Black Out Days

Whom do I have to speak to in order to change the prophecy?


O SOL já começava a declinar sobre os arranha-céus de Midtown Manhattan quando Richie, um homem de meia-idade com um semblante tenso, saltou do terceiro ônibus da tarde. Ele havia enfrentado o trânsito caótico de Nova York e uma série de atrasos inesperados que transformaram uma simples viagem de trinta minutos em uma odisséia de mais de duas horas. Seu terno amarrotado e sua expressão de preocupação revelavam a importância da entrevista de emprego que o aguardava.

Respirando fundo, Richie correu pela calçada movimentada, desviando habilmente das multidões apressadas de pedestres. Seu olhar buscava freneticamente o número do prédio, até finalmente avistar a fachada do edifício 30 Rockefeller Plaza, imponente e esbelto, em estilo Art Deco, com suas linhas verticais revestidas de pedra calcária. Nele era sediada a NBC.

Com o coração batendo descompassadamente, ele atravessou a rua e adentrou o saguão, onde foi recebido pelo zumbido constante de vozes e o aroma de café fresco. Seus olhos percorreram rapidamente a multidão reunida ali, e um palavrão escapou de seus lábios quando percebeu que uma fila considerável já se formava diante da mesa de registro.

— Ah, que porra! — resmungou ele — Nem pro Nigel reservar um lugar especial para mim com antecedência — Sentiu sua frustração transbordando enquanto ele se juntava à fila, agora ocupando o último lugar.

As mãos de Richie tremiam ligeiramente enquanto ele ajustava a gravata e tentava recompor sua compostura. Observou com ansiedade cada pessoa que passava à sua frente, calculando mentalmente quanto tempo levaria até que finalmente chegasse sua vez.

Enquanto aguardava, ele aproveitou para revisar mentalmente suas respostas para as perguntas que esperava que fossem feitas durante a entrevista. Cada minuto parecia uma eternidade, e o relógio em seu pulso parecia avançar em câmera lenta.

Apesar de ser um nome conhecido no stand-up nas redes sociais, ainda sentia frio na barriga em lugares públicos e sabia que fora de sua bolha de humor duvidoso, poucas pessoas o reconheceriam.

Com cada candidato que chegava parecendo aumentar a ansiedade no ar, os olhos de Richie vagavam pela sala em busca de distração. Foi quando seu olhar se prendeu a uma mulher ruiva, com cabelos ondulados que caíam graciosamente sobre os ombros. Ela era alta, elegante e tinha sardas dispersas pelo rosto.

Uma sensação familiar o atingiu instantaneamente, como se uma peça do quebra-cabeça de sua memória estivesse tentando se encaixar. Ele piscou algumas vezes, tentando acessar a parte de sua mente onde residiam as lembranças daquela mulher.

Enquanto discretamente a observava, Richie tentou desesperadamente conectar os pontos. Ele tentou recordar em qual momento de sua vida havia se cruzado com ela. Seria uma antiga colega de trabalho? Ou talvez uma conhecida de um dos inúmeros eventos sociais que frequentara ao longo dos anos? Ou até mesmo uma fã...?

Seus pensamentos se tornaram uma névoa de especulações. Cada detalhe, desde o brilho de seus olhos até o jeito como ela sorria enquanto conversava com alguém ao seu lado, parecia familiar de alguma forma.

Enquanto a fila avançava lentamente, Richie continuou a observá-la discretamente. Seria apenas uma coincidência ou havia algo mais profundo os conectando?

A fila finalmente avançou, passou pela recepção e ele e a mulher ruiva entraram juntos no elevador. Foi então que seus olhares se encontraram, e ela pareceu instantaneamente surpresa, quase chocada.

— Não pode ser! — Ela exclamou.

Richie arqueou as sobrancelhas, confuso com a reação dela. Olhou ao redor.

— Desculpe, você disse alguma coisa?

A mulher balançou a cabeça, como se estivesse tentando processar o que via.

— Eu sinto como se te conhecesse de algum lugar — disse ela, parecendo perplexa. — Meu nome é Beverly Marsh.

Uma luz pareceu se acendeu na mente de Richie. Ele piscou algumas vezes, antes de uma expressão de reconhecimento iluminar seu rosto.

— Beverly? De Derry? — Ele perguntou, aumentando o tom de voz.

Ela assentiu com um sorriso radiante.

— Sim, sou eu. Beep Beep, Richie!

O bordão trouxe uma sensação de nostalgia nele, o fazendo ajeitar os óculos para cima, como nos velhos tempos. Lembrou-se vividamente da jovem destemida que conheceu em sua cidade natal e no clube que participavam. Que era carinhosamente conhecido por todos como “O clube dos otários”. E também teve breve flashs sem sentido sobre a Coisa que enfrentaram em 1989.

— Não consigo acreditar que é você! Quanto tempo faz desde que nos vimos pela última vez?

— Eu acho que... 22 anos. — Richie respondeu, suspirando fundo. — Você ainda tem contato com... Os outros? Estranho porque eu nem me lembrava de nada até hoje de manhã.

— Não tenho notícias... Também não me lembrava de nada sobre Derry...

— Que complicado! Também veio pra entrevista?

— Não, eu trabalho no gabinete do presidente aqui da empresa, mas estava ajudando na organização das entrevistas. E você?

— Vou ver se passo pro teste pro novo show de sábado à noite. É a grande chance de alavancar minha carreira. Modéstia à parte, mas meu canal faz bastante sucesso no YouTube.

