheguei! - disse ele ofegante se apoiando nos próprios joelhos, tentando acalmar a respiração antes de se levantar e apontar a câmera do celular na direção que estavam Hoseok e Yoongi com o flash ligado para poder iluminar os dois. - Tudo bem, agora podem começar!

Os mais velhos o encararam com certa curiosidade e confusão estampadas em seus olhos.

Do que diabos ele estava falando?

— Começar o que exatamente? - perguntou J-Hope o encarando com a testa franzida.

— A bronca - respondeu Taehyung como se fosse óbvio, mas ao ver que seus hyungs estavam ainda mais confusos ele suspirou e tratou de explicar enquanto revirava os olhos por trás do celular. - Você não vai brigar com Suga hyung, Hobi hyung? Ele sumiu por bastante tempo...

— Já briguei com ele Taehyung - riu Hoseok se esquecendo completamente da raiva que sentia até um minuto atrás, não que isso tenha surpreendido seus hyungs já que todos os que o conheciam sabiam Hobi nunca conseguia ficar com raiva por muito tempo...

A simplicidade com que as palavras saíram da boca de J-Hope fizeram parecer que dar broncas em seu hyung não fosse nada, como se fosse algo de seu cotidiano. E de fato era.

— Ah! Eu perdi!? - exclamou Taehyung desanimado enquanto desligava a tela do celular. No final havia corrido todo aquele longo percurso até ali pra nada? - Vanessa vai ficar triste porque eu não vou poder mandar o vídeo para ela mais tarde...

— Vanessa? - questionou Jin com a ainda testa franzida, achava o nome familiar, mas não lembrava de onde...

— Sim, pelo que ela me disse é uma das garotas que vocês conheceram mais cedo na praça do centro - respondeu o outro Kim enquanto guardava o celular no bolso da calça.

— Ah, então você conheceu Nessa... - disse Hoseok com um singelo sorriso em seus lábios. Ele havia gostado mesmo da maknae, ela era o tipo de pessoa com quem ele gostava de conversar...

— Sim, ela é uma pessoa legal, é um pouco baixinha e tímida, mas ela gosta das minhas brincadeiras e também é bem engraçada... Ah é, ela quase amputou os próprios dedos quando nos conhecemos, isso também foi muito engraçado. - Taehyung soltou uma pequena risada ao lembrar dos acontecimentos anteriores sem perceber que seus hyungs estavam novamente o encarando confusos e talvez até mesmo um pouco preocupados com a revelação.

— O que você fez exatamente quando a conheceu, Taehyung? - perguntou Hoseok cauteloso.

— Como assim "o que fiz exatamente?" - perguntou o mais novo confuso. - Eu não fiz nada, hyung... - ele não sabia onde seu hyung queria chegar com aquilo.

— Como ela "quase amputou os próprios dedos" se você não fez nada? - perguntou Yoongi fazendo aspas com os dedos.

— Hum... - Taehyung parou para pensar por um momento. - Eu estava procurando por você no prédio 1, Yoongi hyung, e, quando cheguei no andar das salas de instrumentos, eu ouvi alguém tocando piano e a música...- TaeTae suspirou com um pequeno sorriso satisfeito no rosto fazendo seus hyungs o encararem ainda mais atentos. - Bem, a música era realmente bonita, então achei que poderia ser você, hyung, afinal você toca muito bem... Mas, quando entrei na sala gritando por você, percebi que estava errado e...

— Espera - pediu Yoongi fazendo um movimento de "pare" com a mão, Taehyung se calou imediatamente vendo o mais velho se levantar do chão. - Você apareceu lá gritando por mim?

— Sim - Taehyung concordou com a cabeça antes de franzir a testa com força como se estivesse tentando resolver um problema de matemática muito difícil. - Tudo o que aconteceu depois foi muito estranho...

— O que aconteceu depois? - perguntaram os outros três quase que ao mesmo tempo, V logo se animou em responder.

— Foi mais ou menos assim, eu gritei "Yoongi hyung!" e ela ficou tipo "AHHHHHH!" - ele tentou imitar um grito feminino fazendo Yoongi lhe lançar uma careta pelo barulho irritante, mas TaeTae não se importou com isso e apenas continuou sua "narração"—, ai eu fiquei "AHHHHH!". Ai ela pulou e o piano fez "Booom!" - ele fez um sinal de explosão com as mãos fazendo Jin e Yoongi trocarem olhares estranhos enquanto Hobi fazia uma careta como se não estivesse entendendo muito bem o que estava acontecendo -... e a tampa do piano quase caiu em cima dos dedos dela, ai ela ficou assim... - ele deu um pequeno pulo para trás encolhendo-se um pouco e fazendo uma careta de medo antes de voltar a posição normal encarando seus hyungs como se nada tivesse acontecido.

— E onde ela está agora, Taehyung? - perguntou Jin, com medo de que se procurasse a garota a encontraria na enfermaria. Ao menos não era Namjoon ali, talvez a garota realmente se machucasse apenas com a aparição repentina do mais velho, Rap Monster tinha esse poder sobre o mundo...

