Logan acordou naquela manhã de sexta-feira com os olhos inchados. Não havia dormido quase nada e durante o pouco tempo no qual conseguiu pregar o olho teve pesadelos horríveis com a própria morte.

Ele esfregou o rosto sonolento com o dorso das mãos e colocou os pés descalços sobre o chão gelado. O quarto estava levemente escuro, alguns leves raios de claridade já batiam na janela fechada, o que evidenciava que o dia ainda não havia amanhecido por completo. Ele poderia ter pensado em se deitar novamente e dormir por mais algum tempo, mas ele não queria ter mais pesadelos. Sua mente estava ficando cheia de toda hora pensar apenas em morte. Ele precisava esquecer um pouco disso, mas era difícil quando tudo naquele internato lembrava a morte.

Logan levantou-se inteiramente da cama e percebeu que Mark ainda dormia. Ele roncava como se fosse um trator; fato que talvez pudesse ser explicado por ser um zumbi nojento sedento por corações humanos.

Somente alguns minutos foram suficientes para que tomasse uma ducha e colocasse uma roupa mais apresentável. Logan não era o tipo de menino vaidoso. Seu cabelo nunca estava penteado — todo mundo o conhecia por seus longos fios emaranhados e desgrenhados sobre a cabeça — e ele também sempre usava a primeira camiseta que encontrava no armário, uma calça jeans básica e um tênis mais básico ainda.

Antes de sair do quarto, ele arriscou olhar as horas no celular. 6h30. O café da manhã sempre começava a ser servido às sete horas e provavelmente ainda não havia ninguém lá fora. Mas mesmo assim, ele abriu a porta do dormitório e foi andando vagarosamente até a cantina.

O colégio estava mais silencioso do que ele poderia imaginar. Cada passo que dava parecia fazer um barulho equivalente a toneladas de tijolos caindo sobre o chão. A luz que entrava pelas janelas encrustadas entre as paredes de pedra ainda não eram suficientes para que os corredores ficassem completamente iluminados, então ele tinha que estreitar os olhos para poder enxergar com precisão. Não pôde deixar de olhar para o dormitório de Sophia e imaginar o quão linda ela deveria ser quando estava dormindo. Linda como um anjo.

Depois de descer dois lances de escadas e andar por mais alguns corredores, Logan havia chegado à cantina. Olhando por alto, ela estava completamente vazia, apenas havia alguns funcionários preparando a comida e colocando tudo o que estava pronto na bancada coberta de vidro.

Mas à medida que foi avançando, percebeu a presença de uma única pessoa, sentada em uma mesa ao fundo com as duas mãos cobrindo o rosto. O cabelo loiro estava solto e levemente despenteado e Logan o teria reconhecido em qualquer lugar do mundo. Ele foi correndo até à mesa e sentou na cadeira ao lado dela.

— Sophia? — ele chamou — O que está fazendo acordada tão cedo?

Ela levantou a cabeça e ele percebeu imediatamente a vermelhidão que envolvia seus olhos esverdeados.

— Você andou chorando? — a voz dele já estava começando a ficar desesperada.

Ela soltou um suspiro e parecia estar fazendo força para falar.

— Não se preocupe. Foram só alguns pesadelos que eu tive essa noite.

Pesadelos. A peça mais traiçoeira que nossa mente poderia nos dar. Sonhos malditos que nos deixam louco, nos fazem pensar se há algo de errado conosco, nos fazem refletir sobre nossos atos, nos fazem pensar que temos algum problema, nos afrontam, nos amedrontam e nos deixam em condições lastimáveis de desespero. Parecia que pesadelos seriam frequentes no sono de todo mundo daqui para frente. E Sophia ainda não sabia da verdade... Não sabia a verdadeira identidade do assassino e Logan se culpava por isso.

Ele poderia ter dito qualquer coisa para reconfortá-la, mas a única coisa que fez foi segurar em suas mãos. Ela olhou para ele e sentiu todo o calor que emanava do seu toque.