— Você sempre gostou disso, né, Richie? Suas piadas estão no mesmo nível que antes ou você aprendeu a ter filtro?

— Veja e tire suas próprias conclusões. — Richie disse, estendendo seu celular para ela.

“Ei, Dustin, sabe qual é a diferença entre sua mãe e um poço sem fundo? No poço sem fundo, pelo menos você sabe quando parar de cavar!” Bev reagiu aquele trecho do vídeo com os olhos arregalados.

— Não mudou muito. — Ela devolveu seu celular, segurando a risada.

— Esse é o meu estilo, princesa. — Ele deu de ombros.

— Sabe... Algo dentro de mim tem certeza de que você vai passar.

— Que a Tartaruga te ouça! — Ambos se entreolharam, sorrindo.

— Então, qual o seu andar? — Richie perguntou, finalmente apertando os botões.

— 19º.

— Ótimo. Então estamos quase lá. O meu é o 16º.

— Você também se lembra de um palhaço... ele está tão perdido em minhas memórias.

— Eu me lembro de...

O elevador apitou.

— Meu andar, não posso me atrasar. Mais uma vez, boa sorte! — Ela desejou.

— Obrigado. Até uma próxima, Bevvie! Prazer em te rever. — Ele acenou e ela retribuiu, tomando seu rumo.

Durante a entrevista, fez o possível para focar no que os entrevistadores diziam, forçando um sorriso enquanto encenava seu número mais conhecido. Saiu do prédio otimista, pois havia conseguido fazê-los rir e eles pareceram simpáticos do começo ao fim. Enquanto caminhava pelas ruas ensolaradas, sentia um misto de pesar no peito e uma vontade de sorrir e chorar ao mesmo tempo, tristeza e nostalgia.

Beverly costumava ser sua melhor amiga e parceira de dança, na adolescência sempre se encontravam todos os sábados num clube no centro de Derry e ali ficava até a madrugada, voltando correndo para casa e entrando pelas janelas dos fundos, sem que seus pais soubessem. Parecia ser um dos únicos passatempos agradáveis naquela cidadezinha do interior.

Também costumavam fumar escondidos, nos banheiros abandonados da escola. Assistiam filmes no drive-in, junto aos outros otários e colocavam a fofoca em dia, contando tudo um para o outro — ou quase tudo.

Todos do clube, melhor, da cidade, acreditavam que eles eram namorados secretamente, rolavam brincadeirinhas sem graças e ciúmes contido por parte de Ben, que nutria algo por Beverly, ele até mesmo chegou a se comparar com Richie e a exagerar na dieta e exercícios físicos, por mais que não externasse.

Era uma grande ilusão acharem isso. Richie amava Beverly, sim! Mas não poderia ser classificado como esse tipo de amor. Ele queria muito conseguir gostar de Beverly, ou de qualquer outra mulher, mas era impossível e por muito tempo se repudiou por isso.

Adentrou uma lanchonete movimentada que ficava há algumas quadras dali. Era um ambiente calmo, espaçoso e não muito cheio, provavelmente pelo horário. Fez seu pedido no balcão e se sentou em uma das mesas perto da janela, admirando os carros agitados na rua.

— Derry nem de longe era assim. — Ouviu alguém dizer atrás de si. Ao se virar, deparou-se com Beverly.

— Aquela cidade era uma merda! — Richie respondeu. Ambos riram.

— Olá de novo, Richie!

— Isso já é perseguição — Ele piscou, sorrindo. — Acho que vou ter que te denunciar, ruivinha.

— Duvido muito que faça isso. Posso te fazer companhia, como nos velhos tempos?

— Claro. Como nos velhos tempos!

Beverly fez seu pedido e enquanto esperavam, começaram a descobrir mais sobre a vida um do outro. Richie havia se tornado um viral nas redes sociais, seus vídeos ganhavam mais de um milhão de acessos no Youtube e seu canal de comédias, apresentações e pegadinhas alcançara 1 milhão de inscritos. Beverly, por sua vez, havia casado com um grande contabilista da bolsa e vivia uma vida confortável com Tom, até ele arranjar uma amante que tinha idade para ser sua filha e se tornar mais... agressivo. E então veio o divórcio.

— Sinto muito por isso. Se eu o conhecesse iria encher ele de porrada até ele ficar roxo e não ter mais forças para subir o pintinho dele.

Beep beep, Richie. — Ela jogou um pedaço de alface nele. — Velhos hábitos nunca mudam.

— Pois é — Deu um gole em sua cerveja.

— Richie... você se lembra dos nossos amigos? Bill, Stan, Ben, Mike.

— Claro, como iria me esquecer daqueles boiolas.

— E do Eddie...?

Richie ficou em silêncio e desiou o olhar.

Era impossível me esquecer do Eddie. Aquele baixinho ranzinza e hipocondríaco, que amava sorvete de menta com chocolate, que conhecia todos os medicamentos da farmácia de cor e vivia implicando com ele.

— Fala sério? Até quando você vai continuar iludindo a Bev? — Eddie disse uma vez, revirando os olhos. — Ela não merece isso. Ela é incrível!

— Se você acha, Eddiezinho. — Ele deu de ombros. — Deveria namorar com ela, então.

— Tem mais gente na minha frente na fila...

— Você diz como se estivesse numa fila de emprego para uma empresa cinco estrelas em Nova Iorque.