— Ah, ela está bem. - Taehyung fez um gesto de de desdém com as mãos. - Ficou na sala de instrumentos, disse que precisava matar a saudade da música ou algo assim, não entendi muito bem, mas sei que tem algo haver com o piano...

— Ah, então pelo menos essa daí é o tipo de garota que se arruma rápido - disse Hoseok sorrindo -, se não fosse ela provavelmente estaria no quarto agora escolhendo sua roupa.

— Na verdade ela me disse que não vai sair com a gente - murmurou TaeTae enquanto um pequeno bico se formava em seus lábios -, ela ainda é menor de idade então vai ficar aqui mesmo pelo campus.

— Ah, bem, não há muito o que possamos fazer quanto a isso... - disse Jin. - Vanessa é a mais nova delas e ela disse algo sobre não querer ir a um lugar como esse antes da maior idade quando estávamos voltando para cá.

— Se ela pode ficar então eu também não preciso ir, não é mesmo - perguntou Yoongi caminhando até Jin ao perceber que seu celular estava nas mão do mais velho e guardou o aparelho no bolço de sua calça em seguida.

— Acho que vai ser até melhor... - disse Jin pensativo. - Quer dizer, assim vamos ter mais espaço na picape...

— Então está resolvido - disse Suga enquanto se afastava do outros três em direção ao prédio de onde Taehyung havia vindo.

— Aonde vai, hyung? - pergunto Hoseok.

— Vou atrás da minha companhia de sábado anoite na sala de instrumentos, pelo que eu soube ela gosta de tocar piano - respondeu ele em um tom brincalhão sem se importar em olhar para eles ao responde. - Depois vocês me contam como foi o resto da noite...

— Acho que ele não vai com a gente, hyung – murmurou Hobi para Jin enquanto assistiam Yoongi caminhar calmamente em direção ao prédio 1.

— Você acha? – disse Jin ironicamente se virando para os dois mais novos enquanto tirava o celular do bolso.

— O que vai fazer? – perguntou Taehyung curioso.

— Avisar os outros que o Yoongi não vai – respondeu o mais velho enquanto desbloqueava o celular acessando o Kakao Talk encontrando duas mensagens de Namjoon lhe esperando. – O Nam avisou que vamos sair às onze e que queria todos nós já estivéssemos esperando no carro quando as garotas aparecerem.

— Nesse caso acho bom o Jungkook estar tomando banho nesse exato momento, porque eu não vou esperar quinhentos anos naquele carro por ele ter resolvido tomar banho em cima dá hora... – resmungou Taehyung para os outros dois, todos sabiam que Jungkook tinha a mania de demorar bem mais que o necessário no banheiro.

— TaeTae está certo – concordou Hoseok –, da última vez tivemos que esperar mais de 20 minutos por aquele maknae mal acostumado.

— Acho que Jimin pode cuidar desse pequeno problema para nós – disse Jin ao lembrar que os dois estavam ensaiando juntos alguns minutos antes.

— Puxa vida, Hobi hyung! – reclamou Taehyung de repente fazendo uma careta enquanto olhava em direção a J-Hope que lhe encarou confuso.

— O que foi? – perguntou o ruivo num tom preocupado.

— Você ainda não trocou a roupa do ensaio? – questionou o outro lhe olhando de cima a baixo com uma pequena careta ainda presente em seu rosto enquanto se afastava alguns passo do mais velho.

— Ah, pare de drama Taehyung! – brigou J-Hope. – Nem devo estar cheirando tão mal assim...

— Hum, acho que dessa vez o V-ssi tem razão, Hobi – disse Jin cobrindo seu próprio nariz após cheirar seu dongsaeng mais de perto.

— Parem de brincar – disse Hoseok batendo o pé no chão com força enquanto cruzava os braços emburrado. – Nem devo estar tão ruim assim...

Os outros dois observaram atentamente o garoto erguer um dos braços para poder sentir seu próprio cheiro antes de simplesmente se virar e caminhar para longe deles.

— Aonde vai Hyung? – questionou Taehyung curioso.

— Tomar banho...

·∞·∞·∞·

As notas delicadas começaram a atrair seus ouvidos assim que chegou perto da sala 8. Yoongi não conhecia a música que era tocada, mas conseguia perceber a técnica impecável da pessoa que a tocava apenas pelo som, conseguia sentia como seus dedos trabalhavam com rapidez e precisão, dançando pelas teclas como profissionais. Curioso, Yoongi abriu lentamente a porta podendo ver então a garota que à pouco procurava. Ela mantinha seus olhos concentrados nas teclas e vez ou outra fechava-os como se pudesse sentir melhor a música quando o fazia, de fato seus dedos estavam percorrendo as teclas com rapidez como ele pensava. Era incrível ver como aquelas pequenas e delicadas mãos conseguiam fazer tais movimentos com tanta facilidade, mesmo Suga, que já tinha anos de prática nas costas, ainda tinha certa dificuldade em fazer movimentos tão rápidos quanto aqueles.

Ainda tentando fazer silêncio Yoongi adentrou a sala calmamente, fechou a porta e se escorou nela, cruzando os braços e mantendo o olhar vidrado na garota. A música antes delicada começou a ganhar um tom mais forte quando Vanessa passou a tocar as teclas que emitiam um som mais grave. Suga não sabia explicar exatamente que tipos de sentimentos ela queria expressar com aquela música, pois, ao mesmo tempo em que ela lhe passava um sentimento feliz, também mostrava certa melancolia e dor que não podiam ser ignoradas, era algo estranho e novo para si sentir aqueles sentimentos misturados.