— Estou aqui. Vai ficar tudo bem.

Sophia arrastou a cadeira para mais próximo da de Logan e encostou a cabeça sobre o seu peito. As mãos do garoto logo entraram em contato com o cabelo macio da garota e eles trocaram carinho.

Existem várias situações nas quais as palavras são facilmente substituíveis por simples gestos. Palavras eram falsas, gestos não. Logan sabia que Sophia se sentiria protegida se estivesse envolvida em seus braços, que estaria segura ao lado dele. Nada poderia atingi-la.

Ele pensou no primeiro dia que a viu. Na primeira vez que viu aqueles olhos verdes e sua mente ficou confusa. Ele lembrava muito bem que tinha medo de se apaixonar por ela e quando isso aconteceu não queria admitir para si mesmo. E agora, ele estava lá, protegendo a menina que ele já taxara como estranha. Protegendo-a de um mal que ela nem sabia que existia.

Eles suspiraram quase que em uníssono e ela levantou a cabeça e o encarou. Aqueles olhos verdes ainda o deixariam maluco.

— Eu não sei o que seria da minha vida sem você.

Logan não precisou responder. Não precisou dizer nada que fosse parecido com o que ela havia acabado de dizer. A intensidade com a qual ele havia a beijado naquele momento fora mais do que suficiente e não poderia ser substituída por nenhum “eu te amo”. Aquele beijo mostrava tudo o que ele sentia por ela e jamais se perdoaria se a perdesse para sempre. Simplesmente não suportaria. Passou pela sua cabeça em contar toda a verdade quando suas bocas se afastassem; dividir com ela tudo o que estava acontecendo, mas o pensamento foi logo afastado quando se lembrou de que poderia morrer caso fizesse isso.

Egoísta, gritava uma voz em sua mente. Só está pensando em si mesmo.

Ele se desvencilhou dela rapidamente e sentiu nojo. Como ele podia ser tão desprezível? Sophia jamais voltaria a olhar na cara dele se soubesse que ele escondera toda a verdade.

— Vocês mal acordaram e já estão se pegando na cantina? — disse Helena, que estava parada com as mãos na cintura ao lado deles. Logan não havia percebido de imediato, mas a cantina já estava deliberadamente cheia e alguns alunos olhavam para eles.

A menina ruiva sentou-se na cadeira à frente de Logan quando percebeu que nenhum dos dois responderia à sua pergunta.

Ela parecia mais hiperativa do que no dia anterior, talvez tivesse dormido melhor, ao contrário dele e Sophia.

— Vocês estão estranhos demais. — disse Helena, passando a mão pelos cabelos ruivos e jogando no chão os fios que saíram junto com o toque — Olho para o rosto do Logan e me parece que passou quilos de lápis no olho. Já quando olho para Sophia, bem... o olhar dela está parecendo com o da minha avó quando trabalha demais e não consegue dormir a noite.

Sophia deu uma risada forçada.

— Acontece que eu dormi mal novamente.

— Não adianta nem imaginar em descontar seu mau humor em mim porque dessa vez eu não tive culpa.

Sophia amarrou a cara.

— É claro. Você roncou igual a uma porca velha.

— Helena, você ronca? — perguntou Logan tentando segurar o riso.

Ela olhou indignada para eles.

— É claro que não! Sophia está completamente doida ao dizer uma barbaridade dessas.

Sophia abriu a boca para responder, mas ela foi interrompida quando Tommy e Mark chegaram e juntaram-se à mesa. Logan sentiu um arrepio quando Mark sentou ao seu lado e lhe lançou um olhar que ele não conseguia descrever.

— Quem a Helena está ameaçando dessa vez? — perguntou Tommy.

— Estou quase matando esses dois aí. — ela desviou o olhar para Tommy como se esperasse que ele fizesse alguma coisa — Acredita que eles disseram que eu ronco?

Ele deu um sorriso.