— E eu não quero namorar com ela, seu babaca. — completou.

— Então, você quer namorar com quem? Não diga que aquela vadia da Greta Bowie?

— Ela é passado!

Eddie estava tomando sorvete de menta cm chocolate, enquanto Richie pedalava a bicicleta ao seu lado. Para a (in)felicidade do baixinho, havia se esbarrado com o Boca de Lixo enquanto saia da mercearia.

Estavam cruzando a Ponte do Beijo, em sua madeira envelhecida, haviam várias iniciais marcadas com corações e juras de amor.

— Queria que meu nome estivesse aqui algum dia.

— Nessa ponte idiota? Pra quê?! — Richie riu. — Um boquete bem pago pela sua mãe tem mais gesto de amor que isso!

Beep Beep, Richie! — Ele balançou a cabeça em negação. — Estou falando sério, isso é importante para mim!

— Ok então, se você quer viver um clichê. Ainda bem que nenhuma namorada minha tem essas ilusões, se não elas ficarão querendo.

— Você não é tão poderoso quanto fala!

— Claro que sou. Quer ouvir algo maneiro? Eu e essa ponte temos uma história erótica muito boa!

— Lá vem você com suas historinhas... — Eddie revirou os olhos.

— Foi na época da última festa da cidade.

— Aqui, na frente de todo mundo? Esse local fica lotado nessa época do ano. Conta outra.

— Não foi na frente de todo mundo, mas a gente se conheceu aqui durante a festa e eu fiquei com ela aqui e depois fomos para as preliminares no estacionamento do mercado aqui do lado...

— Quero nem saber.

— Ok, não vou falar nada.

— Você não iria falar nada de um jeito ou do outro. É só papo, você sai inventando as coisas, sempre seguindo o mesmo roteiro.

— Como assim? Eu só fiquei com ela, ué.

— “Ei seus virgens, eu fiquei com fulana, foi algo muuuuito intimo, mas não posso falar e blá, blá, bla”. — Eddie engrossou a voz para imitá-lo. — Ai, sinceramente!

— Teve mais, mas pra que você quer saber? — Richie riu com escárnio.

— Mas quem disse que eu quero saber? Foi você que começou a tocar nesse assunto. — Eddie quase gritou, coração disparado. — Eu não quero saber de nada!

— Ciúmes?

— Não seja ridículo. Somos dois homens.

— Justo. — Richie abaixou a cabeça.

— Tenho que ir pra casa, já está escurecendo.

— Eu te acompanho.

— Não precisa.

O baixinho saiu andando na frente, deixando Richie para trás, em silêncio.

Richie não conseguiu dormir naquela noite, pensando em como havia sido babaca com Eddie. Ele agia tão estupidamente perto dele, nem conseguia raciocinar direito sobre o que dizia, fazendo jus ao apelido de Boca de Lixo. Nunca teve uma garota na Ponte do Beijo. Na verdade, nunca teve sequer uma garota!

Sentia-se tão sufocado por não poder simplesmente falar tudo o que sentia por Eddie. Queria desabafar e beijá-lo, mais do que qualquer outra coisa. Mas sabia que seria rejeitado, alvo de chacota, e que Eddie se afastaria dele. Adeus amizade, adeus reputação.

No dia seguinte, Richie foi até a residência Kaspbrak. Sonia o recebeu com hostilidade, mandando-o embora e rotulando-o como uma má influência para o filho dela. Enquanto ela o observava ir embora pela fresta da janela, Richie a mostrou o dedo do meio e a mandou se foder bem alto e com gosto. A vizinha da casa ao lado, que regava suas plantas, ficou chocada com aquele ato de rebeldia.

Decidindo distrair-se, Richie dirigiu-se ao fliperama. Enquanto inseria a ficha para jogar Street Fighter, percebeu a presença de um casal ao seu lado. Ele estava concentrado no videogame, enquanto ela permanecia ao seu lado, rindo e elogiando suas habilidades no jogo. Logo depois, ela expressou seu tédio e sugeriu que fossem para a Ponte do Beijo. Ela tinha uma surpresa planejada para ele. No entanto, o rapaz não pareceu dar muita importância ao pedido dela.

— Por que todo mundo parece gostar tanto dessa ponte idiota? — murmurou.

— Por que naquela ponte idiota? — Ouviu o rapaz loiro dizer.

— Porque tem uma lenda que quem grava suas iniciais naquela ponte, ficam destinados a ficar juntos! Aquela ponte é abençoada, não sei explicar por quem, mas é.

— E quem te contou isso, sua vó?

— A professora Margaret, da biblioteca. Essa ponte já era conhecida desde quando ela era criança e ela me jurou que era verdade.

— E você acredita nessa superstição ridícula, Penelope?

— Marcus, você é um idiota! — Ela deu um empurrão em seu ombro e saiu batendo os pés e batendo a porta do fliperama.

Assim como Marcus, Richie também ficou parado sem entender e ouviu o arcade anunciar game over. Será que Eddie levava aquela superstição a sério que nem aquela garota? Muito provavelmente.

— Destinados a ficar eternamente juntos, puff, mas que piada! — murmurou, começando a rir baixinho, colocando mais uma ficha na máquina. — Tem que ser muito idiota para acreditar nisso!