Vanessa estava concentrada na música, em manter o ritmo correto e tocar as notas certas. Diferente de todas as músicas que havia tocado anteriormente, aquela era uma composição inteiramente sua, na verdade havia sido uma das últimas sonatas que havia criado antes da morte de sua avó; lembrava de tê-la composto pouco depois de mais uma briga que teve com seus pais, eles haviam pegado os boletins naquele dia. Suas notas haviam sido boas, no mínimo dois pontos acima da média, mas aquilo não haviam sido bom o suficiente para eles, então os dois foram até ela e começaram a falar-lhe coisas que não precisavam ser ditas, disseram coisas que a machucaram e que fizeram-lhe sentir-se frágil, então Vanessa se encaminhou para a casa de sua avó, sentou-se em frente ao piano e começou a tocar. Não havia sido algo planejado, ela não tinha uma melodia em mente ou algo assim, as notas apenas começaram a surgir, uma a uma, juntando-se com outras e criando uma melodia nova. Havia ficado cerca de uma semana inteira focada naquela música, não conseguia concentrar-se em outra coisa se não em termina-la, mas seu final ainda estava um pouco incompleto, Nêssa sentia isso, principalmente quando o tocara novamente naquele momento.

Vanessa encarou as teclas que pareciam brilhar ainda mais do que da primeira vez que as vira e franziu a testa. Tocou novamente o final incompleto tentando pensar em como continua-lo; pegou uma das partituras que estavam guardadas em uma pequena estante ao lado do piano e um dos lápis que estavam ali á disposição de quem precisasse, concentrou-se em escrever no papel as últimas notas que tocara e se dispôs a tentar achar uma combinação melhor. Notas e mais notas foram tocadas, algumas mais graves e pesadas, outras mais agudas e delicadas, estava se esforçando muito para conseguir chegar em um final decisivo para aquela sonata.

Yoongi observava ainda de longe o que a mais nova fazia, se sentia tentado em ir lá ajuda-la, mais imediatamente reprimiu tal desejo, queria ver até onde ela conseguiria chegar sozinha, pois, a que tudo indicava, aquela sonata era de sua composição e isso apenas o deixava mais curioso, tanto para descobri o rumo que as notas tomariam, quanto para conhecer a verdadeira garota que estava por trás daquela composição.

Passaram-se vários minutos, talvez mais de meia hora, mas nenhum dos dois tinha noção do tempo naquele momento, ela estava concentrada de mais em seu trabalho e ele estava fascinado em vê-la trabalhar, mas o que realmente importava era que estava pronta. Vanessa respirou fundo e encarou a partitura sentindo seu coração bater mais rápido.

Ela estava finalizada!

A maknae sorriu e encarou as teclado novamente, estalou os dedos, um por um, se espreguiçou, movimentou a cabeça fazendo força nos músculos do pescoço ouvindo-o estalar também e posicionou novamente suas mãos sobre as teclas começando exatamente de onde havia parado a música.

As novas notas tinham um tom melancólico ao extremo, mas de alguma forma Yoongi conseguia sentir um segundo sentimento por trás disso, algum tipo de esperança também estava presente naquele tom. Ele não sabia explicar como apenas algumas notas poderiam fazer-lhe "sentir algo", talvez o rosto expressivo de Vanessa o estivesse ajudando a entender melhor o que ela queria passar com aquela música; era fácil perceber a melancolia que Yoongi ouvia no modo como ela franzia a testa, mas um leve sorriso se abria em seus lábios vez ou outra indicando a tal esperança ou felicidade da qual Yoongi pensava ter sentido com algumas daquelas notas.

Vanessa estava imersa de mais em sua música para perceber a presença do mais velho na sala, coisa que não teria acontecido em dias comuns, porém aquele não era um dia comum por diversos motivos, entre eles estava o fato de que ela estava tocando piano na Coreia, apenas aquilo já desviava totalmente aquele dia de sua definição de um dia comum...

Suas mãos começaram a diminuir o ritmo, a música estava chegando ao fim. Vanessa levou seus dedos a um dos estremos do piano, ouvindo as notas quase perderem completamente seu som antes de voltar a tocar as teclas que ficavam na parte do meio do instrumento. Apenas mais algumas notas foram necessárias para que a sonata finalmente chegasse ao fim, a maknae apenas manteve seus dedos no piano para prolongar a nota final o máximo possível.

Ela sorriu enquanto ouvia a nota diminuir de tom até que não fosse mais ouvida, Nessa pegou as partituras e as releu mais uma vez sentindo seus olhos se encherem de lágrimas. Não sabia explicar o que estava sentindo naquele momento, era uma mistura de felicidade e tristeza já comum em seu cotidiano. Vanessa lembrava bem do dia em que havia tocado aquela sonata para sua avó, lembrava também de como a mais velha disse que estava orgulhosa por seu progresso, naquele dia Vanessa prometeu a sua avó que escreveria um final para a sonata e dona Tereza falou que esperaria ansiosa por aquilo. Depois de quase dois anos ela finalmente conseguira cumprir sua promessa, o problema era que sua avó não estava mais ali para orgulhar-se dela e dizer-lhe palavras doces e incentivadoras, ela havia demorado de mais...