— Talvez eles estejam certos. Olhe para você, uma menina quase perturbada. É claro que provavelmente você deve roncar.

Helena levantou a mão direita, estendeu-a no ar e mirou para que acertasse perfeitamente a cabeça de Tommy.

— Ai! — ele choramingou.

— Isso é para você aprender a sempre concordar com o que eu digo.

Tommy resmungou alguma coisa, mas Helena pareceu não escutar.

A bancada com as comidas já estava cheia e vários alunos haviam levantado para preparem seus pratos. Logan nunca tinha fome durante a manhã; o máximo que poderia fazer era tomar um copo de leite, mas não fez nem menção em levantar de mesa. Helena, Sophia e Mark pareciam estar famintos e foram correndo até a bancada onde já havia se formado uma fila ligeiramente extensa.

Tommy havia ficado sentado exatamente onde estava. Entrelaçou seus dedos e repousou as duas mãos sobre a mesa. Seu olhar estava sério e ele parecia prestes a dar a notícia de que alguém havia morrido.

— Logan, agora que eles saíram — ele disse, encarando-o — preciso conversar com você.

Logan franziu o cenho, mas havia certa curiosidade em saber o que Tommy havia para falar. Geralmente, ele era o mais calado entre os amigos.

— Você está com cara de enterro. Você viu o corpo de mais alguém completamente ensanguentado e está com medo de contar isso a alguém que não seja eu?

— Não é nada disso. — ele parecia impaciente — Estive pensando bastante depois que descobrimos que o assassino é um zumbi. Você sabe, desde que Brian morreu eu fico sozinho naquele dormitório e isso me permite refletir sobre algumas coisas. E eu acho que tive uma ideia para pegarmos o assassino.

O coração de Logan gelou. Ele queria poder dizer agora mesmo ao amigo que o assassino era Mark e que a vida de todo mundo estava correndo perigo mais do que nunca, mas a única coisa que fez foi soltar um suspiro.

— Que ideia foi essa?

— Promete que não rirá?

— Tommy! Conte logo.

Ele engoliu em seco e tomou fôlego para começar a contar o que a sua mente havia planejado.

— Bem, sabemos que o alimento preferido do zumbi é coração humano. Eu estava pensando que talvez ele não se importasse em comer um coração de algum animal. Quero dizer, deve ter o mesmo gosto, a mesma essência. Foi aí que eu tive a ideia de sairmos do colégio nesse final de semana e irmos até um açougue e pedirmos um pouco de coração de boi ou de porco. Poderíamos armar uma arapuca para ele. Espalhar os corações por todo o colégio. Uma hora ele sentiria o cheiro e acabaria não resistindo em atacar.

Logan não sabia se ria, se chorava ou se chacoalhava os ombros de Tommy até que ele criasse algum juízo.

— Sua mente é muito fértil para você bolar um plano como esse. O zumbi é esperto demais, ele nunca cairia.

— Mas precisamos tentar. Pode ser a nossa única chance.

E aí ele deduziria que eu estou envolvido nisso e me mataria sem dó nem piedade, pensou Logan. Ele não precisava raciocinar muito para perceber que Mark pensaria que ele não havia aguentado e contara toda a verdade para Tommy e que juntos estavam tentando pegá-lo. Mark não era burro.

— Você não entende que o zumbi tem prazer de matar. — disse Logan — Se ele encontrasse simplesmente os corações espalhados pelo colégio, não fazendo parte de nenhum corpo, ele sacaria que era uma armação. Lembre-se que estamos lidando com zumbis antropomórficos, que possuem uma inteligência mais avançada que a nossa.

Tommy deu de ombros.

— Você não parece muito disposto a pegá-lo.

— É que as coisas não funcionam desse modo, Tommy. Precisamos de algo muito mais complexo do que simplesmente espalhar corações de boi pelo colégio.

Logan olhou atentamente para Tommy e notou que uma pequena irritação se formava dentro dos seus olhos.

— Se você não me ajudar, farei isso sozinho.

