Sinead Starling era uma das garotas que Amy mais gostava no mundo.

Isso mesmo, gostava, no passado. Amy não tinha capacidade nem de manter a relação com o próprio irmão, quem dirá com uma antiga amiga.

Sinead e Amy cresceram juntas já que os pais de Sinead eram grandes empresário do ramo tecnológico, e também grandes amigos de Hope e Arthur. As duas garotas eram amigas desde pequenas, e tinham muito, muito mesmo, em comum.

Passando dos cabelos vermelhos e olhos claros até o fato das duas serem as herdeiras de dois grandes impérios feitos pelos pais, ah, e as duas tinham irmãos mais novos para azucriná-las.

Sinead era irmã que Amy nunca teve. E não estava pronta para voltar a ter.

— Quanto tempo, mon amour! — Sinead falou, sentando-se na cadeira recém colocada para ela à mesa dos quatro. Dan observava Sinead com se fosse um estranho-conhecido, ao passo que Natalie estava encantada com a garota – ou talvez com a bolsa dela – e até mesmo Ian se aproximará para ver quem era a garota alegre e que se dirigia a Amy de maneira tão afetuosa. — Odeio dizer isso, Amélia Cahill, mas pensei que estivesse morta!

Amy observou Sinead por alguns segundos. A verdade é que não se falavam desde a morte de seus pais, há sete anos. E Amy, ao observar o rosto de Sinead, lembrou do sobrenome no testamento de seus pais. “Deixamos esse documento nas mãos de: Caleb John Starling.” Seria esse o pai de Sinead? Ela sempre o chamara de tio, embora nunca tenha sido de fato seu tio, quando menor e agora simplesmente não conseguia lembrar-se.

Seria certo falar sobre isso na primeira vez que via Sinead em sete anos? A garota saberia sobre o que ela estaria falando? E outra, poderia ela revelar o sobrenome de Sinead na frente dos Kabra?

Então o que fazer?

— Sinead, o tempo lhe fez bem, minha irmã. — Decidiu falar por fim Amy, sorrindo docemente como uma garotinha, e dando ênfase na palavra “irmã”, rezando para a garota não falar nada que lhe comprometesse. A garota ruiva conseguia sentir a vertigem chegando em seu estômago, mas não poderia desmoronar na frente dos Kabra.

— Posso dizer o mesmo de você, ma petit — os azuis olhos espertos de Sinead brilhavam levemente com o brilho da inteligência que a mesma sempre possuíra. Um minuto analisando as expressões de Amélia Cahill e já sabia que a garota desejava conversar, e em particular. — Embora esteja um pouco magra demais, comendo muito vento, querida?

Dan e Natalie aproveitaram a ocasião para rir, mas Ian parecia compenetrado na garota dos olhos azuis, tentando lê-la e compreender qual seria a relação entre as duas.

Amy simplesmente anuiu com a cabeça, deixando a fala se perder no ar antes de continuar com o seu repertório.

— Conhece meu irmão, Daniel, correto?

Sinead lançou um olhar engraçado para Amy antes de sorrir carinhosa porém superior para Dan.

— Da última vez que lhe vi ainda tomava mamadeira antes de dormir, Dan. — Riu Sinead. — É normal que não me reconheça, — acrescentou ela. — Era muito novo naquela época... Quantos anos, Amy?

— Sete. — Falou Amélia, com a garganta trancada.

— Somente sete aninhos, — riu-se Sinead, jogando algumas mechas dos perfeitos cabelos ruivos para trás. — O tempo realmente passa para todos.

— Perdoe-me realmente por não me recordar da Srta. — Dan falou, sorrindo também. — Sinto que éramos muito próximos.

— Nossas famílias sempre foram próximas. — Ela deu um novo sorriso, e Amy reparou que sorrir o tempo inteiro era algo natural para ela, porém não exatamente voluntário. — Meus pais são os S...

— Pessoas que trabalharam com papai e mamãe. — Amy se apressou em cortar a garota, sem nem olhá-la, quase como se aquilo não houvesse sido pensado. — Por muito tempo, certo Sinead?

