Betrayed

Podemos mudar?


Abro os olhos, e está tudo claro demais para o meu gosto. Olho ao redor. Um sorriso toma conta de meus lábios quando o que aconteceu noite passada passa como um flash por minha mente.

Minhas costas estão tocando o peito de Max, que sobe e desce regularmente por sua respiração constante. Um braço dele está me envolvendo, passando por minha cintura para me manter perto de seu corpo. Ergo a cabeça levemente do travesseiro que dividimos e viro-me lentamente para ver seu rosto. Sua expressão está mais relaxada do que eu jamais vi. Seus cabelos e pele claros o deixa parecido com aquelas imagens “ideais” de anjos.

Max me sente trocando de posição e abre os olhos. Ele sorri, me analisando de cima a baixo até onde as cobertas permitem. Sinto o rosto esquentar, mas não ligo muito.

- Bom dia – diz ele, passando os dedos por minhas costas.

- Bom dia – respondo da mesma forma e me inclino para beijar seu pescoço. Ele fecha os olhos novamente.

Sem prestar total atenção ao que fazemos, Max fica de barriga para cima e eu passo as pernas ao redor da cintura dele, ficando por cima. De repente, ouvimos uma voz debochada vindo da escada e paramos imediatamente.

- Já acabaram com o rompe e rasga? Porque eu quero mesmo minha cama e meu quarto de volta.

Olho para o lado e vejo Drake com um sorriso bobo de quem sabe das coisas. Meu rosto fica vermelho de raiva e vergonha. Max começa a rir.

- Sério, eu não posso ficar uma noite fora que vocês se apoderam da casa?

- Sai daqui! – Arremesso um travesseiro na cabeça dele. Ele se desvia e volta para baixo rindo.

Quando volto a olhar para Max com uma risadinha, reparo novamente na tatuagem que vi ontem à noite em seu ombro.

- O que significa?

- Aqui e agora – ele responde, seguindo meu olhar.

***

Chegamos para tomar café da manhã e encontramos a mesa cheia de coisas. E quando digo cheia, é cheia mesmo. Há montes de panquecas, mel, leite, café, frutas, suco, pães, presunto e queijo, geleia e manteiga. Ergo as sobrancelhas para tudo isso.

- Bom dia, raios de sol! – Natalie aparece segurando uma segunda forma de panquecas.

- Pra que tanta coisa? – pergunto.

- A casa estava muito morta, então eu quis fazer algo para variar e nos animar – diz ela sorrindo e se sentando, seguida de Drake.

- E aí você fez comida? – diz Max.

- Sim, Max, eu fiz comida. Mas se não quiser, é só não comer.

Nós dois damos de ombros e nos sentamos. Peço para Drake passar o pão e noto uma coisa.

- Você não tem uma troca de roupas não? Está usando as mesmas de quando saiu ontem.

Drake cora fortemente. O barulho dos talheres de Natalie cortando a comida para. O que eu falei foi só um comentário, mas percebo o que eu fiz quando reparo nas roupas de Natalie também.

- Você disse que “não pode passar a noite fora”, não é? – continua Max.

Eu gargalho para a cara que os dois fazem como se tivessem combinado.

- Agora entendi o porquê de toda essa comida. Durou quanto tempo?

- Coma suas panquecas – Drake me diz, fuzilando-me com o olhar. - Bom dia, crianças – diz Jack vindo da sala. Ele afaga as nossas cabeças. – Parece que todos tiveram uma ótima noite.

Nós todos rimos abertamente. Ao terminarmos de comer e estarmos satisfeitos, Jack avisa:

- Vamos hoje assim que escurecer. Estejam prontos.

***

Jack estaciona o carro em frente a um galpão do outro lado da cidade. Tem dois andares, nenhuma janela e está todo apagado. Descemos e descarregamos as mochilas para levá-las para dentro. Não levamos muito. A maioria está cheia de armas.

Começo a ficar nervosa. Eu não costumo ficar nervosa. É mais um pressentimento, como se dessa vez se qualquer coisa der errado tudo vai por água abaixo. E isso não pode acontecer, é sério demais. Não pode haver deslizes ou falhas em nenhuma hora. Não paro de repassar a senha do cofre em que a chave está em pensamento, e, por sua expressão de concentração, Drake também está fazendo o mesmo com a localização do cofre.

Ele e Jack vão abrir a porta de metal enferrujado do galpão enquanto Max, Natalie e eu pegamos as mochilas. Estamos vestidos igualmente: coturnos, calças e blusas de mangas compridas pretas e luvas. Exceto Natalie, é claro. Parece mais que está pronta para uma trilha feliz em um acampamento do que para atirar em alguém. Suas roupas são claras, brancas e beges, ela não usa luvas e a blusa não é comprida. Vai parecer um ponto iluminado na noite.

- Ãh, você não acha que está um pouco chamativa demais? Quer dizer, se queremos ser discretos, uma pessoa diferente não ajudaria muito a nos esconder – observo tentando ser gentil.

Natalie inclina a cabeça para – espanto – pensar.

- Bem, pelo menos vou ser a distração – responde animada do mesmo jeito de sempre. Ela percebe meu nervosismo e acrescenta: - Não se preocupe, não é nada de mais.

Respiro fundo e finalmente vamos levar as coisas para o galpão. O interior é enorme de comprimento, e o pequeno avião que vamos usar está no centro. O lado oposto à porta não existe, e o corredor se estende por pelo menos cem metro; não há teto. Os amigos de Jack já estão esperando em volta. Cada um de nós deixa uma arma preparada na cintura por precaução. Howie abre o avião e começamos a entrar.

Sou a última, mas assim que ponho o pé para subir, Jack me para.

- Espere, tenho uma coisa para dizer antes.

- O que é?

- Estive pensando nos últimos dias – diz ele. – Acho que depois desse trabalho, devemos parar.

- Como assim?

- Depois de todo esse tempo fazendo a mesma coisa... – Jack balança a cabeça. – Não me parece certo que você e Drake tenham que fazer isso também. Vocês merecem ter uma vida normal. Eu os puxei quando eram muito jovens para um mundo de assassinatos.

- Jack, eu não me importo, você sabe – digo, porque realmente não me importo em matar. – Nós entramos porque escolhemos entrar.

- Sim, eu sei. Mas vocês merecem mais que isso. Com Natalie e Max aqui, vocês mudaram, e isso é bom. Entende o que quero dizer?

Jack nunca foi bom com palavras, assim como eu. Então entendo o que ele quer dizer. No fundo, eu também quero isso. Talvez tentar não custe nada, não é?

Faço que sim e ele sorri. Tateia os bolsos da jaqueta e tira um maço de papéis, esticando-os para mim.

- Quando isso acabar, posso mudar suas identidades, arquivos e todo o resto. Vocês podem ir para uma faculdade se quiserem. Isto – ele empurra os papéis na minha mão – é o dossiê com nossos nomes e tudo o que já fizemos. Vamos alterar todos os dados. Fique com você. Guarde-o bem.

Fecho meus dedos nos documentos e dou um sorriso.

- Drake já sabe?

- Sim.

- Certo.

- Vamos – Jack faz um movimento com a cabeça para que eu entre. – Já passou da hora.