Betrayed

A festa que me faz arruinar tudo


- Então, é aqui – diz Max.

Estamos parados em frente aos degraus que levam à porta do maior e mais elegante salão de festas da cidade, em uma rua cheia de casas imponentes de pessoas ricas. Há luzes amarelas por ele todo; o chão é enfeitado com vasos de plantas que fazem o caminho até a entrada. Um segurança enorme está parado ao lado da porta, e do lado dele está uma mulher verificando os nomes dos convidados.

Casais não param de chegar, usando roupas elegantes, vestidos longos e ternos que devem ter custado mais que o que consegui minha vida inteira.

Um vento forte sopra e eu já me sinto desconfortável do modo como estou vestida. Ar passa por onde não deveria passar, meus pés doem por causa dos sapatos, tenho que levantar o vestido toda hora por ser sem alças e meu cabelo gruda na minha boca pelo batom.

- Vamos entrar, o baile já deve começar – diz Natalie indo na frente.

- Baile? – repito, me perguntando se ouvi certo.

- Pensei que fosse só uma festa – diz Drake.

- São ambos – explica Natalie. – É um baile para comemorar o aniversário de Vicent Arwen Foster.

- E ele seria...?

- É por ele que viemos. É ele quem tem a localização da chave.

Vou perguntar mais alguma coisa, mas alcançamos a entrada e a recepcionista pergunta nossos nomes, me fazendo esquecer. Natalie responde por nós.

- Natalie Fleming, Jennifer Holt, Max Hautler e Drake Vermon.

A mulher procura na lista para confirmar, risca alguma coisa com uma caneta e nos diz um “bem-vindos e aproveitem”. Sorrimos e entramos para admirar o salão. Natalie só falta dar pulinhos de animação com a beleza do lugar.

No fundo, bem mais a frente, fica o palco onde imagino terá um grupo de músicos. O meio é um corredor e também o espaço para as pessoas dançarem. De cada lado, os grupos de mesas estão espalhados, todas cobertas por toalhas brancas e com um vaso de flores no centro. As luzes do teto refletem no chão inteiramente polido e liso, o que me faz ficar com medo de escorregar.

- É tão lindo – suspira Natalie. Vamos procurar a mesa que nos foi reservada e a encontramos no lado esquerdo do salão, encostada na parede. O cartão marca o nome Vermon. Não sei como Weasel conseguiu fazer isso, mas até mesmo eu tenho que admitir que é impressionante.

Nos sentamos, e eu fico do lado de Max. Mesmo a essa certa distância, posso sentir o cheiro de seu perfume e minha vontade é de me grudar ao pescoço dele. Balanço a cabeça. O que é que eu estou pensando? Concentre-se, você tem trabalho a fazer, Jennifer.

Devemos ser um dos últimos a chegar, porque logo depois de nos sentarmos um homem aparece no palco, segurando o microfone, e Natalie diz:

- É ele.

Não pergunto como ela o conhece, mas presto atenção ao que ele fala. Vicent tem cabelos grisalhos claros, o que me faz pensar que devem ter sido loiros quando era mais jovem. Ele usa óculos redondos e é um pouco pesado demais para a idade (54, como mostra o telão atrás dele), mas sua voz é melodiosa e me parece estranhamente familiar.

- Sejam todos bem-vindos! Primeiramente gostaria de agradecer à presença de todos aqui esta noite. Sem vocês isso não estaria acontecendo. Meus amigos, familiares, minha mulher, muito importantes para mim. Lembro-me de uma vez em que...

Vicent conta qualquer fato aleatório de sua vida que deveria ser engraçado para quem está escutando, mas é mais uma piada interna já que apenas alguns riem. Ou simplesmente não teve graça.

- Agora, então, vamos começar essa festa com a valsa. Cada pessoa aqui convide outra para dançar e vamos nos divertir.

Natalie se levanta imediatamente, assim como mais de metade dos convidados.

- Max, você vem dançar comigo – e o puxa pela mão.

– Quê? - Ele parece sinceramente surpreso e horrorizado ao mesmo tempo, como se dançar fosse um pesadelo. Ela o arrasta até a pista de dança.

Drake se levanta também e estica a mão direita para mim.

- Vamos?

Eu rio.

- Está falando sério? Nenhum de nós sabe dançar – digo, porque é a mais pura verdade.

- Mais um motivo para tentar – diz ele sorrindo.

Suspiro e aceito sua mão, e ele me guia até o meio dos casais rodopiando. Nos atrapalhamos com as mãos, mas olhando os outros, acabo com a mão direita na esquerda dele e a esquerda em seu ombro, enquanto a direita dele pousa em minha cintura.

- Isso é constrangedor – Drake murmura.

- Eu que o diga.

Ele se move e eu o acompanho. Não tenho ideia de metade do que estou fazendo, e acabo pisando várias vezes em seu pé, além de trombar em algumas pessoas e quase tropeçar. Nós damos risada e continuamos, simplesmente por não ter nada para fazer ali.

Avisto Vicent dançando com sua mulher, uma bela japonesa, e penso no que faremos para conseguir com que ele nos dê o que precisamos.

- O que vamos fazer? – digo para Drake.

Ele pisca e desvia os olhos de onde estava para me encarar.

- Fazer com o quê? – pergunta confuso.

Reviro os olhos.

- Estava olhando o que? – pergunto.

- N-nada. Só... – Drake tenta mudar de assunto, mas eu troco nossas posições e vejo Natalie e Max dançando ali perto, conversando como já se conhecessem.

- Acho que “nada” significa Natalie pra você – digo com desprezo. – Pare de olhar pra ela!

