Beyond

Capítulo 6


Liv abriu um de seus olhos. Percebeu que havia um tampão sobre o outro. Lincoln a olhava com grande ansiedade, sentado ao seu lado, no branco quarto de hospital. Ela sorriu:

—Ei...

—Ei—respondeu ele, tocando sua mão.

Como se os acontecimentos que antecederam o acidente a bombardeassem de uma única vez, ela tentou se levantar:

—Henri!

Ele tocou no ombro dela para que não levantasse:

—Liv, descansa agora, tá?

—Lincoln, cadê o meu bebê?

Os olhos dele se encheram de lágrimas, que tentou disfarçar em vão, procurando ser firme a voz forte saiu num sussurro:

—Liv, descansa agora... Você está muito machucada...

Francis entrou no quarto, com um buquê de hortênsias, e percebeu o olhar de ambos. Abaixou a cabeça em luto. A ruiva negou com a cabeça e procurou a mesma negação no olhar de Lincoln, mas ele retribuiu com vácuo na fala e desespero nos olhos. Ela desabou... O amigo a abraçou, sem saber bem o que dizer... O suspeito fora encontrado no carro, morto após o acidente, o bebê que carregava consigo não sobrevivera...

.o.

Peter parou num beco e olhou aquela criaturinha em suas mãos. Olhou para Olívia com a alegria de um pai, mas ela não retribuiu com a alegria de uma mãe... Havia confusão e seu olhar.

—Peter... Eu...

Ele tocou o seu rosto e pediu com o olhar para que não falasse. Ele queria aquele momento. Aquele momento perfeito em família. A família que ele inventara.

Ela se encostou na parede imunda, sentindo todo o seu corpo doer. Precisavam voltar ao outro lado. Se o assassino estava morto, significava que cumpriram sua missão. Ela precisava tanto descansar... Sabia que os dois precisavam de cuidados médicos. Olhou para o pequeno filho de Peter e se sentiu num beco sem saída.

—Olívia... O Observador veio falar comigo—revelou e sorriu, para ela, de uma maneira um pouco louca: — Ele disse que eu podia ter tudo! Que eu posso levar Henri para o outro lado. Que eu posso viver com você!

—Peter! —espantou-se ela. Após o primeiro momento, ela tentou se acalmar: — Peter, acabamos de passar por uma situação de choque! Precisamos descansar e nos acalmar...

—Ele vem com a gente!

—Peter... —disse ela, negando com a cabeça.

Com lágrimas nos olhos e cheio de raiva, ele vociferou:

—Ele é nosso, Olívia! NOSSO!

—Não, Peter—disse num sorriso nervoso, com um tremor envolvendo o seu corpo, deixou pequenas lágrimas rolarem em sua face: — Ele não é meu, Peter...

Antes que pudessem continuar a discussão, vários policiais correram para o beco e os cercaram. Sem chances de escapar, se renderam.

.o.

John acordou no quarto branco de hospital. Olhou para o seu ombro enfaixado. Não acreditava no azar que estava tendo naquele dia.

A enfermeira que acabara de trocar o seu curativo se preparava para deixá-lo sozinho.

—Espere! —pediu ele.

—Quer alguma coisa? Se estiver sentindo alguma dor, terá de aguentar, já está no máximo de morfina seguro...

—Não, não é isso... Posso fazer uma ligação?

—Não tem telefones aqui, mas você pode ir até o balcão desse andar quando se sentir seguro para andar.

Ele a olhou um pouco espantado e ela retrucou:

—O seu caso não é tão grave.

Não era aquilo. Como poderia sair andando livremente daquela forma? Imaginava que do lado de fora do seu quarto havia ao menos um policial.

Ele se levantou vagarosamente e aproveitou-se do tripé de soro ligado à ele para ajudá-lo a caminhar. Do lado de fora não havia nenhum guarda.

"Mas, é lógico! Sherlock descobriu o que aconteceu e me inocentou!", raciocinou. Por outro lado, se de fato fora aquilo, onde estaria o amigo?

Sentiu uma irracional vontade de tomar ar puro. Caminhou lentamente até o elevador e procurou o andar mais alto possível. Saiu dele e percebeu uma escada que levava ao terraço. Subiu-a com dificuldade.

Foi então que percebeu: fora inconscientemente para o terraço de um hospital. Sentiu um arrepio por todo o corpo. Perguntou-se o que teria acontecido se tivesse chegado a tempo ao terraço do hospital em Londres. Se sua aproximação poderia ter impedido a ação do amigo...

O raso soluço ecoou no vazio. O olhar de John se elevou: a moça ruiva que o ajudara com o telefonema estava ali, na beirada do terraço, olhando para a rua agitada lá em baixo, desejando a morte.

—Não! Espere! —berrou ele. Ela olhou para trás e percebeu o homem.

—O que você está fazendo aqui?

—Eu... Eu não sei! Mas, por favor, desça daí!