A ruiva em questão olhou novamente para ela, analisando-a. Amy certamente desejava não revelar quem Sinead era na frente daquelas pessoas. E Sinead sabia porquê.

Ela havia reconhecido os irmãos Kabra primeiro. Noticias voam e ela já sabia sobre o provável testamento de Grace Cahill, da sua filha e do seu genro. Embora não entendesse muito, era justamente nisso que ela estava pensando ao enxergar os Kabra tomando chá com duas pessoas irreconhecíveis a primeira vista.

Amélia Cahill foi a pessoa mais próxima de melhor amiga, de irmã, que Sinead teve sua vida inteira e saber o que estava acontecendo com a antiga amiga lhe partia o coração. Sinead nunca se desculpou por não ter ido visitá-la durante aqueles sete anos, porém os pais falavam que era melhor deixar Amy e Dan se recuperar primeiro. Sinead nunca pensou que essa recuperação demorasse tanto.

Não muito apegada aos pais, Sinead reservou todo e seu completo amor para seus irmãos, Ted e Ned. Se ela perdesse seus pais, bem, o luto seria breve. Por esse motivo não havia conseguido entender Amy quando pequena. Porém o tempo ensina muitas coisas e depois de quase perder os dois irmãos em um acidente em Hong Kong, ela conseguia compreender melhor a garota.

Por isso, ao notar que a figura ruiva com os Kabra era Amy ela quase teve um AVC. Demorou um minuto completo para Sinead se recuperar, e isso, com todo o seu treinamento – seus pais sempre a treinaram para ser uma pessoa capaz de disfarçar as coisas muito bem – era muito tempo.

Curiosidade superou seu choque inicial e Sinead se viu obrigada a falar com a ruiva. Ela sempre sentiu falta do jeito alegre e espontâneo de Amy, mesmo que ela tenha reparado que a garota estivesse um tanto mais seca e superficial, ela ainda era a Amy que Sinead cresceu.

Mas sendo seca ou não, Amy ainda era determinada. Ela nunca deixaria a empresa de sua família nas mãos de estranhos e sabendo disso Sinead entendeu que Amy queria esconder algo dos Kabra.

— Certíssimo, Amy, durante muito tempo. — Novamente notando a inquietação de Amy, armou um plano rápido em poucos segundos para falar com a ruiva em particular. — Ainda gosta de andar a cavalo, cherie? Soube que Peter, não sei se se lembra dele, o gentil rapaz que cuida dos cavalos, tem cuidado Fusca diariamente esperando que você volte para vê-la.

Fusca era a égua bebê que Amy ganhou aos nove anos. Naquela época as coisas eram lindas e Amy amava cavalgar com Fusca, mesmo pequena, pelo terreno do clube. Durante um ou outro dia-não-tão-ruim Amy pensava em Fusca, porém o pensamento de voltar a montá-la nunca havia lhe ocorrido.

— Claro que me recordo de Peter — ele era nossa paixonite infantil, completou a ruiva em pensamentos, já sem forças para falar. — Creio que devo ir vê-la, se me permitem.

Amy se levantou tão rápido que deixou os outros zonzos, a vertigem na boca do seu estômago aumentando gradativamente com seus movimentos.

— Amy, mas e o chá? — Dan questionou, ao ver a ruiva dar-lhes as costas.

— Volto a tempo para terminá-lo — disse mal e porcamente a ruiva, seguindo para a saída da sala onde se encontravam.

Sinead não esperou muito tempo, e sorrindo para os outros e murmurando algumas desculpas, seguiu a outra jovem.

Amy não parou e muito menos virou para trás até estar nos grandes e verdes terenos do clube, a ruiva se sentia tão mal que simplesmente se escorou contra a parede externa do clube e forçou sua barragem de lembranças, lembranças que vieram com a visão de Sinead.

Apoiou-se em seu joelhos com dificuldade para respirar enquanto tentava retirar a imagem das duas garotas na sala de cinema, assistindo algum desenho da Disney, Hope entrando com pipocas, a vó cozinhando doces na cozinha... Algo que Grace nunca fora boa, porém insistia em dizer que a prática leva à perfeição.

