Depois do ocorrido na sala de Janeth, Logan encarou as aulas de tarde com um desânimo mais do que aparente. Ele já tinha tido provas de que a diretora podia ser perversa e maléfica; ele ainda não tinha se esquecido do episódio no qual ela o obrigou a ajoelhar no milho, mas o que ela fizera com Helena fora mais do que inadmissível.

Agressão é inadmissível aqui em Shavely, dissera Janeth quando Brian aparecera com um machucado falso no olho acusando Logan de ter lhe batido. E agora, a diretora contradizia as próprias palavras. A única coisa que Logan poderia sentir dela era nojo.

Helena saíra da sala com as pernas completamente ensanguentadas e ele não achou estranho o fato dela não estar presente em nenhuma das aulas. Sophia também não se fazia presente e provavelmente estava no dormitório consolando a pobre amiga que deveria estar jogada na cama cobrindo a cabeça com um cobertor.

O cérebro de Logan já estava implorando para o fim daquela aula insuportável de inglês, quando finalmente o sinal parecido com a sirene de uma ambulância ecoou pelos corredores e fez com que ele saísse da sala o mais rápido que podia.

A única coisa que ele queria fazer naquele momento era subir até o dormitório das meninas e descobrir se elas estavam bem. Ele não havia parado de pensar um só minuto nelas e toda aquela angústia havia o deixado avoado durante a aula toda.

Os degraus da escada rangiam intensamente enquanto ele a subia o mais rápido que podia. Não precisava ler os nomes pregados na porta dos quartos porque já havia decorado a posição do dormitório das meninas. Ele parou em frente à porta e respirou duas vezes antes de entrar sem ao menos bater.

Helena estava deitada na parte debaixo do beliche, onde Sophia dormia, com as pernas machucadas esticadas sobre alguns cobertores que haviam sido empilhados meridionalmente à cama. Logan olhou para os lados e percebeu que Sophia não estava presente. Ele fechou levemente a porta e adentrou no quarto.

— Helena? — Logan chamou e a menina abriu os olhos que estavam fechados. — Você está bem?

Ela levantou um pouco a cabeça e abriu a boca para falar:

— Sim. — a voz dela estava um tanto quanto fraca — Só as minhas pernas que estão doendo muito e eu preciso deixá-las esticadas.

Logan olhou as pernas de Helena com atenção e notou que elas estavam repletas de vergões. As marcas onde o cinto de Janeth havia tocado estavam reluzindo sobre a pele clara da garota e provavelmente ficariam algumas cicatrizes.

— Não acredito que Janeth fez isso com você.

Helena fez uma leve força para sentar na cama e logo em seguida deu de ombros.

— Não foi pior do que ela fez com você. Eu sobreviverei.

— Ela precisa parar com isso. Só porque é a diretora, não tem o direito de sair batendo nos alunos. Ela deveria saber que isso é crime e se denunciássemos, ela poderia ser presa e quem sabe teríamos um pouco de paz.

Helena riu e Logan franziu as sobrancelhas. Aquela risada havia sido sarcástica demais.

— Você não deveria pensar assim. Ela merece coisa pior do que simplesmente ir presa. Mas, ela não deveria ter mexido comigo. O que é dela com certeza está guardado.

Logan sentiu um arrepio ao ouvir aquilo. Helena era uma pessoa divertida e engraçada e ele tinha a certeza que vingança era uma palavra que não fazia parte do seu vocabulário. Ele fez menção em perguntar se ela pretendia se vingar da diretora, mas achou melhor que desperdiçar o tempo falando dela não seria algo de muita serventia.

— Onde está Sophia? — ele perguntou, por fim.

— Não faz nem cinco minutos que ela saiu daqui dizendo que iria te encontrar na sala de inglês. Não sei como vocês não se cruzaram no meio do caminho.

Logan franziu as sobrancelhas. Se ela tivesse realmente ido até a sua sala, eles provavelmente se esbarrariam no caminho ou ele acabaria encontrando-a esperando em frente à porta. A espinha de Logan se arrepiou e pensamentos maléficos começaram a lhe ocorrer. E se Sophia tivesse sido atacada pelo assassino misterioso durante o caminho? Ela poderia estar morta nesse exato momento em algum canto do colégio e ele estava dentro do dormitório conversando com Helena.

— Eu tenho que ir atrás dela! — ele disse quase gritando e correu até a porta do dormitório, mas não sem antes ouvir Helena perguntando “que bicho te mordeu?”.