Uma lágrima escorreu pelo canto de um de seus olhos e Vanessa apressou-se em seca-la, não iria chorar naquele momento, não mesmo.

— Quando Taehyung me disse que você tocava bem não pensei que fosse tanto... - disse o mais velho ainda encostado na porta.

Vanessa imediatamente virou o rosto em direção a porta da sala em um sobressalto, mas respirou fundo e começou a tentar se acalmar quando viu que era apenas Yoongi.

— Sunbae! Você me assustou... - disse ela abaixando levemente o olhar para o chão sentindo-se um pouco encabulada com o comentário anterior do mais velho - E-Está aí a muito tempo?

— Bem... Acho que cheguei no meio da sonata - disse ele se aproximando do piano e acariciando levemente a madeira lisa do instrumento.

— Esteve me observando enquanto eu estava compondo? - perguntou ela em tom baixo franzindo o cenho em confusão. As mãos de Yoongi pararam de se mexer de repente e ele passou a encara-las .

— Isso soa um pouco estranho, não? - ele riu baixo de forma anasalada enquanto franzia a testa - Acho que a música me fascinou o suficiente para que eu ficasse em pé encostado naquela porta em completo silêncio por tanto tempo...

A mais nova corou. Então ele realmente esteve ali a observado todo aquele tempo?

— Acho que isso soa até mesmo um pouco psicótico... - sussurrou ela mais para si mesma do que para ele, mas Yoongi a ouviu com clareza fazendo-o soltar um riso soprado.

— Soa mesmo - precisou concordar. - Mas não se preocupe, não vou te sequestrar nem nada do tipo...

— Que bom - ela sorriu levemente.

— Posso me sentar com você? - perguntou ele apontando para o banco em que Nêssa estava sentada. A mais nova demorou alguns segundos para raciocinar as palavras dele, mas logo foi um pouco mais para o lado dando um espaço maior para que o mais velho.

Yoongi sentou-se ao lado da garota e olhou com curiosidade para a partitura que a mais nova havia usado, Vanessa sentiu o rosto esquentar novamente ao lembrar que não havia guardado o papel.

— Ela é realmente bonita - disse ele posicionado as mãos sobre as teclas e tocando algumas das notas que estavam escritas na partitura antes de voltar a encarar a mais nova.

— Obrigada, Yoongi sunbae - disse em um quase sussurro e Suga sorriu com a visão das bochechas rubras de Vanessa, nunca havia encontrado alguém que corasse com tanta facilidade...

— Sunbae? Até algumas horas atrás você estava me chamando de oppa— disse ele num tom brincalhão tentando fazê-la sentir-se mais a vontade. Infelizmente estava falando com Vanessa Figueiredo e, sentir-se a vontade durante uma conversa com um - quase - estranho, não era algo normal para ela.

— Ah, bem... - Nessa sentiu suas orelhas esquentarem também. - Sinto muito por aquilo, eu não estou muito acostumada com as formalidades como sunbaenim ou sunbae, fui muito informal naquele momento e nem o conhecia direito. Desculpe sunbae, prometo que não vai se repetir...

— Me chame de oppa - falou simplesmente começando a brincar com algumas teclas do piano sem se importar em encarar a mais nova.

— O-O que? - perguntou desconcertada o encarando com a testa franzida.

— Gosto de ser chamado assim - ele deu de ombros parando de tocar para encara-la. - Além de que, ser chamado de oppa também me faz sentir respeitado e, apesar do termo correto realmente ser "sunbae", se você me chamar de "oppa" podemos nos tratar como amigos, certo?

— Nós somos amigos? - perguntou surpresa.

— Não quer ser minha amiga - perguntou ele em um falso tom de indignação.

— N-Não foi isso que eu quis dizer sumb... Oppa! - apressou-se em se corrigir enquanto fazia movimentos rápidos com as mãos. - É que... Nos conhecemos hoje, e e-eu não sabia se você já me considerava como sua amiga.

O mais velho riu do desespero da garota.

— Estou brincando - disse com um sorriso no rosto. - Se você quiser, seremos amigos. Mas que fique claro que você me chamar de oppa é essencial para que tenhamos uma boa relação, não gosto muito de ser chamado de sunbae por meus amigos, acho informal de mais, mas, como não temos a mesma idade, oppa está bom pra mim.

— Ah... Tudo bem - ela sorriu e lhe estendeu a mão. - Então... Chingu*, certo?

— Chingu! - concordou Suga apertando sua mão, devolvendo o sorriso da mais nova com o seu melhor gummy smile.

— Aish! Oppa... - resmungou a garota soltando-se do aperto de Yoongi para então cobrir o rosto com as duas mãos ao sentir seu rosto corar novamente.

— O que houve? - perguntou Yoongi confuso.

— Não sorria assim! - disse sem tirar as mãos do rosto ainda desconcertada.