— Você será praticamente jogado em um calabouço se fizer uma maluquice dessas.

Tommy cerrou os punhos e parecia se controlar para não dar um soco na mesa.

— Você pensa que é tão esperto ao achar que é o único capaz de fazer algo para impedir o avanço desse zumbi. É o herói do colégio, — revirou os olhos — sempre disposto a ajudar alguém com seus planos mirabolantes. Quem sabe você não tenha uma ideia melhor, então.

Logan não queria levar aquela discussão adiante. Ele não precisava de mais nada além de brigar com um de seus amigos para que tudo ficasse cada vez pior.

— Talvez eu tenha mesmo. — ele disse, com uma amargura em seu tom de voz a qual ele não queria ter usado.

Tommy ia responder, mas Helena, Sophia e Mark voltaram com as bandejas repletas de comida. Eles repousaram-na sobre a mesa e se sentaram. Pareceram perceber a tensão que estava no ar e se entreolharam nervosamente.

— O que estavam cochichando? — perguntou Sophia.

Tommy e Logan ainda estavam se encarando.

— Nada. — disse Tommy, com os músculos da face tremendo.

Mark deu a primeira mordida no pão com manteiga.

— Que bonitinho. Eles têm segredinhos.

— Por que não cala a boca? — Tommy virou o rosto para ele e a única coisa que faltou fazer foi pegar o copo com suco de laranja de Helena e arremessar o líquido sobre a cabeça dele.

— Ei, ei, ei! — exclamou Helena — Vocês estão tensos. Podem nos explicar o que aconteceu enquanto pegávamos a comida?

Tommy levantou da mesa com uma rapidez incrível e a menina ruiva arregalou os olhos.

— Por que não perguntam a ele? — apontou a cabeça para Logan e saiu da cantina batendo os pés com uma evidente fúria exalando de seu cérebro.

Eles desviaram rapidamente o olhar para Logan, que estava levemente corado. Esperaram por alguns segundos com expressões claras de que estavam curiosos para que o garoto começasse a falar.

— O quê foi? Eu não sei o que deu nele. Talvez essa cena seja a prova da existência de TPM masculina.



Depois de novamente usar a desculpa de que sua enxaqueca estava o atacando e que precisava ficar alguns minutos no escuro, Logan conseguiu se livrar da aula insuportável de história daquela tarde. Antes de sair da sala, Sophia havia lhe tocado a mão e pedido para que se cuidasse.

Apesar de não querer admitir para si mesmo, desde ontem ele havia se afastado dela. Ela não estava mais segura ao lado dele, correndo o risco de morrer a qualquer instante. Logan agora era uma ameaça para os seus amigos. Sua mente dizia que deveria se afastar de todos, mas jamais conseguiria fazer isso. Sem falar que seria um alicerce para que eles pudessem desconfiar de que tinha algo acontecendo.

Logan alcançou a porta de entrada do colégio e certificou-se mais de uma vez se ninguém estava olhando. Quando percebeu que a barra estava limpa, ele caminhou até o portão de ferro enferrujado. O sol estava forte e sua testa ardia enquanto andava sobre a grama recém-aparada. Não havia nenhum carro estacionado e provavelmente a tia ainda não havia chegado.

Suas mãos logo tocaram as grades do portão e ele percebeu que pulá-lo não seria assim tão difícil. Segurou-se firmemente e colocou os pés entre os pequenos espaços entre as grades. Suas mãos foram seguindo o comprimento das grades até que tocassem o topo do portão. Impulsionou o corpo todo e literalmente saltou sobre o portão, caindo com os pés rentes ao chão e os joelhos flexionados. O impacto fez com que Logan soltasse um leve ganido de dor; se o portão fosse um pouco mais alto talvez quebrasse a perna, mas lentamente levantou-se e foi cambaleando até o muro do lado direito.

