BitterSweetheart

Capítulo 23 – Perturbações


Guilherme

Acordei na cama de Caio e demorei um pouco para realizar onde estava. O mundo ainda parecia rodar. Ressaca de vinho. Nada podia ser pior que isso. Levantei-me com cuidado para não acordar Caio e fui para a cozinha. Precisava de água, talvez uma piscina inteira, mas assim que tomei um gole senti vontade de vomitar. Não estava mal apenas fisicamente. Sentia-me uma criatura repugnante pelo que fizera. Depois de todos os sermões que dei em Carla eu fizera a mesma coisa. Liguei para Caio apenas para não ficar sozinho depois de ter terminado com ele. Não podia lidar com a situação naquele momento, então me vesti e chamei um taxi. Pensei em deixar um bilhete para explicar, mas soube que isso seria mais ainda idiota. Caio não merecia isso e ficaria tão melhor quanto mais longe estivesse de mim. Cheguei em casa, tomei um remédio e me joguei na cama. Dormi a tarde toda. Acordei quando já anoitecia, mas não tive a menor vontade de sair do lugar, então fiquei imóvel na cama até que adormeci novamente. Acordei no domingo me sentindo um pouco melhor. Agora precisava conversar com alguém que me entendesse e que me desse um pouco de colo e carinho. Só existia uma pessoa que preenchia todos os requisitos, então disquei o número de Carla.

Carla

– Carla? Estou precisando muito de você. Se não for te atrapalhar será que você podia cuidar desse seu amigo desmiolado?

– O que você aprontou dessa vez, meu amor?

Anne me olhou feio com uma cara de “quem é no telefone” que eu preferi ignorar.

– A história é muito longa. Posso ir para sua casa almoçar com você.

– Claro que pode. Você sempre pode vir aqui quando quiser. Nem precisa pedir.

– Você está sozinha?

– Não. A Anne está aqui, mas tenho certeza que ela não se importa. Pode vir. – Desliguei o telefone e olhei para Anne. – Teremos companhia para o almoço.

– Isso eu já percebi. Quem era?

– O Gui. Ele parecia muito mal. Deve ter aprontado mais uma das suas.

Ela pareceu muito mais aliviada quando soltou a respiração longamente e sorriu.

– Então o ajude. Para ele te ligar assim deve ser sério.

– Na verdade ele me liga assim por qualquer coisa. Mas dessa vez parecia mesmo sério e...

Dessa vez foi o celular de Anne que me interrompeu e ela atendeu antes mesmo do segundo toque.

– Oi Di.

Anne ficou alguns instantes em silêncio e sua expressão mudou completamente enquanto ouvia Diego. Parecia que algo sério também estava acontecendo com o amigo dela.

– Diego pare de falar essas besteiras e trate de se acalmar. Vou aí agora. Chego em alguns minutos. Não se mova até eu chegar. – Ela desligou o telefone muito assustada.

– O que aconteceu, Anne?

– O Diego está muito estranho. Não parava de chorar e disse que ia fazer uma besteira. Eu tenho que ir lá, meu amor. Preciso saber o que tem de errado com ele. Ele está precisando da minha ajuda.

– Então corre para a casa dele. Vai ajudar seu homem enquanto eu fico aqui ajudando o meu. – Tentei parecer confiante porque Anne estava realmente assustada. – Nos encontramos para jantar o que você acha?

– Tudo bem. Eu te ligo mais tarde para combinarmos.

– Até mais tarde então. – Anne já saía quando a chamei de novo. Ela parou na porta e me encarou. – Amor, só uma pergunta.

– Pergunte.

– A gente está... Você sabe, eu e você estamos...

– Namorando? É claro que não. – Confesso que meu coração parou naquele instante e meu chão já desaparecia quando ela piscou e voltou para me abraçar. – Estaremos quando você me fizer um pedido oficial. E isso nem foi uma indireta. – Ela sorriu e saiu para encontrar o Diego.

– Claro que não foi uma indireta. – Não pude deixar de rir, mas não me importei, enquanto ela saía, eu já imaginava como pediria ela em namoro oficialmente. Mas aparentemente essas ideias teriam que esperar, pois nesse momento avistei Guilherme chegando e ele parecia ter chorado bastante.

Fiquei preocupada, pois nunca tinha visto meu amigo assim. Fiz um chá e me sentou com ele para que ele pudesse contar tudo. Gui me olhou de uma forma triste e suspirou, então contou toda a história, com detalhes até demais. Deixei que ele desabafasse pelo tempo que fosse necessário, mesmo que isso quisesse dizer duas horas seguidas falando.