— Assim como? - ele perguntou sem conseguir se impedir de sorrir levemente apesar de ainda estar um tanto confuso.

— Seu sorriso é muito fofo e me deixa envergonhada... - a mais nova tirou as mãos de suas bochechas e Yoongi pode apreciar a visão delas voltando lentamente a cor normal.

— Meu sorriso lhe deixa envergonhada? - questionou surpreso, como um simples sorriso, que muitos consideravam até mesmo doce, poderia deixar uma pessoa envergonhada?.

— A-Ah, bem... - Vanessa desviou o olhar para as teclas do piano sem saber o que dizer, percebendo a situação da mais nova Yoongi pigarreou e se apressou em mudar de assunto.

— Ao que parece seus dedos estão inteiros... - comentou em um tom brincalhão. Vanessa o encarou confusa e Yoongi tratou de lhe explicar. - Taehyung comentou sobre o pequeno incidente de mais cedo quando nos encontramos agora a pouco. Você está bem mesmo, não é?

— Ah... Sim, estou - ela riu ao lembrar do que havia acontecido em seguida mostrando ambas as mãos para o mais velho. - Ainda tenho cinco em cada mão, está vendo?

— Sim, sim - o outro riu. - Nos assustamos bastante quando Taehyung falou sobre o que aconteceu, quer dizer, ele aparece do nada falando de uma possível amputação então foi impossível que nós não pensássemos no pior...

— Nós? - repetiu Vanessa com a testa levemente franzida em confusão.

— Estávamos com Jin hyung e Hobi, foram eles que me encontraram hoje - o mais velho deu de ombros. - Pelo que eu entendi você soube do meu "desaparecimento" - explicou ele fazendo aspas com os dedos.

— Sim, eu soube - respondeu ela fechando a tampa das teclas do piano para poder apoiar seus cotovelos ali enquanto ria levemente ao lembrar das palavras de Taehyung quando ele soube que haviam encontrado seu hyung. - Te encontraram em baixo de uma árvore, não foi?

— Na verdade sim - ele deu de ombros. - Em minha opinião não há nenhuma regra falando sobre quando e onde se pode dormir!

— Concordo plenamente - ela sorriu e em seguida olhou seu relógio de pulso vendo as horas, quase nove, as meninas sairiam em mais ou menos duas horas. - Você... Não vai sair?

— Esta me expulsando? - perguntou confuso, ele realmente achava que os dois estavam se dando bem, havia dito algo errado.

— Não, não, oppa! Não é nada disso! - Se apressou em dizer virando o corpo em direção ao mais velho, deixando uma de suas pernas dobradas sobre o banco no espaço que havia entre ela e Suga - É que... As meninas não convidaram vocês para sair? Para ir à Octogon?

— Ah, sim - ele concordou em em seguida soltou um longo suspiro enquanto cruzava os braços. - Convidaram, mas eu não quero ir, estou com preguiça...

— Diz o homem que dormiu durante a longa viajem de volta ao campus e logo em seguida capotou em baixo de uma das árvores daqui por mais de uma hora! - acusou ela em um tom divertido cruzando os braços também.

— Yah, eu estava cansado! - defendeu-se ele enquanto ria. - Ainda estou um pouco, pra falar a verdade, mas ainda não vou conseguir dormir, fui acordado duas vezes hoje e se houver uma terceira vez tenha certeza de apenas uma coisa, alguém vai morrer!

— Que cruel, oppa - ela riu.

Deus, até sua risada era fofa, como isso era possível?

— Acha que estou brincando? - perguntou ele em um tom sério se inclinando levemente em direção a mais nova - Pergunte para qualquer um dos meninos...

— Desse jeito você vai assusta-la, hyung... - uma segunda voz masculina foi ouvida pela sala, ela tinha um tom bem mais doce e infantil do que a de Yoongi. Os dois imediatamente olharam em direção a porta vendo Park Jimin parado ali com o que parecia ser um copo de café na mão.

— Mas diga se não é verdade, Jiminnie - falou Yoongi ao ver seu dongsaeng.

— Sim, é verdade, mas Vanessa não precisava saber disso... - respondeu o outro ainda se enrolando um pouco ao falar o nome de sua nova dongsaeng enquanto ria, ao adentrar a sala lentamente se aproximando dos dois.

— O que faz aqui? - perguntou o mais velho.

— Vim passar o tempo - o Park deu de ombros sorrindo para então começar a resmungar. - Vou sentir sua falta quando formos hyung. Hoje é dia de improvisação na Octagon, faz bastante tempo que não vejo você improvisando em cima do palco, sinto falta disso...

— Quem sabe outro dia Jimin-ie - respondeu Yoongi rindo quando o outro parou em frente ao seu hyung e lhe estendeu o copo de café, copo esse que o mais velho pegou prontamente, na maior boa vontade.

— Aish hyung, você vai me deixar ir pra lá sozinho? Sabe que não gosto de ficar sozinho! - Jimin espremeu os olhos e cruzou os braços de um jeito fofo, tanto que Vanessa pode ouvir um coro de "own's" em sua cabeça.