— Não vai ver Fusca? — Sinead perguntou, parando ao lado da ruiva tempo depois.

— Tenho certeza que Peter cuida bem dela. — Foi o que a ruiva disse, tentando ficar ereta e poderosa como a outra, porém falhando miseravelmente.

Sinead observou os olhos jade de Amy por alguns segundos, vasculhando entre cada centímetro por algo, algo que Amy não sabia dizer o quê. Porém, após meio minuto, a ruiva dos olhos verdes corou e desviou os olhos, sentindo-se exposta demais.

— Ouça, Amy... — Sinead começou, com a voz levemente embargada. — Eu nunca achei que você fosse me receber de braços abertos no momento em que nos reencontrássemos novamente — Amy ouviu a piada que a faria rir antigamente no tom de voz da garota, mas a agora, o mero fato de estar deixando-se ser encarada deveria ser considerada uma vitória para Sinead. Mas é óbvio que a garota de olhos azuis não sabia disto. — Mas você é... Foi minha melhor amiga. E eu sei que te deixei sozinha em um momento difícil, mas eu sinceramente gostaria de me redimir.

Sinead pareceu esperar que Amy respondesse, mas a garota só conseguia enxerga lembranças, tristes lembranças, em cada palavra de Sinead.

— Vamos, nós duas sempre fomos amigas, você pode me contar o que quiser, você sabe disso...

Cenas. Fleches. Lembranças.

Panquecas de domingo. Jantares de comemoração. Alegria. Sorrisos.

— Você sabe que eu sempre irei ajudá-la Amy, não importa o quê, pelos velhos tempos... — Sinead continuava seu diálogo, observando a ruiva dois meses mais nova se curvar cada vez mais, como quem carrega o peso do céu e de repente percebe que é muito pesado.

Arthur os levando para o zoológico. Os irmãos de Sinead com as zebras. Dan cantando uma música irritante.

— Eu sei que deve estar sendo difícil essa história com os Kabra... Quer dizer, eles eram da família? Então eu só quero dizer... Ei, Amy, Amy você está bem?

Luzes. Gritos. Um olhar jade paralisado. Uma promessa.

— Amy! — Sinead falou alto desta vez.

— Me ajude... — Amy conseguiu sussurrar, tão baixo que duvidou que Sinead realmente tivesse ouvido.

Burra. Estranha. Ridícula. Matou os próprios pais...

— N-n-não... S-s-s-sa-i-ia... — Amy balbuciava no colo de Sinead, que a segurou quando a ruiva deu a impressão de cair.

— Amy, me olha, me escuta. Amy! — A voz de Sinead era como um eco do passado. Como uma lembrança triste.

Se você não houvesse pedido para comer naquela pizzaria. Se você não tivesse feito brincadeira um minuto antes, retirando a atenção do seu pai... Se você nunca tivesse nascido... Bem, eles estariam vivos.

Amy fincou as unhas curtas contra as mãos, vagamente recordando de Ian as cortando pela manhã.

Estranha. Prima estranha. É isso que ele acha que você é.

— Amy por favor! — A voz de Sinead estava embargada.

— S-s-s-s-sa-i-ir... P-p-pre-ecis-sa s-s-a-air... — Amy murmurou.

Não consegue nem mesmo querer para de se machucar. Aberração. Esquisita. Como alguém como eles pode conviver com algo como você?

Amy tentou lutar contra o aberto protetor de Sinead e se jogar contra o chão, as lágrimas saiam pelos olhos das duas. Sinead parecia falar no telefone.

Você só traz dor onde quer que esteja.

Em poucos minutos, Sinead e seus dois irmãos levavam uma Amy que se debatia constantemente para dentro do carro.

Incapaz. Ridícula. Tomara que a levem para o hospício. Louca.

— Eu vou te ajudar, Amy. — Sinead sussurrou baixo enquanto o carro ganhava velocidade. — Eu estarei aqui para você desta vez, irmã.

Vergonha.

E sem mais forças para resistir, entregou-se ao reino da inconsciência.