E Richie definitivamente era aquele idiota. Afinal, assim que terminou aquela partida, ele saiu do fliperama e pedalou até a Ponte do Beijo. Certificou-se que estava sozinho, olhando para os lados. Com uma pequena faca que carregava no bolso da calça, começou a gravar as iniciais “R + E” em uma das colunas da ponte.

Após terminar, ele encarou o que havia escrito e sorriu, sentindo um alívio no peito. Porque, mesmo de uma forma minimalista, podia expressar seus sentimentos sem medo para o mundo.

— Richie, o que faz aqui?

— Bev? — Ele se levantou num sobressalto e com o corpo escondeu a faca e as iniciais. — O que faz aqui?

— Esse é o melhor caminho para chegar mais rápido na minha casa. Agora eu é que te pergunto: O que faz aqui?

— Nada. Só... admirando... a natureza? — Sorriu largo e começou a assobiar.

Beverly cruzou os braços e arqueou a sobrancelha.

— Isso foi uma pergunta?

— Não, não, ma cherie, limpe seus ouvidos, isso foi uma resposta objetiva.

Ela o encarou séria. Richie bufou.

— Conta outra, cara! Se não veio aqui pra beijar, é porque veio gravar a inicial de alguém. Richard Tozier está apaixonado?

— O quê? Não! Que nojo! — Fingiu careta. Beverly revirou os olhos.

— Você é um péssimo mentiroso! — Acusou.

— Não dá para esconder nada de você, não é?

— Eu sou sua melhor amiga, se esqueceu? E algo me diz que esse “E” aí? — disse, apontando para a ponte. Richie olhou para trás e percebeu que estava escondendo “Sandy & Danny – Amor eterno” ao invés do que deveria esconder. — É de Eddie, não é?

— É claro que não, tá me estranhando. Eu sou homem!

Beverly piscou duas vezes, irredutível.

— Nem você acreditou nisso. Eu sou sua amiga, sabia? Pode confiar em mim.

— Tá, eu... gosto dele, gosto muito. Só que... é tão complicado ter que esconder isso e me sentir um lixo todo dia que deito minha cabeça para dormir, por que eu amo um garoto e não deveria ser errado isso. Eu sei que a bíblia fala, mas... eu só queria ser eu mesmo! Isso me sufoca tanto que sinto que vou morrer. E eu iria pro inferno mesmo se gostasse de meninas ou não... minha boca é muito grande.

— Ai, só você mesmo! — Bev conteve um riso e passou o braço direito pelos ombros do rapaz. — Não tem nada de errado em amar alguém. Eles dizem que Deus ama a todos igualmente, não é? Ele não deve concordar com esse pessoal desejando ódio e matando homossexuais por aí, em nome dele.

— Você me odeia, Bev? Agora que sabe meu segredo? Eu entendo se me odiar e quiser me afastar. As pessoas já falam bastante de você na cidade, ser vista ao lado da bichinha não deve ajudar sua situação.

— E quem liga para o que o Bowers ou qualquer outro babaca que age de forma machista e preconceituosa como ele fala?! Eu sou sua amiga e não vou deixar de te amar por isso, você é como um irmão pra mim!

— Obrigado. — Ele ajeitou os óculos e piscou várias vezes, para tentar impedir as lágrimas de descerem. — Eu te amo, Bevvie!

— Também te amo!

Eles se abraçaram. Richie sentiu como se tivesse retirado uma bolsa pesada de suas costas, podendo descansar em braços acolhedores e amigos.

— Eu tô atrapalhando alguma coisa? — Uma voz séria falou próxima deles. Ao se virarem, viram Eddie.

— Não. Na verdade, eu já estava de saída. — Bev disse. — Tchau, meninos.

E ela se foi. E Richie sentiu seu coração sair pela boca. Escondeu a faca e torceu para que Eddie não reparasse nas inicias escritas na ponte.

— Eds, Eds, você tem um péssimo timing para aparecer. — pontuou.

— Já disse para não me chamar de Eds! — O baixinho revirou os olhos. — Eu fui na sua casa agora pouco, sua mãe disse que você não estava desde cedo e fiquei preocupado, você nunca fica tanto tempo assim sem falar comigo e... vim pedir desculpas pelo comportamento babaca da minha mãe. Mas pelo visto, você estava ocupado e bem até demais.

— Eds, você deveria aprender a controlar seus ciúmes. Tem um pedaço de Richie para todo mundo.

Eddie fechou os olhos e suspirou.

— Olha, me desculpa pelo chilique de ontem. Eu estava tendo um dia ruim, briguei com a minha mãe e passei vergonha na frente de todo mundo na farmácia, ao derrubar uma pilha de remédios que a Greta tinha posto em qualquer lugar. Enfim, eu fui rude com você e você não merecia isso.

— Você deve ter engolido muito orgulho para falar isso.

Aff, nem sei porque eu...

— Tá tudo bem, Eddie, não se preocupa. Eu é que te devo desculpas também, eu te deixei desconfortável do jeito que eu falei. Fui invasivo e desnecessário. Eu sempre estrago tudo.

— Não precisa se culpar assim. Esse é o seu jeito, não tem porque mudar isso. Então, me acompanha até em casa? Eu não trouxe minha bicicleta e não tô muito a fim de voltar a pé.

— Folgado! — Richie bagunçou seus cabelos e foi pegar sua bicicleta.

— Isso é um sim? — Eddie perguntou.

— Claro! Vou aproveitar e te carregar na cestinha, que nem aquela vez que fugimos correndo da casa da rua Neibolt.