— Você não vai ficar sozinho Jimin-yah, os outros vão com você. Além de que você vai estar dançando com Hobi e os maknaes logo depois do primeiro copo, então não se preocupe - disse Yoongi dando de ombros enquanto provava o café soltando um grunhido feliz em seguida. - Ah, como eu estava com saudade desse café!

— Gostou? - perguntou o outro sorrindo ao receber mais um resmungo feliz do mais velho - Comprei naquela cafeteria que você gosta.

— Jimin, você é de mais - Yoongi sorriu antes de tomar mais um gole do café.

— Ah, meu Deus, que fofos. - Vanessa soltou e em seguida sentiu as bochechas corarem ao perceber que havia falado aquilo em voz alta e receber os olhares confusos que os mais velhos lhe lançavam fazendo-a se amaldiçoar internamente - A-Ah, m-me desculpem, eu não queria atrapalhar... É-É só que... Vocês são muito fofos juntos, sério!

O quê? - os dois falaram ao mesmo tempo e arregalaram os olhos, em seguida trocaram um olhar bem significativo antes de começarem a rir deixando a mais nova sem reação.

O que diabos estava acontecendo?

— Nós não estamos juntos! - explicou Jimin ainda entre risos - Não somos gays!

— Oh, eu... Eu sinto muito - disse ela desconcertada sentindo suas bochechas corarem pelo que parecia ser a vigésima vez apenas nos últimos trinta minutos.

— Tudo bem... - Yoongi parou de rir e tomou fôlego - Não entenda errado, Jimin é o mais próximo de mim entre todos os meninos e nós até temos algumas brincadeiras que podem ter um sentido diferente do seu ponto de vista, mas nós não estamos junto! Não mesmo...

A garota se levantou do banco ficando de frente para os dois e se curvou falando "desculpe" novamente, estava se sentindo realmente muito envergonhada.

— Não, tudo bem - disse Jimin puxando o ombro de Vanessa para que ela ficasse ereta novamente em seguida se aproximou um pouco dela para poder cochichar. - Mas vou ser sincero, hyung não seria meu tipo nem se eu realmente fosse gay.

— Por que diz isso? - perguntou Vanessa em tom baixo também. Tudo bem que havia acabado de conhecer Yoongi, mas ele havia sido tão fofo e divertido com ela que, em sua opinião, Min Yoongi poderia muito bem ser o tipo ideal de todo mundo!

— Hyung é um pouco rabugento, eu iria preferir alguém mais fofo... - o garoto fez uma careta e em seguida riu.

— Só para constar, eu estou ouvindo! - Resmungou Yoongi fazendo os outros dois rirem ao repararem que ele tinha o cenho franzido em direção ao mais novo.

— Ah, hyung, você sabe que é meu hyung preferido, não sabe? - disse Jimin se aproximando para abraçar o mais velho.

Saia daqui!— resmungou Yoongi fazendo careta e empurrando o Park para longe ainda "magoado" pela brincadeira de mal gosto, mas ao fazer isso Jimin acabou batendo na mão em que Suga segurava o copo de café fazendo com que a tampa de plástico saísse causando um pequeno desastre quando todo o conteúdo do copo voou em direção a pessoa que estava bem em frente à Yoongi.

— Vanessa, me desculpe! - pediu Jimin que havia se afastado de Suga para olhar o estrago que haviam feito na mais nova.

— Tudo bem... Eu... - ela olhou para seu moletom azul bebê vendo a mancha que ia desde a gola do mesmo até mais ou menos o meio de sua barriga, Nêssa fez uma pequena careta ao pensar na possibilidade de o moletom poderia ficar manchado pelo resto de sua existência e em seguida tremeu levemente de frio ao sentir o ar gelado entrar pelas janelas abertas da sala - E-Eu acho melhor ir me trocar...

— Sim, antes que pegue um resfriado - concordou Yoongi se erguendo do banco e dando um peteleco na testa de Jimin - Tome mais cuidado da próxima vez!

— Aish, hyung! - resmungou o mais novo esfregando o lugar atingido, ficaria vermelho. - Eu já pedi desculpas.

— Você pediu desculpas a ela mas e a mim? Foi o meu café que você derrubou! - acusou o outro em um tom mais rude cruzando os braços em seguida. - Além disso não vai ser um pedido de desculpas que vai lavar a roupa dela, muito menos me comprar um café novo!

— Está tudo bem, oppa - a mais nova sorriu tentando amenizar a situação enquanto se aproximava do piano novamente pegando as partituras que havia usado e guardando o celular em seu bolso, junto com os fones. - Veja pelo lado bom, estou cheirando a café e esse é o melhor cheiro do mundo!

— Contra fatos não há argumentos - Yoongi sorriu tentando realmente se acalmar para não pular no pescoço de seu dongsaeng. Não queria ser rude perto de Vanessa, ao menos não sem prepara-la para conhecer aquele lado seu, não gostaria de ver a maknae se afastar por medo do seu lado mais arisco, não que Min Yoongi fosse de fato assustador, mas Vanessa transmitia uma aura tão infantil, delicada e inocente que Suga tinha medo de assusta-la ao menor movimento.

— Eu volto logo - a garota sorriu uma última vez antes de se retirar da sala em direção ao seu dormitório.

— Ela é muito fofa - Jimin disse sorrindo.