A rua do colégio era pacata e quase nunca passava nenhum carro. Era um lado um tanto quanto sombrio da cidade, quase sem nenhuma casa e rodeado por algumas árvores que poderiam ser chamadas pejorativamente de florestas. Logan sentou na calçada e abraçou os próprios joelhos. A sua cabeça já estava quente por causa dos raios solares, mas ainda assim ele estava pensando na ideia que Tommy lhe contou durante o café da manhã.

Não mais o viu depois do momento em que ele saiu da mesa, completamente furioso. Talvez Logan tivesse sido um pouco duro com ele. Apesar de a ideia ter sido completamente absurda e fora de cogitação, Logan sabia que ele estava apenas tentando ajudar. Mas ninguém poderia ajudar. Qualquer um que tentasse se interpor no caminho de Mark seria descoberto e acabaria sendo morto. O que mais incomodava Logan é que ele não podia alertar ninguém. Não havia nada que ele pudesse fazer.

Ele ergueu os olhos quando ouviu barulhos de motor de carro se aproximando. Um carro branco, ligeiramente velho e barulhento, estacionou bem diante dele e quando a porta do passageiro abriu, ele pôde ver Mary lá dentro.

— Será que tem algum menino perdido por aqui precisando de carona?

Logan sorriu, levantou-se rapidamente e entrou no carro. Olhou para a tia e ela estava linda como sempre: o cabelo negro e sedoso estava amarrado em um rabo de cavalo, estava usando uma blusa roxa sem mangas e uma calça jeans, o olhar negro e penetrante estava o vidrando como se quisesse lhe dizer alguma coisa.

— Obrigado por vir. — ele disse e deu um abraço tão forte na tia que se espantou pelos seus ossos não terem se partido ao meio.

Mary fez um biquinho com a boca e passou o dedo indicador sobre o nariz de Logan. Enfiou a chave no contato do carro velho e o ligou, fazendo poeira e deixando Shavely para trás.

Ah, como era bom respirar um ar novo, pensou Logan, um ar completamente diferente do que ele estava habituado em Shavely. Ele estava se sentindo como se tivesse acabado de entrar em uma floresta e tivesse respirado litros de ar puro. Oxigênio. E não o ar podre de Shavely, que cheirava a morte e zumbi.

— É bom saber que você ainda está vivo. — disse Mary — Não pude deixar de ficar preocupada depois que você me ligou ontem à noite. Já comecei a imaginar que o assassino havia de algum modo escutado a nossa conversa e tivesse te matado.

Logan sorriu como se tivesse acabado de ouvir “eu te amo” de uma pessoa especial.

— Eu fico muito feliz ao saber que você se preocupa comigo.

— É claro que eu me preocupo! Você é meu sobrinho.

Mary era a sua única família. Seus avós já estavam mortos quando ele nasceu. Sua mãe não tinha irmãos e Mary era a única irmã de seu pai. Depois da briga que tiveram, Logan quase nunca teve contato com a tia e nunca se importou com isso. Ele sempre agia como se ela fosse uma estranha, uma pessoa qualquer que nem fazia parte da sua família. E agora, ela era tudo o que ele tinha. A única pessoa para a qual ele poderia contar tudo o que estava importunando sua cabeça.

Logan desviou o olhar para a janela do carro e se sentiu energizado ao poder observar a sua cidade. Passou pela praça que sempre era o ponto de encontro com os seus antigos amigos. Passou pela casa de um deles e teve a impressão de vê-lo observando o movimento da cidade pela janela. Passou em frente a sua escola e relembrou todos os momentos que passara lá. Ele era tão feliz...

Uma lágrima escorreu dos seus olhos, mas ele tratou logo de enxugá-la antes que Mary percebesse.

Agora, Logan notara, estavam se afastando do centro da cidade e subindo um morro que levava para a montanha mais alta da cidade.

— Aposto que nunca viu a cidade vista de cima. — disse Mary.

Logan acenou negativamente com a cabeça e tentou imaginar todas as ruas, as casas, os prédios, tudo que dava vida à cidade como se estivesse representada em uma maquete. Concordou consigo mesmo que era difícil de imaginar.