— Ei! — Eddie gritou, dando um empurrão de leve no ombro do amigo, que caiu na gargalhada.

Nesse momento, ele olhou para o lado e viu um “R + E” que não estava ali antes. Ele passava por aquela ponte todos os dias e sempre observava os gravados. Definitivamente, era algo novo.

Sentiu as bochechas corarem ao ver aquilo, criando mil teorias em sua cabeça.

— Eddie meu amor, você não vem? — Richie gritou segurando a bicicleta perto das árvores na descida, na entrada da ponte.

— Já tô indo! — Correu em sua direção.

Com dificuldade, montou na garupa da bicicleta. Enquanto Richie pedalava, Eddie o observava com atenção, os cabelos encaracolados que esvoaçavam conforme o vento passava por eles, aquele sorriso malandro enquanto contava piadas provocativas do tipo: “Sua mãe amou montar na minha garupa na noite passada” e o jeito que os músculos de suas costas pareciam rígidos quando ele estava concentrado.

Cenários invadiam os pensamentos do Kaspbrak. Ele queria tocá-lo, abraçar sua cintura, acariciar seus cabelos, beijá-lo... mas algo dentro dele sabia que era errado. Sua mãe sempre enfatizava isso quando passavam por uma casa no final da esquina de sua rua, onde duas mulheres moravam juntas. Ela fazia uma feição de nojo ao vê-las, e ele odiava ter que reprimir seus sentimentos por Richie.

Ele ansiava pelo dia em que os dois pudessem ser como as duas Senhoras Olsen, vivendo seu amor, desafiando o preconceito do mundo.

— Deveria parar de babar em mim desse jeito, quer que eu te traga um babador da próxima vez? — Richie provocou.

— Não seja idiota. Sabe, podemos ir pra sua casa invés da minha, não quero ver minha mãe agora e ainda temos duas horas antes do dia escurecer.

— Por mim tudo bem.

— A tia Maggie e o tio Wentworth estão em casa?

— Papai tá no trabalho e a mamãe deve estar preparando um bolo pro aniversário da minha prima, Sarah, que é daqui dois dias. Ao contrário da sua mãe, ela apoia nossa amizade e gosta da sua presença.

— Se te serve de consolo, minha mãe não gosta de ninguém, só do Bill e do Stanley.

— Pelo menos ela não me chama de putinha suja como chama a Bev. Como pode alguém ser tão odiosa assim? Eu sei que é sua mãe e tals...

— Tudo bem, nem eu a aturo às vezes, não é à toa que estou “fugindo” de casa, não é? — Forçou um riso fraco. — Ela precisa de uma terapia.

— E como!

Como Richie havia suposto, sua mãe estava na cozinha preparando um bolo quando eles chegaram na residência Tozier.

— Oi, mãe. — Richie cumprimentou, abrindo a porta.

— Oi, querido. — Ela respondeu, concentrada em mexer a massa na tigela, com uma colher de pau.

— Oi, tia Maggie. — Eddie cumprimentou.

— Oi, Eddie querido, tudo bem?

— Tudo sim.

— E a Sonia?

— Está saudável.

— Que bom! — Ela sorriu. — Ainda bem que vocês chegaram, meninos, assim que eu terminar aqui, quero que sejam minhas cobaias. — afirmou, apontando para a massa amarelada da tigela.

— Claro mãe. Vamos lá pra cima, assim que estiver pronto nos avisa.

— Era exatamente isso que eu iria fazer. — Maggie respondeu. — Se divirtam! Se precisarem de algum lanchinho, é só chamar.

O quarto de Richie ficava no segundo andar e o que ele tinha de espaço e de quadrinhos grudados nas paredes, ele tinha de desorganizado.

— Meu Deus, Richie, isso aqui é um chiqueiro? Deve estar infestado de baratas, e baratas atraem escorpiões, que causam doenças e até a morte! Sem contar que baratas mordem! — Eddie disse, colocando a mão institivamente na bombinha. — Como consegue dormir aqui?

— Você é muito fresco! — O de óculos rebateu. Eddie revirou os olhos. — Então, quer ler alguma coisa? Assistir um filme? Acabei de alugar uns filmes de terror da hora ontem na locadora.

— Não gosto de filme de terror.

— Você fica com tanto medinho que faz xixi na cama? — Richie começou a rir.

— Não idiota! É só que... é uma ideia horrível, acrescentar mais um medo na lista enquanto se tem a Coisa à solta.

— A Coisa está morta. Nós a matamos, se esquecer?

— Como se garante tanto disso? E se ela só estiver... mais fraca. — Agora, Eddie segurava com força sua bombinha. — Aguardando nas sombras o momento certo de atacar de novo.

— Eddie, meu amor, você estava lá quando ela caiu no poço. E você a machucou, derreteu a cara dela com o ácido da sua bombinha, ela teve medo de você! Você foi meu herói! E mesmo se não estiver, ela só retornará daqui 27 anos.

— Você me acha um herói?

— Quem não acharia?

Eddie corou e desviou o olhar.

— Ok, seu chato, vamos ouvir um pouco de música? Que músicas você tem aí?

Hm... — Richie se aproximou da sua estante de fitas de músicas. Começou a ler, passando o dedo entre os estojos. — Tears for Fears, A-ha, George Michael, Prince, Michael Jackson, Madonna, Phil Collins, Pet Shop Boys, Guns N' Roses, AC/DC…

— Não sabia que você curtia rock.