— Sim, sim - Yoongi concordou sentando novamente em frente ao piano e erguendo a tampa de cima das teclas novamente. - Nem mesmo eu posso discordar disso.

— O que vamos fazer enquanto ela não volta, hyung? - perguntou Jimin encarando seu hyung em dúvida.

Eu vou ficar aqui e esperar, já você vai comprar outro café pra mim - ditou Yoongi olhando para Jimin.

— Mas, mas... Hyung! - protestou o Park fazendo careta e batendo seus pés no chão como uma criança birrenta.

— Nada de "mais"! - falou Yoongi puxando sua carteira do bolso da calça e entregando dinheiro ao seu dongsaeng. - Você jogou fora, você compra outro!

— Eu odeio você! - resmungou o mais novo enquanto se viravam em direção a porta que minutos antes Vanessa havia atravessado mantendo um bico em seus lados carnudos.

— Eu sei - Yoongi riu enquanto se virava novamente para o piano.

·∞·∞·∞·

Vanessa estava de volta ao seu quarto, havia entrado com rapidez e trancara a porta para que pudesse se trocar em paz. Tirou o moletom do corpo e correu até seu baú pegando a primeira coisa em que havia batido os olhos, era um moletom preto com a logo do grupo Monsta X na frente e o nome do membro I.M nas costas. Vanessa pegou a peça de roupa, mas antes mesmo que pudesse começar a se trocar, seus olhos se encontram com o seu próprio reflexo no espelho comprido que ficava em uma das paredes de seu quarto e fazendo-a ficar estática por alguns segundos.

As marcas estavam por todo seu corpo e apenas a visão delas já lhe causavam arrepios, principalmente as mais fortes que ficavam em suas costas e coxas. De repente Vanessa sentiu uma imensa vontade de chorar. Era o seu reflexo ali no espelho, mas, ao mesmo tempo, ela sentia como se a pessoa que estava ali, encarando-a de volta, não fosse mais ela mesma, como se alguém houvesse feito um clone defeituoso de si.

Vanessa deixou o moletom em cima da cama e se aproximou mais do espelho encarando seu corpo com cuidado, ela tocou levemente uma das marcas que ficavam perto de seus seios e sentiu um pequeno choque percorrer todo o seu corpo. As marcas já tinham ganhado uma coloração esverdeada e algumas já estavam até mesmo sumido pouco a pouco - coisa que deixava Vanessa um pouco mais aliviada -, mas, considerando que já havia se passado quase que duas semanas, o esperando era que todas elas já tivessem desaparecido de seu corpo por completo á muito tempo...

Vanessa suspirou ao sentir aquela sensação ruim novamente, como se ainda tivesse um corpo em cima do seu prendendo-a contra a cama, como se ainda tivesse alguém machucando sua pele antes imaculada. Sentiu a tremedeira voltar e sua respiração se acelerar, seus olhos se embaçaram e ela se sentou em frente ao espelho quando suas pernas deram o primeiro sinal de fraqueza. De todas as coisas ruins que poderiam ter lhe acontecido, aquela sem duvidas havia sido a pior...

Por ter uma boa memória, Vanessa lembrava com detalhes de cada época de sua vida.

Sua relação com seus pais não era das melhores, havia se dado conta da diferença de tratamento que existia entre os que eles davam para sua irmã e os que davam a ela quando tinha cerca de 11 anos, mas isso já vinha acontecendo a bastante tempo. Foi difícil aguentar aquilo calada naquela época, sua ingenuidade não a deixava ver como as pessoas poderiam ser cruéis sem motivo e, mesmo que ainda doesse, agora ela entendia que não era sua culpa que eles a maltratassem tanto. Mas, por causa disso, Vanessa sabia na pele como viver a vida sem apoio e amor materno e paterno era algo extremamente ruim e mesmo agora ela ainda se perguntava o que poderia fazer para mudar o modo como seus pais a viam.

Mas tudo piorou ainda mais quando, 4 anos depois, seu melhor amigo se suicidou. Ian havia sido seu ponto seguro por muito tempo e Vanessa sabia dos problemas que ele tinha em casa. O pai de Ian era um alcoólatra idiota que costumava bater em sua mulher quando a mesma tentava expulsar as vadias que ele costumava levava para casa quase todas as noites após uma boa farra, mas a mãe de Ian não deixava seu pai por medo de acabar com o filho na rua. Lorena havia engravidado ainda muito jovem e sua família a rejeitou por conta disso, então ela não tinha para onde ir e preferia mil vez apanhar de um bêbado traidor à acabar com a vida do próprio filho. Mas ela não entendia que, por deixar que seu filho vivesse em um ambiente como aquele, ela também estava sujeitando-o a receber consequências que sequer deveriam ser destinadas a ele.

Ian começou a ser violentado pelo pai aos 12 anos, o mais velho não media esforços para machucar seu único filho de diversas formas. Aos 14 anos, Ian já tinha diversas cicatrizes grossas marcadas em sua pele depois de anos sofrendo em silêncio.

Quando soube o que seu amigo havia feito com sua própria vida Vanessa sentiu seu mundo parar. Ian era seu confidente de anos, assim como ela era a dele, ele havia levado consigo segredos que Nêssa nunca havia compartilhado com mais ninguém e ela ainda guardava segredos que agora eram tratados como lembranças.