O carro logo parou com uma alavancada e eles estavam quase no cume da montanha. Algumas árvores enfeitavam o lugar e um vento cortante emanava de todos os cantos. Ali era um lugar bonito, perfeito para um encontro romântico.

Mary saiu do carro e fez sinal para que ele a seguisse. Ela foi em direção ao abismo, onde havia um espaço no qual poderiam sentar. Logan foi atrás e ficou boquiaberto quando viu a cidade como se fosse um brinquedo em miniatura. As casas tão minúsculas como se fossem formigas entrando em um formigueiro. Tudo parecia ter sido projetado meticulosamente e Logan imaginou que seria ainda mais bonito se fosse de noite, com as luzes dos postes transmitindo um brilho a mais para a cidade.

— É lindo, não é? — perguntou Mary, tirando o cabelo que mexia com o vento intenso e ousava tapar os seus olhos.

Logan apenas acenou com a cabeça e sentou ao lado da tia. Ainda parecia meio hipnotizado com aquela visão.

— Eu costumava vir aqui quando precisava pensar e tomar decisões. — disse Mary — Acho que é um lugar mais do que perfeito para pôr as ideias no lugar.

Logan por um momento se esqueceu do por que estava ali. De repente, ele não mais lembrava que tinha que contar à tia que descobrira quem era o assassino que aterrorizava a todos. O vento batendo contra o seu rosto o fazia ter a certeza de que a única sensação que ele carregava dentro de si naquele momento era a de liberdade.

Ele começou a rir.

— Estou me sentindo livre, como se eu tivesse acabado de fugir de uma gaiola! — Logan abriu os braços e permitiu que o vento o envolvesse.

Mary sorriu. Ela parecia estar se sentindo realizada ao ver o sobrinho feliz por simplesmente admirar a visão superior de uma cidade com o vento batendo contra o rosto.

— Sei que parte disso é minha culpa. — disse ela, finalmente, em um tom melancólico o qual Logan não imaginou que ela usaria.

— O que quer dizer com isso?

Ela soltou um suspiro.

— Ah, Logan, eu fui tão idiota ao achar que você ficaria melhor em um internato. Na verdade, eu fui muito egoísta. Depois que seu pai e eu brigamos, eu nunca mais pude ver você e isso acabou comigo. A distância fez com que eu me acostumasse a ficar sem você e talvez por isso que eu tenha receado em cuidar de você. Você tinha crescido, não era mais aquele garotinho que eu apertava as bochechas até ficarem vermelhas. Poderia muito bem cuidar de si mesmo sozinho em um internato. Eu sabia que seu quadro psicológico não estava bom e eu fui cretina ao ponto de só pensar em mim mesmo. — Mary deu um leve soco na própria perna — Como eu me arrependo. Eu nunca deveria ter te levado para aquele inferno.

Logan segurou na mão de Mary e a acariciou levemente.

— Você fez o que tinha que fazer. Estava desesperada, desempregada. Sei que mal se sustentava e não poderia arcar com as despesas de mais uma pessoa. Não a culpo por isso. Eu também tive bons momentos em Shavely. Tenho uma namorada e amigos os quais levarei para sempre comigo.

— Mas se você não estivesse lá não estaria sendo ameaçado de morte. O que está acontecendo, Logan?

Logan respirou fundo e começou a contar tudo para a tia. Contou tudo desde o princípio, até o ponto em que Mark se revelara como o assassino e o chantageara estupidamente.

A boca de Mary ficou aberta numa expressão de espanto durante pelo menos cinco segundos depois que ele terminou de contar.

— Meu Deus, um zumbi? Mark? Aquele garotinho fofo? Eu simplesmente não consigo acreditar.

Logan balançou a cabeça.

— Eu que sempre confiei nele. Sempre achei que isso pudesse ser um pesadelo do qual eu despertaria com as roupas suadas, mas eu estou demorando a acordar.