— Tem muitas cosias que você não conhece sobre mim, Eddiezinho. — Piscou.

— Odeio quando você vem com esses apelidos.

— Eu sei disso.

— Eu sei que você sabe. Pega logo qualquer um aí.

Richie pegou uma fita e colocou no aparelho no toca-fitas. Uma melodia de saxofone começou a tocar e Eddie deu risada.

Careless Whisper? Você tá apaixonadinho, é? — Eddie provocou.

Richie deu de ombros.

— É um clássico! — Em seguida, ele pegou um masso de cigarro do bolso e o acendeu com isqueiro que estava no outro bolso.

— É sério? Você deveria parar com isso. Além de dar câncer, o cheiro é horrível. — Eddie tampou o nariz.

— Me poupe dos seus sermões, Eds.

— Já disse que não gosto quando você me chama assim.

— Que tal Eddie Espaguete então?

— Ai, eu te odeio! — Eddie respondeu, se jogando na cama de Richie.

Richie, por sua vez, pegou uma escova de cabelo e enquanto não estava fumando, cantarolava, de forma desafinada, a música de Michael e fazia gestos engraçados com as mãos.

I feel so unsure

Eu me sinto tão inseguro

As I take your hand and lead you to the dance floor

Ao segurar sua mão e conduzi-la até a pista de dança

As the music dies

Enquanto a música acaba

Something in your eyes

Alguma coisa em seus olhos

Calls to mind a silver screen

Lembra uma tela prateada

And all its sad goodbyes

E tudo isso são tristes despedidas”

— E depois fala que não tá apaixonado, olha isso! — Eddie acusou, jogando um travesseiro nele. — Não me diga que a garota do boquete da ponte te deu um fora?

— Cala a boca! — Devolveu o travesseiro. — E vem dançar! — Se aproximou, segurando seus braços.

— Não sei, pede pra garota da ponte do beijo. — Kaspbrak virou o rosto e tentou se esquivar.

— Para de graça! — Com um empurrão, levantou o outro garoto e o aproximou de seu corpo, o rodopiando pelo quarto, enquanto cantarolava descompassadamente o restante da canção.

I'm never gonna dance again

Eu nunca vou dançar de novo

Guilty feet have got no rhythm

Meus pés são os culpados, eles não têm ritmo

Though it's easy to pretend

Embora seja fácil fingir

I know you're not a fool

Eu sei que você não é nenhuma tola

I should've known better than to cheat a friend

Deveria saber melhor não trair uma amiga

And waste the chance that I'd been given

E ter desperdiçado a chance que eu tive

So, I'm never gonna dance again

Então, eu nunca vou dançar outra vez

The way I danced with you

Do modo que dancei com você”

— UUUUUH! — Richie prosseguiu imitando, mantendo o fôlego para segurar a gracinha por longos segundos.

— Está cantando isso pensando na Beverly?

— Dá um tempo nisso, Eds. Eu nunca tive esses olhos pra ela.

— Imaginei... então, quem é aquele “E” que você escreveu na ponte?

— Do que você tá falando?

— Aquele “R + E”, não estava ali na ponte hoje de manhã.

— Não sei do que está falando. — Ele sentiu suas pernas enfraquecerem.

— Eu sei que foi você que escreveu! Aquele garrancho era parecido com a sua caligrafia!

— Agora você está delirando!

Tozier desviou o olhar, seu rosto ganhando um tom de vermelho. Ele tentou disfarçar, mas Kaspbrak estava determinado.

— Você está delirando — repetiu Richie, mas sem a mesma convicção.

Eddie deu um passo à frente, encurtando a distância entre eles. Seus olhos não deixavam os de Tozier, intensos e questionadores.

— Quem é a felizarda, por que nunca a apresentou pra nós? — insistiu, agora com um tom mais suave.

Richie engoliu em seco, sentindo o coração acelerar. Ele podia sentir a proximidade de Eddie, o calor que emanava do corpo dele, o ar ficando mais denso entre os dois.

— Eu... não sei do que você está falando — murmurou Richie, mas sua voz o traiu.

Eddie deu um meio sorriso, aquele sorriso que sempre fazia Richie se sentir desconcertado. Ele levantou uma mão lentamente e tocou o braço de Richie, um toque leve que enviou um choque pelo corpo deste.

— Eu acho que sabe, sim — provocou, a voz quase um sussurro. — Você pode confiar em mim.

Richie sentiu sua resistência derreter. Ele olhou para Eddie, vendo a sinceridade e a preocupação nos olhos dele. Sem pensar, Kaspbrak se inclinou ligeiramente, aproximando seus rostos. Ele podia sentir a respiração do garoto maior, quente e suave, misturando-se com a sua.

— Eds... — começou Richie, mas sua voz falhou.

Eddie não recuou. Em vez disso, ele se aproximou ainda mais, seus lábios a um fio de distância. O mundo parecia desaparecer ao redor deles, deixando apenas a tensão e a expectativa no ar.

Richie sentiu uma onda de coragem súbita. Ele fechou os olhos e, finalmente, cedeu ao impulso que vinha reprimindo há tanto tempo. Seus lábios encontraram os de Eddie em um beijo suave, hesitante, mas cheio de emoção contida.

De repente, a melodia da música começou a soar distorcida.

— Que lindo, duas bichonas patéticas! — Ambos sentiram um frio na espinha ao ouvir aquela voz. Henry Bowers. Afastaram-se num instante.