Aquela foi a primeira vez que Vanessa se sentiu ruir. Ás vezes ela ainda se culpava pelo acontecido apesar de saber que não tinha como ser sua culpa, mas Nêssa se perguntava constantemente se poderia ter sido diferente caso ela tivesse feito mais e se importado mais, será que ele ainda estaria ali? Será que ainda seriam amigos? Mas ela não tinha como saber...

Menos de 3 meses depois foi a vez de sua avó. Vanessa havia acabado de fazer 16 anos e, sem sombra de dúvida, a pior parte foi ela ter visto o que aconteceu com seus próprios olhos; ela lembrava de ouvir a mais velha reclamar de mal estar, lembrava de vê-la cair no chão a sua frente e sua pele empalidecer enquanto Vanessa gritava por ajuda e ligava para a ambulância, mas era tarde de mais, estava feito. Sem poder fazer nada Vanessa viu sua avó desfalecer e sua frente.

Ela havia perdido duas pessoas durante o primeiro trimestre daquele ano.

Mas o pior ainda estava por vir.

Vanessa soltou um pequeno soluço com a lembrança dolorosa que havia lhe atingido, ela então olhou para o próprio corpo e sentiu nojo de si mesma. Nêssa sofria muito com sua baixa autoestima há muitos anos, ela tinha a mania de chorar ao se olhar no espelho quando estava sozinha, ela odiava seu corpo, odiava a si mesma, mas tudo havia piorado ainda mais no finalzinho do ano anterior. Apesar de suas amigas terem uma pequena noção do verdadeiro problema que rondava a cabeça da maknae elas não sabiam da historia toda, a verdade era que ninguém sabia já que ela nunca falava sobre o que havia lhe acontecido junto com o fim de seu namoro com Luan. Ele havia á machucado de todas as formas que pôde, mas ela nunca falou sobre marcas que ele havia lhe deixado com ninguém, fossem as físicas, ou mesmo as emocionais...

Aquela noite ainda aparecia em seus piores pesadelos.

Luan a violou de todas as maneiras possíveis naquela noite e ela não teve coragem de falar sobre aquilo com ninguém, se sentia humilhada de mais, suja de mais e, apesar de saber que o certo era relatar o que havia lhe acontecido para suas amigas, ou qualquer pessoa que pudesse ajuda-la, ela se calou, não disse nada sobre o assunto, escondeu tudo, a dor, as lágrimas e as marcas que ainda existiam em seu corpo apesar de já terem se passado duas semanas desde aquele dia.

Aquele maldito dia.

Nessa nunca havia sido muito fã de usar roupas curtas ou transparentes, apesar de não se importar tanto em usa-las antes, mas sua pele branca e sensível apenas contribuiu para que as manchas ficassem mais tempo em seu corpo deixando-o cheio de marcas desde o início de suas coxas, subindo por sua barriga, seus seios, seus braços e descendo por suas costas, mas o que mais lhe afligia não era algo realmente visível a olho nu. Luan a invadira intimamente, a tocara em lugares que ela não queria ser tocada e, ter passado por isso, ter vivido aquele momento, fez sua baixa autoestima literalmente pular de paraquedas, só que sem o paraquedas. O que aconteceu naquela noite fez Nêssa sentir-se inútil por não ter sido capaz de se proteger de um ser tão asqueroso e repugnante quanto aquele garoto, ela ainda não acreditava que havia sido idiota o suficiente para ter confiado nele mesmo que já tivessem mais de um ano de namoro, mas já era tarde de mais. Ele havia tirado tudo de si, incluindo sua maior prova de inocência e pureza.

Vanessa tinha a respiração entrecortada e ela precisou se forçar a respirar direito e tentar se acalmar. Nessa olhou para o teto e começou a controlar suas emoções e seus pensamentos, não podia ter uma crise de pânico bem ali. Quando se sentiu melhor, secou as poucas lágrimas que permaneciam em seus olhos, levantou do chão, caminhou até a cama e vestiu seu moletom cobrindo todas as marcas que ainda estavam a mostra. Ela pegou o moletom sujo de café, dobrou-o calmamente e o colocou sobre o baú para lembrar-se de lava-lo depois. Nêssa precisou pentear os cabelos novamente antes de se olhar no espelho novamente e dar-se por satisfeita, melhor que aquilo não iria ficar...

A maknae caminhou até a porta a passos lentos, destrancou-a e saiu do quarto desligando as luzes antes de caminhar a passos calmos em direção a escada do prédio para que pudesse em fim voltar para a sala de instrumentos e se reencontrar com Yoongi e Jimin que ainda deverian estar lhe esperando. Como se nada tivesse acontecido...

É interminável, mesmo se eu tentar fugir
Eu caí em uma mentira

Pego em uma mentira
Por favor, encontre o eu que era inocente
Eu não consigo fugir de dentro dessa mentira
Por favor, devolva o meu sorriso

Pego em uma mentira
Liberte-me desse inferno
Eu não consigo escapar desse sofrimento
Por favor, salve o eu que está sendo punido

Lie - Jimin