– Gui você não fez nada de mal. Ele te deixou na mão. Ele fugiu e não teve coragem de encarar os fatos, você não pode se culpar por isso. Você ficou carente, e se sentiu esnobado e eu sei que em uma situação como essa a gente faz coisas das quais não se orgulha muito. Você não se lembra da Claudinha? Eu fiz isso com ela. É normal. A culpa é toda do Diego.

E assim eu passei a tarde toda consolando meu menino do coração partido.

Anne

Quando cheguei ao apartamento de Diego o encontrei em um estado catastrófico. Ele parecia meio louco. O cabelo todo desgrenhado, olheiras fundas de quem não dormia havia muito tempo. A cara dele também não ajudava. Ele estava com um olhar injetado e uma feição doentia. Parecia meio psicopata. Senti medo por ele, o que poderia estar acontecendo de tão sério? Quando me viu, Diego correu até mim e me abraçou.

– Anne eu não sou gay. Não sou Anne. Eu não sou gay.

Eu ficava cada vez mais preocupada.

– Eu sei que não, meu amor. Nunca foi. Vem tomar um banho e se acalmar. – Coloquei Diego no banheiro, fiz um café forte e preparei alguma coisa para ele comer. Precisei vesti-lo e pentear seu cabelo com toda a paciência. Ele parecia anestesiado, mas ao menos estava mais calmo. Sentei-me e o olhei séria.

– Agora pode me contar o que está acontecendo?

Diego narrou rapidamente o que tinha rolado entre ele e Guilherme. Não fez questão de dar detalhes e nem explicou as emoções que eu sabia que o atormentavam até agora. De qualquer forma não precisaria, eu o compreendia bem demais e já havia passado por isso. Sair do armário pode ser mais traumático para uns do que para outros. Principalmente quando a pessoa, assim como ele, se recusava completamente a aceitar.

– Diego, olhe para mim. O que você acha que tem de tão péssimo no fato do Guilherme ser gay? – Eu sabia como agir com ele. Era só não contrariá-lo no começo. Precisava apenas fingir que falava de outra pessoa para depois aplicar a mesma situação a ele. Diego sempre caía nessa.

– Nada. Ele pode ser gay o quanto quiser.

– E você acha que ele é diferente por isso? Errado ou algo desse tipo?

– Não, não, não. Anne você sabe que eu não me importo com isso. Não tenho preconceito contra gays.

– Ah! Então seu preconceito é contra você mesmo?

– O que?

– Só pode. Porque você diz não se importar por ele ser gay, mas está maluco porque finalmente descobriu que você também é. Qual o problema com isso se você sabe que homossexualidade não nenhum bicho de sete cabeças como algumas pessoas pregam por aí?

– Mas Anne. Eu não... Por que, Anne? Por que comigo?

– Agora sim. Essa é uma reação bem mais civilizada. Medo, raiva, confusão, insegurança. Tudo isso é normal. No começo elas andam conosco onde quer que estejamos. Mas eu te garanto que elas passam. Agora todo esse show que você está dando é a mais pura infantilidade, Di. Simplesmente encare a sua realidade e esses sentimentos conturbados se acalmam com o tempo.

– As pessoas vão me desprezar por isso?

– Quem vai te desprezar, Di? Além de você mesmo é claro. O Gui não tem um ótimo emprego? Ótimos amigos que o amam? Eu e a Carla não temos tudo isso também? O preconceito vem primeiro de dentro. Se você não se aceita ninguém vai te aceitar. Mas quando você mostra a todos que é tão normal quanto qualquer um e não se sente menor por ser diferente você é simplesmente aceito. Você não é anormal por ser diferente, Diego. A diferença é o que torna tudo mais interessante. Pense se todo mundo gostasse apenas de sorvete de chocolate. Não haveria outros sabores.

– Como sempre você tem razão, Anne. Acho que eu posso gostar de sorvete de chocolate e de morando ao mesmo tempo.

Tive que rir. Diego às vezes parecia uma criança mimada, mas era uma gracinha quando fazia isso.

– Você pode gostar do sorvete que quiser, meu amor.

Diego deitou no meu colo e chorou, mas foi um choro bem mais calmo. Foi um choro de aceitação e não de revolta. Ele finalmente parecia permitir que minhas palavras entrassem em sua cabeça dura.

– Eu preciso dormir, Anne. Vou descansar um pouco e quando acordar preciso falar com o Guilherme. Você me ajuda?

– Claro. Eu sempre vou te ajudar em qualquer coisa. Agora durma e descanse que eu tento resolver isso para você.

Assim que ele se deitou, eu liguei para Carla e perguntei como estava Guilherme. Ela também já devia ter ficado sabendo de tudo, pois foi logo perguntando como estava Diego. Marcamos um jantar em minha casa para mais tarde. É claro que nós duas levaríamos nossos amigos para que eles tentassem se entender.