Para a surpresa de ambos, a voz saia do toca-fitas. E o poster do Batman em cima da cabeceira estava se destorcendo e se transformando no rosto de Bowers.

— Não pode ser, ele não foi mandado para o hospício? — Eddie tentou argumentar, abraçado a Richie.

— Ele claramente não é o Henry... — Richie rebateu.

— Olha só o que temos aqui — O Henry distorcido riu. — Dois maricas se beijando. Que nojo!

— Vai embora, Bowers! Isso não é da sua conta. — Eddie retrucou.

A criatura saiu do poster, de forma agonizante. Primeiro as mãos, depois a cabeça e por últimos os pés. Seu corpo estava coberto por uma substancia negra parecida com piche, e aos poucos foi ganhando cores e se transformando em Henry, ou uma versão deformada dele, com cabeça, braços e pernas enormes. O cheiro era forte, parecendo de algo apodrecido.

Eddie sentiu vontade de vomitar.

Henry soltou uma risada fria, os olhos brilhando com uma malícia perversa.

— Ah, mas agora é. Eu acho que todo mundo na escola adoraria saber que o Bebê Kaspbrak e a Viado Tozier são um casal de bichas.

Richie deu um passo à frente, tentando esconder Eddie atrás de si.

— P-po-or favor, só nos deixe em paz! — Eddie suplicou, tremendo, apertando mais o braço de Richie.

Henry deu mais um passo, agora tão perto que Eddie podia sentir o cheiro de tabaco em sua roupa.

— “P-po-or favor”? “P-po-or favor”? Virou a merda do Bill agora foi! — Henry gritou. — Ah, eu acho que você vai ter que implorar melhor do que isso, seu boiola.

Richie ergueu o queixo, tentando manter a compostura.

— A gente não tem medo de você. Você não é real! Nós já te derrotamos!

O sorriso de Henry vacilou por um segundo, mas ele rapidamente se recompôs.

— Acredita mesmo que me derrotaram? Eu sou o devorador de mundo. Ninguém ousa mexer comigo, nem mesmo aquela Tartaruga patética!

Eddie sentiu o medo tomar conta de si, mas ao olhar para Richie, encontrou um pouco de coragem.

— Vamos, Richie. Vamos cair fora daqui.

Henry deu um passo para o lado, com suas longas pernas, bloqueando a porta do quarto.

— Não tão rápido. Eu acho que vocês dois merecem uma lição. — Ele disse, puxando uma faca e a passando por sua língua. Um sangue preto e fedido escorreu e pingou em abundancia no chão.

Eddie sentiu novamente uma vontade enorme de vomitar e começou a hiperventilar, buscando auxílio em sua bombinha.

— Já mandei você ir embora, não tenho medo de você!

— O que foi Richie, não pareço real para você? — O Henry distorcido riu, encarando-o com os olhos arregalados.

— Vai embora, eu já disse! Você não é real!

— Eu não pareço real o suficiente para você, Richie? E agora! — A figura disse, gritando em cima dele, sujando seus óculos.

Em uma fração de segundos, Richie correu até sua cama e pegou seu estilingue com uma bala de prata que havia guardado em caso de emergência e mirou contra a cabeça da Coisa. Acertando-o em cheio e abrindo um buraco brilhoso em sua testa, ela inclinou a cabeça para trás e gritou de dor.

Ao mesmo tempo, Eddie correu com sua bombinha para fora do quarto. Atravessando as escadas e passando pela Sra. Tozier como um foguete. Ela olhou para fora sem entender.

— Eddie, espera! — Richie gritou, deixando o quarto e seguindo-o. O pequeno não pareceu o ouvir.

— Aconteceu algo? — Maggie perguntou. — Que gritaria era essa e porque ele saiu desse jeito? Você fez alguma coisa, filho?

— Não tenho tempo para explicar agora, mãe! — Richie rebateu. Pegando com rapidez sua bicicleta e deixando-a para trás, com as mãos na cintura.

— Eddie! — Ele gritou quando estava se aproximando do amigo. — Qual foi cara? Eu dei um jeito nele, não se preocupe. Ele não é real.

— Não é real porque não é seu medo, oras! — Eddie gritou sem olhar para trás, dando outra fungada na bombinha.

— Do Pennywise? Você derreteu a cara dele lá no esgoto? Tá com medo de quê?

— E quem disse que é dele que eu tenho medo! — Eddie virou de uma vez e Richie conseguiu ver seus olhos marejados.

— Que droga! — Richie desceu da bicicleta e tentou abraça-lo. Kaspbrak se esquivou. — O quê?

— Só me dá meu tempo, entendeu?

— Mas Eddie eu te amo e podemos resolver isso juntos, cara! — Tozier falou mais alto do que gostaria.

Eddie olhou para trás e viu uma família — avó e seus dois netos adolescentes — os encarando com rancor e com enojamento. O pequeno se arrepiou.

— Me esquece!

— Espera!

— Você entendeu tudo errado, eu não sou uma bichona que nem... você. Adeus, Richie. — Cuspiu no chão e continuou seu caminho.

Richie chutou o chão, olhou para os vizinhos e eles pareciam, rir discretamente, se deliciando de sua desgraça. Pegou sua bicicleta e retornou para sua casa, onde chorou contra o travesseiro a noite inteira. Sendo acolhido por sua mãe, que o trouxera um chocolate quente. Ele se recusou a desabafar com ela. Não saberia como. Não queria perder seu respeito.