Ela olhou para baixo mais uma vez, lágrimas corriam pelo rosto de Liv incontrolavelmente...

—É Olívia, não é? Não se jogue! Por favor... Converse comigo!

—Pare com isso! Você não me conhece, me deixe em paz!

—Eu não te conheço, mas sei que você é uma boa pessoa... Sei que pessoas vão sentir a sua falta—disse se aproximando.

Ela riu em deboche:

—O meu filho está morto! Você acha que eu ia querer que quem sentisse a minha falta?

John engoliu seco:

—Perdas nunca são fáceis... Eu estive na guerra por muito tempo e perdi muito... Depois, encontrei uma pessoa que me fez rever a minha vida. Eu estava tão perdido e devo tanto a ele... Mas, nunca vou poder retribuir. Nunca mais vou poder retribuir... Ele se suicidou. E, sabe, mesmo que ele não tivesse pensado em quem iria sentir a falta dele, mesmo que não tivesse se importado... Não muda o fato que para quem fica... —ele parou um segundo, engolindo a própria angústia: — Quem fica se sente insuficiente, culpado... Todo amigo seu vai se perguntar o que poderia ter feito para que você tivesse escolhido viver. Um deles me deu um tiro, me deu um tiro porque achou que eu ia fazer mal a você! Não me diga que não tem pessoas que não sentiriam a sua falta!

Liv enxugou o rosto e olhou para o lado, para o piso firme do terraço e depois, para a rua abaixo de si.

—Por favor... —pediu John. —Pessoas boas não deviam nem pensar em tirar a própria vida! Pessoas amadas nunca deviam se suicidar...

Ela quis entender o ponto dele. Pensou em Francis, pensou em Lincoln... Não poderia fazer aquilo com Lincoln... Ouviu em sua mente o choro de Henri. Não queria viver sem seu filho. Respirou como se fosse seu último suspiro.

—Esse pulo é extremamente desnecessário. A não ser que queira que o seu filho fique órfão.

John deu um pulo. A mesma voz, a mesma altura, a mesma pele pálida e olhos claros, os cabelos negros no mesmo corte, o casaco da mesma cor e modelo... Na porta de acesso ao terraço, Sherlock acabara de surgir.

Liv se virou e encarou, confusa, o homem que noites atrás a ameaçara com um revolver. Ele deu passos tranquilos em direção a ela enquanto acendia um cigarro. Passou por John, como se ele não existisse.

—Olívia Dunham, seu filho está vivo e a salvo. Havia dois bebês no carro. Seus investigadores não perceberam as evidências disso no carro. Claro, são uns idiotas. Recomendei um teste de DNA, a criança morta não era o seu filho. Era uma criança órfã que era levada junto com o seu filho, as duas crianças seriam trocadas e você tomaria a órfã por Henri. Sugiro que desça para encontrar com o secretário. Ele está com o seu filho.

Com um sorriso consternado ela correu para as escadas sem precisar ouvir mais nenhuma palavra.

Sherlock foi até a borda e olhou para baixo, afastou-se e olhou ao longe, quase terminando o cigarro. John queria socá-lo. Queria abraçá-lo. Queria entender que aquele Sherlock não era o seu Sherlock, mas algo em sua mente o impedia, assim como o sósia de seu amigo, que não ousava encará-lo.

—John Watson do mundo alternativo—disse Holmes, soltando a fumaça vagarosamente. —Eu realmente me precipitei com aquela ligação. Mas, tudo foi rapidamente esclarecido quando eu coloquei as minhas mãos nos arquivos do departamento Fringe a seu respeito... Você poderá voltar para casa em segurança, me certifiquei disso.

—Sher... Sherlock—começou John. Não queria ir embora. Não queria retornar ao universo onde se sentia tão só...

—Então eu me suicidei do outro lado? —perguntou ele, dando a risada que tanto John sentia falta.—Eu me suicidei e você está vivo! Lestrade também sobreviveu.

—Sim, ele sobreviveu—confirmou o que o amigo já havia percebido.

Jogou o cigarro no chão e o apagou com a leve pisada. Respirou só para se lembrar que não era do ar que gostava. Acendeu, devagar, outro cigarro. Ainda sem olhar John, revelou:

—Há um ano, eu estava na laje do hospital em Londres, com Moriarty — fez uma pausa, e riu cheio de angústia: —Eu tinha o plano perfeito, sabe? Na época, ele manipulou toda a mídia para que eu parecesse uma fraude. E eu sabia, John, sabia que em algum momento ele ia forçar o meu suicídio. Era o fim perfeito para a história dele! Então, eu me antecipei. Arquitetei uma saída que mostraria a todos o meu suicídio, mas eu sairia vivo! E, eu sabia, John, eu sabia... Ele usaria você para me forçar. Mas, o meu plano era perfeito! Seria o fim de Moriarty...