Logan não era o tipo de pessoa negativista, mas depois que Brian e Ashley foram mortos por aquele assassino brutal, ele sabia que Shavely não era mais um lugar seguro para nenhum deles e qualquer um poderia ser morto a qualquer instante. O perigo poderia brotar de todos os lugares imagináveis e ceifar a vida de uma pessoa inocente.

Logan estava correndo como se a sua vida dependesse disso. Ele já havia descido todas as escadas pulando os degraus de três em três e agora se encontrava no térreo. Ainda não havia visto nenhum sinal de Sophia e o medo começou a tomar conta dele. Seu rosto estava completamente encharcado de suor e ele começou a tremer.

Estava diante à porta da sala de estar e apoiou a mão na parede para que pudesse respirar. Imagens do corpo de Sophia exposto ao chão completamente rasgado e sangrando começaram a inundar a sua mente e ele se forçou a pensar que nada disso tinha acontecido. Ele não poderia perder Sophia. Não agora, que ele tinha o que sempre desejara desde o primeiro dia que a viu: tê-la como namorada. Ele respirou fundo e afastou esses pensamentos. Que bobagem! Era tão óbvio que Sophia não havia sido atacada quanto dois mais dois eram quatro. Todos os outros assassinatos aconteceram quando já era noite. O assassino não seria tão cretino a ponto de executar uma pessoa em plena luz do dia. Logan afastou as mãos da parede, respirou fundo e trocou sua expressão aterrorizada por uma tranquila e relaxada.

Logan notou que a sala de estar estava vazia, exceto por uma pessoa que estava sentada no sofá que ficava de costas para ele. Ele aproximou-se lentamente e constatou que se tratava de uma menina com longos e lisos cabelos negros. Apesar de não conseguir ver o seu rosto, teve a leve sensação de já tê-la visto em algum lugar. A menina parecia hipnotizada e não movia nem um músculo.

A incômoda sensação de conhecê-la foi ficando cada vez mais forte à medida que ele ia se aproximando. Já estava a menos de dois metros dela, quando a chamou. Ele não obteve resposta e ela continuou imóvel.

Logan esticou o pescoço e conseguiu ver os braços da garota. Alvos. Frágeis. Quase como se pudessem se partir ao meio com um simples toque.

As imagens dos corpos mortos novamente voltaram a fazer parte dos seus pensamentos. Brian morto dentro de uma biblioteca. As mãos de Logan encharcadas com o sangue do garoto. O corredor que levava à cantina. A festa no colégio. Ashley morta completamente imersa numa expressão de terror. Logan abaixando-se para fechar os seus olhos...

Não! Isso não podia ser verdade. Ele deveria estar ficando completamente paranoico e sua mente estava lhe pregando uma peça. Respirou fundo e tentou fechar os olhos e reabri-los para ver se a imagem daquela garota sumia. Mas ela ainda continuava ali, completamente imóvel.

Logan engoliu em seco e arriscou chamar pelo seu nome.

— Ashley?

Foi como se ele tivesse dito uma palavra mágica. Os músculos da menina começaram a se mover e ela inclinou a cabeça para olhar para Logan. Uma sensação de asco lhe percorreu e ele desejou nunca ter visto aquilo.

O rosto da menina era realmente o de Ashley, mas seus olhos eram vazios e negros e pareciam se fixar em nenhum ponto específico. A boca era repleta de dentes finos e pontiagudos e estava completamente suja de sangue. O pescoço estava ensanguentado e não havia nenhum resquício de pele, como se ela tivesse sido esfaqueada. Os olhos negros piscaram uma vez e um som quase parecido com um rosnar saiu da boca da garota misteriosa.

Logan soltou um grito e saiu correndo dali o mais rápido que pôde. Ashley estava morta. Como ela poderia estar ali, na sala de estar? O desespero estava tomando conta do seu corpo e ele olhava periodicamente para trás para certificar-se de que a menina não estava correndo atrás dele. Mas parecia que ela não havia nem ao menos levantado do sofá.

Logan estava correndo a esmo. A única coisa que queria era ficar o mais afastado possível da sala de estar. Ele podia ver a porta da biblioteca se aproximando e ele esbarrou com uma menina que estava saindo de lá, o que fez com que ele caísse ao chão.

— Logan, por que está correndo desesperado pelos corredores do colégio?

Ele reconheceu a voz de Sophia e se levantou rapidamente. Ela estava segurando um livro e olhava assustada para ele.