Quando retornou à sede do clube no dia seguinte, descobriu que Eddie havia deixado Derry para sempre, sem despedidas, sem explicações. Em um momento de impulso, a maluca da Sra. Kaspbrak partiu, levando Eddie com ela, junto de seu coração e suas esperanças.

[...]

— É claro que eu me lembro do Eddie, como eu me esqueceria? — Novamente estava naquele restaurante, conversando com aquela bela ruiva desconhecida que não via desde a infância.

— Me desculpa se o mundo não foi muito gentil com vocês, querido. — Bev alcançou sua mão. Lembrava-se dela ser a única a abraçá-lo e a ouvir suas dores com aquela inesperada despedida.

— Tudo bem, acho que eu também não era digno dele.

— Não diga isso. Tenho certeza que Eddie também gostava muito de você. É que ser LGBT nos anos 80 era mais complicado do que é hoje. Era muita culpa e preconceito enraizado.

— Talvez você tenha razão. Se fosse nos dias de hoje, em outra cidade, nossa história tivesse sido diferente... Nós quase fomos uma coisa, certo?

Bev assentiu.

— Aceita um cigarro? — Ela ofereceu, tirando um maço e um isqueiro da bolsa.

— Não, valeu. Estou lutando para parar.

— Melhor coisa que você poderia fazer. Meu sonho conseguir me livrar disso também. está sóbrio a quanto tempo?

— 10 meses.

— Meus parabéns, de verdade! — Ela apertou sua mão e deu mais um sorriso verdadeiro.

— Tenho que ir, foi bom ter te reencontrado querida. — Richie se levantou de uma vez.

— Digo o mesmo, Richie.

Ele caminhou até a porta, mas um impulso o fez retornar a mesa. Bevvie o olhou curiosa.

— Você tem informações sobre ele? Qualquer coisa.

Beverly pressionou os lábios.

— Fiz uma breve pesquisa e encontrei um perfil. Ele tem uma empresa de limosines em Las Vegas. Motorista particular de grandes nomes de Hollywood, tipo Natalie Portman, Colin Firth, Jennifer Lawrence, Ryan Gosling, Rooney Mara, Emma Stone.

— Ele parece estar se dando bem. — Richie escondeu as mãos nos bolsos.

— Ele também está casado com uma mulher chamada Myra, há 5 anos, achei ela fisicamente bem parecida com a falecida mãe dele. Sonia Kaspbrak morreu de câncer 5 anos depois deles deixarem Derry.

— Parece que ele conseguiu a liberdade que tanto queria.

— Sinto muito...

— Tudo bem, eu imaginei que ele fosse casado. Acho que no fim, só eu que não consegui seguir em frente...

— Richie...

— Tchau, Bevvie. Foi bom te rever. — Ele beijou sua testa e caminhou até a porta, dessa vez, sem olhar para trás.

— Tchau, Richie. — Ela se despediu num sussurro.

Ao chegar em seu pequeno apartamento, Richie sentiu um enorme vazio. Mal conseguiu dormir naquela noite. Os pensamentos o atormentavam, e o silêncio do apartamento parecia amplificar a dor que sentia.

Sem conseguir se acalmar, ele abriu uma cerveja, sentindo o gosto amargo descer pela garganta enquanto a espuma tingia seus lábios. Após alguns goles, seus dedos tremiam enquanto ele pegava um maço cigarro que comprara assim que deixou a lanchonete. Dez meses longe do tabaco não foram suficientes para afastá-lo do vício. Ele acendeu o cigarro, inalando profundamente, e deixou a fumaça preencher seus pulmões, como se aquilo pudesse aliviar a confusão dilacerante que sentia.

As lágrimas vieram sem aviso, rolando livremente pelo seu rosto. A perda do passado voltava com força total, rasgando seu coração. Richie queria desesperadamente saber como Eddie realmente estava. Será que algo havia acontecido para trazer à tona essas memórias dolorosas? A mente de Richie estava um caos, uma tempestade de emoções e lembranças fragmentadas.

Será que Eddie algum dia também quebrara do feitiço da Coisa e se sentiu assim, agoniado?

Eventualmente, exausto de tanto chorar, ele se deitou perto da mesa, a cabeça repousando ao lado de uma agenda telefônica e a tela do computador aberta no perfil de Eddie Kaspbrak no Facebook. Com um último suspiro, Richie finalmente cedeu ao sono, um sono pesado e sem sonhos.

Na manhã seguinte, Richie acordou com o som estridente do alarme. Sua cabeça latejava, e seus olhos ardiam. Ele olhou ao redor, confuso, tentando entender onde estava. A agenda telefônica estava aberta em uma página qualquer, e a tela do computador exibia um perfil que ele não reconhecia.

Motorista particular das estrelas de Hollywood. Casado com Myra há 5 anos.

Quem era Eddie Kaspbrak? O nome não lhe dizia nada. Havia uma cidade estranha na outra barra de pesquisa. Derry? Nunca ouvira falar desse lugar.

Sentindo-se estranhamente vazio, Richie se levantou, ignorando o eco de uma dor que ele não conseguia identificar. A noite anterior era um borrão, perdida em algum lugar de sua mente. Ele se vestiu mecanicamente, sentindo que algo estava terrivelmente errado, mas incapaz de lembrar o quê.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.