Beyond Kira

P r ó l o g o


Julho 27, 1983.

Victorique estava sentada sobre seu baú de brinquedos, que ficava abaixo do parapeito da janela, observando a chuva derramar inúmeras partículas de água contra o vidro, que escorriam até desaparecer da sua linha de vista. Chorava em silêncio, abraçando as próprias pernas em frente a seu corpo. Procurara Watari em todos os lugares, mas por algum motivo, informaram que ele estaria fora até o fim de semana. Ela não se sentia à vontade com ninguém ali e as poucas palavras que saíam de sua boca, eram todas direcionadas ao amigo de Cordélia, que gentilmente a acolhia.

Vendo a porta entreaberta, um dos garotos, curioso como naturalmente era, entrou silenciosamente pelo quarto. Seus olhos vagaram por todo o cômodo, em uma fração de segundos. Havia uma coleção de bonecas de porcelana, na prateleira que ocupava toda a extensão de uma das paredes. Uma grande cama ocupava o centro do quarto, cercada por um cortinado de renda, com babados nas pontas. As paredes eram cor-de-rosa e o teto branco, com acabamento em gesso. Entretanto, o que realmente o intrigou, foi a figura angelical sentada aos prantos próxima à janela. Nunca havia tido garotas em Wammy's House. Seria ela uma possível sucessora?

O garoto pálido e inexpressivo, aproximou-se de Victorique silenciosamente, tocando seus longos cabelos loiros, sem qualquer cerimônia, como se tentasse ter certeza de que ela era real. Ou de que era realmente uma garota.

— O que está fazendo? – perguntou a garota, surpresa com a ousadia.

— Hm? – o garoto de cabelos escuros e olheiras profundas, levantou o rosto para encará-la – Você está chorando... O que houve?

— NADA! SAIA DAQUI! – gritou, escondendo o rosto entre os joelhos e voltando a chorar pesadamente, soluçando.

— Eu posso ajudar. – ele insistiu.

— Pode? – ela levantou o rosto, encarando-o com o olhar esperançoso – Você nem sabe do que se trata.

— Mas sei que farei o meu melhor pra ajudar. – ele curvou levemente os lábios, no que pareceu o resquício de um meio sorriso.

Tentada a descobrir se o garoto poderia ou não ajudar, e convencida de que não lhe restavam muitas opções, Victorique saiu rapidamente de cima do baú de brinquedos, do qual tirou uma boneca de pano esfarrapada, cuja cabeça havia separado do corpo. Considerando a pobreza da boneca de cabelos de lã e olhos de botão, não era de se admirar que a cabeça tivesse descosturado. O garoto, no entanto, não conseguiu entender o motivo de sua tristeza. Por que em meio a tantas bonecas caras e bem cuidadas na prateleira, ela chorava por uma tão simples e velha?

— Você pode costurar pra mim? – seus olhos cheios d'água e seu rosto vermelho, como o de quem havia chorado por horas, expressavam sua urgência.

— Claro. – ele tomou a boneca cuidadosamente em suas mãos, e sentou no chão, analisando o tecido – Mas vou precisar de linha e uma agulha...

Victorique correu até a grande cama centralizada e debaixo dela, pegou uma pequena caixa de sapatos, de onde tirou um carretel de linha branca e uma agulha, levando com cuidado até o garoto.

— Eu peguei escondido no quarto de Watari... – confessou, envergonhada – Eu tentei sozinha, mas a agulha me machucou todas as vezes. – ela estendeu as mãos ao garoto, mostrando um conjunto de pequenas perfurações avermelhadas em sua pele, em quase todos os dedos.

O garoto pegou os objetos e, delicadamente, começou a costurar a boneca. A loira ajoelhou e sentou sobre as próprias pernas, observando atentamente seus movimentos, em uma tentativa de compreender todo o processo, uma vez que ela foi incapaz de fazê-lo. Levou bastante tempo, mas graças a ele, a boneca estava inteira de novo. Victorique tomou-a em suas mãos, apertou contra o peito e em seguida, pulou sobre o garoto e o abraçou forte, pegando-o de surpresa. Ele arregalou os olhos, sem reação. Nunca havia chegado a ter esse tipo de contato físico com alguém.

— O que é isso?

— Um abraço de agradecimento. – ela riu – Qual o seu nome? – ela se afastou para encará-lo novamente.

— Lawliet... – ele disse em sussurro – Mas não pode contar a ninguém, todos me conhecem apenas como L. Não é seguro que saibam meu nome.

— Tudo bem. Será nosso segredo. – ela sorriu.

— E você, como se chama?

— Victorique.

— Você parece uma fada. – ele tocou seu cabelo novamente, como fez ao entrar no quarto.

— Talvez eu seja. – ela riu.

— É, talvez. – ele deu de ombros – Victorique, por que chora por essa boneca tão simples, com tantas outras na sua prateleira?

— Essa... – ela suspirou, apertando a boneca de pano contra seu peito, outra vez – Foi minha mãe que me deu. É a única lembrança que tenho dela.

— Entendo... – disse L se levantando – Vamos, vou colocar curativos nos seus dedos. E depois podemos comer bolo de chantilly com morango. Estou faminto.

— Mas Watari diz, que não podemos comer doces entre as refeições... – ela se levantou, seguindo-o.

— Eu não conto a ele, se você também não contar. – L piscou para ela e pegou sua mão, guiando a pequena garota pelo orfanato.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.