— Eu vi a Ashley sentada na sala de estar completamente ensanguentada! — disse Logan completamente ofegante.

Sophia riu e olhou para Logan como se ele fosse uma criança.

— Você sabe que ela está morta. Como ela poderia estar na sala de estar?

Logan segurou na mão de Sophia e a puxou com toda a sua força.

— Venha ver, se não acredita.

Eles começaram a correr o mais rápido que podiam e Sophia pedia para que Logan parasse com isso. Ela com certeza deveria estar achando que ele estava ficando maluco. Mas ele sabia que havia visto Ashley lá.

Não demorou muito para que eles chegassem e dessem de cara com a sala completamente vazia. Logan olhou desesperadamente para o local onde Ashley estava sentada, mas não havia sinal de que ninguém tivesse passado por lá.

Sophia olhou para Logan com a boca contorcida, mas não disse nada. Ela segurou o livro que estava carregando com as duas mãos e olhou atentamente para capa. Parecia estar refletindo.

— Ela estava aqui, Sophia! — disse Logan desesperado — Você precisa acreditar em mim!

— Eu acredito em você e tenho uma teoria para explicar isso.

Logan franziu as sobrancelhas.

— O que disse?

— Há dias eu venho pensando na identidade do assassino. Acho que todos já têm certeza que ele é um ser sobrenatural e antes de ir encontrar com você na sala de inglês fui à biblioteca pesquisar um livro sobre esses tipos de seres. Acabei achando um muito interessante e fiquei por lá lendo. Descobri várias coisas e o fato de Ashley ter aparecido depois de morta se encaixa perfeitamente com uma criatura descrita aqui.

Sophia parou de falar quando percebeu que Logan estava completamente confuso.

— Vamos até o dormitório que lá eu te explico melhor.



Muitos livros e filmes de ficção científica utilizam em seus roteiros seres sobrenaturais e mitológicos. Alguns deles possuem dentes afiados e se alimentam de sangue, como os vampiros. Outros são transformados em lobisomens em uma noite de lua cheia. Mas nenhuma criatura é tão interessante quanto os zumbis.

Zumbis são mortos que foram de alguma forma reanimados e podem caminhar como se estivessem vivos. Apesar disso, são seres extremamente irracionais e não medem as consequências de seus atos.

Mas essa regra não pode ser aplicada a um tipo especial de zumbi, os chamados zumbis antropomórficos. Eles são dotados de uma superinteligência por possuírem um cérebro muito mais evoluído. Devido a esse fato, são capazes de falar como se fossem um ser humano normal. Eles possuem um apetite voraz e são capazes de comer qualquer coisa que seja embebida em um pouco de sangue, mas a comida preferida desse tipo de zumbi é coração de qualquer espécie viva. Eles possuem uma característica muito peculiar que dá nome à sua espécie: ao comer o coração de sua vítima, ele absorve sua energia vital e é capaz de combiná-la dentro de seu próprio corpo, a fim de se transformar fisicamente no ser devorado. Podem ficar anos na forma de uma pessoa a qual foi morta e assumem todas as suas características físicas e psicológicas. Não há relatos sobre a sua verdadeira forma e muitos ficcionistas acreditam que é tão repulsiva que seria capaz de matar um ser humano.

O estudioso estadunidense, Hanks Stumbler, afirma ter tido contato com um zumbi antropomórfico durante quase toda a sua vida. Antes de morrer, deixou uma carta onde ele revela a única forma que encontrou de derrotar a criatura, mas o papel é mantido em sigilo pelo governo norte-americano.

As evidências da existência desse tipo de criatura são bastante fortes, mas cabe a cada pessoa acreditar ou não.

Sophia parou de ler e fechou o livro instantaneamente. Ela passou a mão pela capa e deu um pequeno sorriso.

Helena e Logan se entreolharam completamente nervosos. Ele podia ver as engrenagens trabalhando dentro da cabeça da menina, tentando fazer a maior força para entender tudo o que Sophia havia acabado de ler.

— Faz todo o sentido, não? — perguntou Sophia.

Ninguém respondeu de imediato. A cabeça de Logan estava muito confusa para que ele conseguisse pensar com exatidão. Será mesmo que o assassino misterioso era um zumbi comedor de coração com o poder de se transformar em suas vítimas?

— Você está querendo dizer que o assassino é um zumbi? — perguntou Helena, finalmente.

