Quando adentraram no quarto de Amy, nem Dan nem Ian esperavam ver o que viram.

Amy estava sentada no chão, aos pés da cama, encolhida como se fosse uma bola. Fitava a parede em sua frente séria, e sua aparência parecia quase febril. Ian agradeceu em silêncio por não haver uma poça de sangue ao seu lado, não só pela garota mas também por Dan. O garoto parecia muito transtornado ao ver a irmã daquele jeito, se a tivesse visto do mesmo jeito que Ian a viu, talvez não houvessem mais Cahill sãos para contar a história.

Não que Ian achasse que Amy estivesse louca, mas certamente bem não era uma palavra aplicada nesta situação.

— Amy! — Dan saiu quase correndo para se ajoelhar ao lado da irmã, sua mão voou para a testa da ruiva, afim de checar a temperatura. Ian ficou parado no ao lado da porta, até perceber que era melhor fechá-la para ninguém mais vê-la naquele momento.

As palavras de Isabel ainda estavam em sua cabeça. A mãe havia ligado na noite anterior para saber como as coisas iam, e não pareceu muito satisfeita ao ouvir sobre o testamento compartilhado. Ela falou para Ian “dar um jeito”, mas Ian simplesmente não sabia o que fazer. Ele não entendia por quê raios não conseguia “dar um jeito” da mesma forma como dera em todas as outras garotas que Isabel queria que ele “desse um jeito”. Fazia elas se apaixonarem por ele, concordarem em tudo que ele dizia, fazerem tudo que ele pedia e dava o fora antes que as coisas ficassem complicadas demais. Era sempre assim. Era assim que Isabel queria que as coisas fossem. Então era assim que as coisas eram.

Até Amy aparecer do nada, com sua pilha de problemas não resolvidos e um jeito que fazia Ian praticamente enlouquecer.

Mesmo naquele estado nada bonito de seu dia ela era, sem sombras de dúvidas, a garota mais bonita que Ian já vira. Os cabelos ruivos e lisos caiam sobre seus ombros, alguns tapando sua face. O pijama listrado, azul e branco, era de mangas longas com botões na frente, exatamente aquele tipo de pijama que Ian via em filmes americanos. O rosto brilhava com aquele suor febril, enquanto seus olhos verde jade fixados no que Ian percebeu agora ser um espelho “de corpo inteiro” (como ouvia Natalie falar milhares de vezes) e não somente a parede como ele havia achado anteriormente.

Olhando para o reflexo de Amy no espelho ele conseguiu capturar seus olhos. Os olhos da ruiva se arregalaram e, mais rápido do que qualquer um dos dois rapazes no recinto poderiam pensar, ela estava de pé.

— Dan... — Amy falou, parecendo perceber a presença do irmão ajoelhado só agora. — O que está acontecendo, Dan?

A garota lhe lançou um breve olhar, um olhar que Ian não conseguiu interpretar. Dan se levantou e parou ao lado da irmã.

— Eu que pergunto, o que houve? — Ele segurou as duas mãos dela com gentileza, mas Amy as puxou para longe. Ian lembrou que ela não gostava de ser tocada com um certo ressentimento no pensamento. — Você está doente? Quer que eu chame um médico? Quem sabe Alistair...

— Não, não! — Amy berrou, fazendo ambos se retraírem. — Quer dizer, sinto muito. — Pediu fraca, a voz tão baixa como um sussurro. — Eu sinto muito... Podemos conversar sobre isso... Ahn, depois? Eu preciso de um banho e ainda temos os jogos com os Holt... Céus, que horas são?

Dan olhou para Ian perdido. Parecia que a sua irmã havia acabado de acordar de um transe, agindo daquela maneira como se todos os problemas do mundo fossem os Holt e o jogo e não o fato dela estar sentada como uma doente poucos segundos atrás.

Ian sabia que era melhor não pressionar Amy. Ele sabia que ela não queria lidar com aquilo. Ele pensou que estava a protegendo e talvez fazendo ela gostar um pouquinho mais dele quando disse:

— Vamos, Dan, sua irmã precisa de espaço. — Ele pegou o louro pelo braço, levando-o até a porta. — Mas eu não acho que seja uma boa ideia a senhorita jogar, Amélia.

— Certamente esse pensamento é equivocad...

— Não, Amy, eu também acho que talvez seja melhor até cancelar... — Dan tentou argumentar, mas pela face de Amy a decisão já estava tomada.

— Daniel, Ian, eu agradeço a preocupação, mas estou plenamente capaz de uma partida de futebol. — Ela tentou dar um pequeno sorriso, mas Ian não se deixava enganar pelos falsos sorrisos da ruiva, e acreditava que Dan também não. Estava escrito nos seus olhos o quão mal ela estava. — Agora, eu só preciso de alguns pequenos minutos no meu chuveiro, vocês podem sair, por favor?

Bleeding Out

Quando os últimos pingos de sangue foram levados pela água, Amy relaxou.

Ela odiava fazer aquilo. Não lhe dava prazer algum ou qualquer coisa do tipo, mas aliviava a sua alma lotada de problemas.

O ato de se cortar sempre foi algo menosprezado por ela. A dor física nunca superava a dor emocional, não importava o que ela fizesse. Mas em momentos onde nada mais bastava, tentar retirar um pouco de seu sangue parecia ajudar a clarear seus pensamentos.

Ian Kabra tinha lhe visto novamente em um situação complicada demais para se explicar.

Como se já não bastasse uma vez, mas é claro. Ela deveria superar o medo de trancar a porta e passar a trancá-las. Mas só este pensamento foi o suficiente para deixá-la levemente paranoica.

E para melhorar, Dan estava junto dele.

Daniel nunca havia visto uma única cena destas, ela sempre se esforçara para evitar isto. Ela não aguentava aquilo tudo. Não aguentava nem mesmo a ideia de que Dan sentia repulsa dela.

Ele era especial demais para ver aquilo.

E ele vira.

Amy estava tendo sérios problemas para lidar com este fato.

Antes de retirar mais de seu próprio sangue, a garota lutou contra a vontade de ficar no chuveiro, desligando-o e buscando por sua toalha no momento seguinte.

Ela sabia o que aconteceria se ficasse ali. Iria se punir. Se punir por não ser a irmã que Dan merecia. Por não ser a concorrente adequada que Ian deveria ter. Por todas as coisas erradas que já fizera em toda a sua vida.

Mas contra tudo e todos, Amy conseguiu sair daquele banheiro quente pela água do chuveiro.

E mesmo que isso pareça pouco, foi uma grande vitória para a garota.