John o observava, estático:

—Mas, uma coisa fugiu do controle. Uma coisa que nem Moriarty previu! Um dos atiradores não esperou o sinal dele. Agiu por vingança própria. Ele esteve com você na guerra... Caçamos o atirador, e ele confessou. Ele puxou o gatilho e eu vi você morrer, lá do alto do hospital. Eu vi você morrer... —e olhou John pela primeira vez, encarou o fantasma que tanto o machucava, cobriu o rosto com seus longos dedos. Por alguns segundos, nenhum dos dois foi capaz de dizer nada e, pela primeira vez, John viu lágrimas sinceras em seu amigo. Ele continuou: — Eu estou contando isso, John, porque você é igual a ele. É igual ao John. E se você está vivo do outro lado. Se eu sou igual ao Sherlock de lá...

Watson piscou, aturdido:

—Lá o seu plano deu certo. Você está vivo!

—O que eu queria, John... Eu queria ter você de volta na minha vida. Eu queria que aquele gatilho nunca tivesse sido puxado! Mas, John, eu sei quem eu sou. Do outro lado, se o outro eu te perder, eu vou sentir tanto quanto aqui. Eu já te perdi... Ele não precisa te perder também...

.o.

Poucas horas antes...

Walternativo olhava pela ampla janela à sua frente. A porta se abriu e a importante pessoa entrou no gabinete sem ser anunciada. Com a perfeita educação britânica, esperou que o secretário oferecesse sua hospitalidade. Bishop acenou com a mão para que Mycroft sentasse.

—Posso dizer que fiquei bastante surpreso com o seu telefonema nesta manhã. Porque o governo britânico teria conhecimento do paradeiro do meu neto?

Mycroft sorriu, diplomaticamente:

—Esse é um assunto muito delicado, secretário. Um assunto que põe em jogo o futuro do nosso mundo.

—Eu não duvido que seja... —rebateu, interessado.

—Veja, Sr. Bishop, estou a par da situação que envolveu o rapto do seu neto. O sequestrador é um homem do outro lado. Também estou a par do seu desejo de ligar a máquina deste lado, antes que o outro lado tenha controle.

O olhar de Walter se estreitou. Não imaginava que outro governo pudesse ter tantas informações sobre suas decisões. Rindo, polidamente, o homem parecia entender sua surpresa:

—É o mundo onde todos nós vivemos. Estas questões também são de interesse do meu país.

Movimentando-se um pouco desconfortável, na própria cadeira, o americano expressou sua ansiedade:

—E então...?

—O sequestrador chama-se Richard Visconsin. Não sabemos ao certo qual a intenção particular dele, mas sabemos que ele segue ordens de outra pessoa. O objetivo era muito simples, eliminar a nossa vantagem do jogo: eliminar o pequeno Henri.

—Meu neto está morto? —perguntou pausadamente.

—Não, porque não houve necessidade de fazê-lo. A ordem foi retirada, porque algo que eles não esperavam aconteceu: o pai encontrou a criança.

—Peter?

—Sim. Seu neto está com o pai. Ele planeja levar a criança para o outro lado, para cria-la como se a sua Olívia fosse a verdadeira mãe.

Walter se levantou rapidamente:

—Não existe crime mais hediondo do que o sequestro de uma criança!

—Eles já sequestraram essa criança. Mas, eu tenho a localização deles.

Bishop olhou para Mycroft, esperando o suborno que, estranhamente, não veio. A filipeta de papel estava posta na sua mesa, com o endereço correto.

—Qual o seu interesse?

—O mesmo que o seu... Que o nosso lado vença!

O britânico se levantou, mas, deteve-se por mais um instante:

—Gostaria de dar mais um conselho... E fazer um pedido.

Walter esperou, paciente.

—É evidente que Peter jamais deixará de buscar seu filho. Mas, ele já escolheu o seu lado. Se dependermos dele, nossa ruína é iminente! Fará qualquer coisa para salvar o seu filho e o mundo dele... Tendo Henri, o triunfo é nosso. Então, Peter e Olívia não podem se lembrar do que viram aqui. E eles precisam retornar para o outro lado sem essas lembranças.

O secretário meneou. Ele sabia que perdera Peter há muito tempo...

—E qual é o seu pedido?

—Existem duas pessoas que caíram no meio dessa confusão. Dois britânicos: Sherlock Holmes e John Watson.

—Eles estarão de volta a salvo em Londres. Eu prometo.

—Sr. Bishop, gostaria que deixasse a decisão nas mãos de cada um deles. Deixe que fique deste lado ou que vá quem quiser...

Fez uma pequena pausa, como quem pensasse a respeito:

—John Watson pertence ao outro lado. Sherlock Holmes a este... De acordo, mas se alguém quiser voltar ao outro lado, não permitirei que leve nenhuma lembrança daqui!

—De acordo—finalizou.

E Mycroft sentiu que o peso da morte de John diminuiu um pouco em seus ombros. Mas, esvair-se por completo, apenas seria possível quando o irmão fosse capaz de perdoá-lo. E isso jamais aconteceria...

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.