— Você tem que contar isso aos seus amigos urgentemente, Logan!

Ele franziu o cenho.

— Mas é a minha vida que está em jogo. Se eu fizer isso, ele me matará.

— Você não pode lidar com esse segredo sozinho. Conte a chantagem aos seus amigos e eles concordarão em fingir que nada está acontecendo.

Um arrepio percorreu a espinha de Logan e ele estava ficando mais confuso do que antes.

— Mark é esperto. Ele vai acabar percebendo.

— Logan, você não pode ser assim tão egoísta. — a voz da tia era repreensora — Há um exemplo de que egoísmo nunca vale a pena aqui bem na sua frente. Você tem que confiar neles, saber que juntos poderão encontrar uma maneira de deter esse zumbi maligno.

— Mas...

— Lembre-se de que seus amigos são tudo o que você tem naquele internato. Não há ninguém melhor do que eles para te ajudar, para te dar forças a fazer a coisa certa. Coloque-se no lugar deles. O que sentiria se seus amigos te escondessem uma coisa dessa magnitude? Uma coisa que está pondo em risco a vida de todo mundo.

Logan ainda nunca havia pensado desse modo. Talvez Mary tivesse razão. Tudo ficaria mais fácil se todos soubessem e trabalhassem juntos para deter Mark. Mas ao mesmo tempo em que a ideia de contar toda a verdade passou por sua cabeça, o medo logo começou a tomar conta de seu corpo. Imaginou a fúria de Mark ao descobrir que ele havia destratado a chantagem. Lembrou-se das unhas afiadas do zumbi rasgando a sua camiseta e o pânico preencheu seu cérebro.

— Eu... eu tenho medo.

Mary colocou a mão sobre o seu ombro.

— Coragem, querido. Combine os conselhos dessa velha tia com o que o seu coração está dizendo e estará fazendo a coisa certa. O nosso coração nunca se engana.

Logan assentiu e parou para ouvir o seu coração. Ele estava batendo aceleradamente, mas tinha uma voz dentro da sua consciência. Lembrou-se dos amigos e teve a certeza de que eles jamais esconderiam uma coisa como essa. Sempre seriam transparentes ao ponto de dividir um segredo que poderia matá-los. Lembrou-se da conversa com Tommy durante o café da manhã, do quão decidido estava em ir adiante com aquele plano maluco. Logan tinha certeza que amanhã, quando o dia raiasse, Tommy fugiria do colégio e iria atrás de todos os açougues que pudesse encontrar e assim estaria assinando a própria sentença de morte. Ele jamais deixaria isso acontecer. Foi quando a voz ficou clara dentro de sua mente e ele ouviu o que seu coração estava dizendo: deixe o egoísmo de lado e encare-os olho a olho. Conte tudo o que está acontecendo.

Logan já sabia perfeitamente o que fazer. Olhou para a tia e deu um sorriso antes de falar:

— Você tem razão. Vou contar tudo a eles.

Mary colocou a mão sobre a sua cabeça e bagunçou levemente seus cabelos.

— Sei que ficarei orgulhosa de você. Acabou de tomar a decisão correta. — ela olhou para o relógio de pulso — Meu Deus! Já está tarde. Acho melhor voltarmos antes que alguém note a sua ausência.

Logan assentiu e eles voltaram para o carro. Ele deu uma última olhada para o lindo lugar que estava deixando para trás e desejou voltar ali algum dia com Sophia. Ela adoraria sentir aquela sensação de liberdade.

Alguns minutos foram suficientes para que voltassem são e salvos para o colégio. Mary estacionou um pouco antes do portão para que ninguém pudesse vê-la. Ela sabia que Janeth a odiava e caso a visse por lá seria capaz de arrancar sua cabeça com as próprias mãos.

Logan deu um beijo no rosto de Mary e saiu do carro, apenas para perceber que Janeth estava parada diante do portão aberto, com as mãos na cintura e batendo os pés aceleradamente no chão.