Sophia pegou o livro e abriu novamente na página que estava lendo. Apontou para um desenho de um zumbi e Logan notou que as feições físicas eram exatamente iguais às que ele tinha visto em Ashley: dentes pontiagudos, boca e pescoço ensanguentados e olhos negros e vazios.

— As descrições desse livro se encaixam perfeitamente com o que vem acontecendo nesse colégio. Há tempos que eu venho pensando na possibilidade de ser um zumbi, mas agora eu tenho certeza.

— O que te levou a pensar nisso? — perguntou Logan.

Ela olhou para ele como se ele tivesse feito a pergunta mais óbvia do mundo.

— Ora, e ainda me pergunta? Ambos os corpos estavam sem coração. Por que alguém arrancaria o coração de uma vítima senão para devorá-lo? E você conhece alguma outra espécie sobrenatural que se alimente de partes humanas que não sejam zumbis?

Logan assentiu, mas aquilo ainda estava parecendo muito estranho para ele.

— Tudo bem. — a voz de Helena estava um pouco rouca — Preciso recapitular tudo para não ficar maluca. O assassino é um zumbi que está tomando a identidade de uma das vítimas que ele matou. Logan viu Ashley na sala de estar, mas na verdade quem estava lá era o zumbi.

Sophia e Logan fizeram que sim.

— Por que será que algo me diz que o zumbi é alguém de nós? — os lábios de Helena tremeram enquanto ela dizia isso.

Sophia e Logan se entreolharam e eles não podiam esconder sua expressão de medo.

— Você tem algum suspeito? — perguntou Sophia.

Helena desviou seu olhar e o transportou até a janela. Deu um leve suspiro e falou com a voz mais baixa que ela poderia ter usado:

— Não.

— Agora não é hora de acusarmos ninguém. — disse Logan — Precisamos nos concentrar e ficar alertas a qualquer sinal diferente. Com certeza esse zumbi está esperando a poeira abaixar e atacará novamente. Temos que estar preparados para isso.

— Logan tem razão. — disse Sophia — Precisamos nos unir. Agora, mais do que nunca.

Eles se entreolharem novamente e seguraram um na mão do outro. A amizade deles seria mais do que importante naquele momento conturbado. Nenhum zumbi sanguinário e canibal iria separar aquele belo laço que havia se formado dentro daquele colégio. Em menos de duas semanas, eles já haviam passado por tantas coisas juntos e se apegar um ao outro seria o melhor que eles poderiam fazer.

Eles soltaram rapidamente as mãos quando ouviram batidas na porta. Alguns segundos depois e um Tommy e um Mark curiosos surgiram por detrás da porta de madeira.

— Soubemos do que Janeth aprontou. — disse Tommy, entrando rapidamente no quarto, com Mark em seu encalce — Você está bem, Helena?

Ela fez que sim com a cabeça e logo em seguida apontou para a perna machucada.

— Apenas algumas sequelas na perna, mas sararão.

Tommy olhou para a perna de Helena e seu rosto ficou vermelho. Ele parecia estar sentindo os mesmos sintomas de Logan antes de ter um ataque de fúria.

— Desgraçada! — ele deu um soco no ar.

— Não se preocupe. — disse Helena serenamente — Ela pagará.

Sophia ainda estava segurando o livro e rapidamente se levantou e foi para perto dos meninos recém-chegados.

— Já que estão aqui, precisam saber das minhas suposições a respeito do assassino.

— Você tem suposições? — perguntou Mark.

— Sim! E elas são muito fortes.

Sophia suspirou e leu novamente o trecho do livro que explicava as características de um zumbi antropomórfico. Logan prestou atenção nos meninos enquanto Sophia lia e percebeu que suas feições físicas iam ficando cada vez mais aterrorizadas à medida que ela ia avançando na leitura.

Quando Sophia terminou e finalmente largou o livro jogando-o na cama, Tommy e Mark estavam perplexos.

— Isso faz todo o sentido. — disse Mark — Você matou a charada, Sophia!

Um sorriso ousou escapar dos seus lábios.

— Agora só precisamos descobrir em quem esse zumbi está metamorfoseado.

— Eu não queria dizer, — disse Helena — mas algo dentro de mim está dizendo que o assassino está dentro desse dormitório.

O comentário de Helena fez todos se estremecerem. Olhares nervosos preencheram o rosto de cada um e eles se entreolhavam como se estivessem prestes a cometer um crime. Logan estava se odiando por ter que concordar com Helena, mas algo dentro dele também dizia que o assassino estava por perto.