- Como se você não olhasse o Max toda hora, Jennifer – Drake rebate e eu coro. – Acha que eu não percebi?

- É diferente – digo baixo, sem encará-lo nos olhos.

- Não é, não.

- Tudo bem, tudo bem – eu o corto antes que continue com isso. – O que eu quero saber é como vamos conseguir o maldito endereço.

- Precisamos de respostas – diz Drake. – Alguém tem que conversar com ele, ganhar a confiança.

- Talvez eu não precise de respostas, talvez eu precise só socar alguém na cara.

Ele ri e seus olhos verdes cintilam na luz, fazendo com que fiquem mais claros.

- Sério, não faça nenhuma besteira – Drake me aconselha, brincando, mas posso detectar algo verdadeiro em sua voz.


- O que o faz pensar que eu faria alguma besteira?


***


Uma hora depois, que a valsa já acabou, vejo Vicent Foster bebendo vinho sozinho enquanto caminha por entre as mesas, cumprimentando as pessoas. Vou até ele.

- Olá – digo o mais amigavelmente.

- Olá – ele responde, e suas sobrancelhas se franzem. – Desculpe se estou sendo rude, mas acho que nunca a vi antes.

- Ah – penso em qualquer desculpa logo e olho o cartão de uma mesa perto. – Meu pai não pôde vir por estar doente, por isso me mandou em seu lugar para dar os parabéns. Jobs.

Seu rosto se enche de compreensão.

- Então é um prazer tê-la aqui, querida. Espero que esteja aproveitando a festa. Não é todo dia que alguém faz 54 anos – Vicent ri da própria piada e eu o acompanho falsamente. Como se alguém fizesse qualquer outra idade mais de uma vez.

- É uma festa esplêndida – elogio sorrindo. – Minha amiga veio falar com o senhor há uns minutos e me pediu para perguntar algo.

É verdade. Natalie foi falar com ele no começo e os dois riram de alguma futilidade. Porém, ela não conseguiu nada, nem mesmo uma informação ou frase que por acaso ele poderia soltar. Portanto eu resolvi vir enquanto ela, Max e Drake comem, claro que sem eles saberem.

- Queríamos saber se o senhor não tem nenhum documento junto, por precaução ou algo assim...

Os olhos dele, antes calorosos, se tornam frios e o sorriso some de seu rosto, que se torna mais cauteloso.

- Me desculpe, não sei do que está falando.

- Tem certeza? – insisto. – Nada muito importante, é só que...

Não tenho tempo de terminar a frase, porque uma outra voz esganiçada nos interrompe, e a dona dela aparece do nada.

- Voltei! Acabei de provar o que me disse, e nossa! – Natalie começa a falar rapidamente. – Aquele ponche está divino, o melhor que já provei.

Sinto um puxão no braço e sou puxada para longe dos dois com certa brutalidade. Dou uma última olhada na expressão quase raivosa de Vicent antes de ser virada para ficar cara a cara com Drake.

- O que você estava fazendo? – ele exclama.

- Tentando conseguir o que precisamos, se você não percebeu. Ninguém mais estava – respondo.

- Natalie tinha tudo controlado, você não precisava falar com ele – Drake diz nervoso e eu me estresso também.

- Bom, alguém podia ter me avisado.

- Eu teria, se não tivesse certeza que você não escutaria. Você nunca escuta.

- Então agora a culpa é minha? – digo alto, atraindo os olhares de algumas pessoas.

- Sim, Jennifer, é! – Drake exclama. - Você falando disso abertamente como se não fosse nada de mais e botando tudo a perder.

- Eu só estava tentando ajudar.

- Nós já temos a Natalie para isso.

- Está me dizendo que eu não sou mais necessária porque ela está aqui? – digo com desdém. Ele não pode ter dito isso realmente. – Você mal a conhece e já baba por tudo que ela faz, como se fosse perfeita. Se ela disser “banana” você vai achá-la a pessoa mais encantadora do mundo, isso se já não acha só por ela existir.

As feições de Drake se contorcem e ele quase grita as palavras seguintes com raiva.

- Posso não conhecê-la tão bem, mas pelo menos sei que ela conseguiu fazer uma coisa certa pela missão em uma noite enquanto você não fez isso uma vez na vida toda e sempre arruína tudo.

Isso me acerta como um soco e eu fico desnorteada. Drake disse de forma tão fria e real que meus olhos ardem. Não esperava isso, não dele. Vindo de qualquer outra pessoa, eu aceitaria.

Dou-me conta de Max e a tão-querida-e-amável-Natalie ao nosso lado, e não posso dizer há quanto tempo estão ali. Abro e fecho a boca várias vezes antes de dizer algo.

- Uau – minha voz falha. – Muito obrigada, Drake.

Ele parece se dar conta do que disse e suas feições se amenizam, formando a expressão que usa quando se arrepende mesmo e vai pedir perdão.

- Olha, eu não... – ele começa.

No entanto, eu o interrompo e me recomponho.

- Entendi. Sinto muito se eu só estava tentando ajudar mais uma vez – essa última parte sai irônica. – Fique aí com ela já que não sou mais necessária aqui.

- Jennifer... – Drake tenta de novo.

- Pode comer ela se quiser. Eu não me importo.

Lanço um olhar aos três antes de virar as costas e sair andando rápido, quase correndo, até a saída. Empurro pessoas, piso no pé delas e não ligo em pedir desculpas. Quando chego até a porta, o segurança me impede.

- Me desculpe, senhorita, mas a saída ainda não foi liberada.

- Sai da minha frente – empurro seu peito com força exagerada e ele vai para trás, abrindo caminho.

Saio e bato a porta de vidro com um estrondo, deixando todos me encarando com descrença.