Bernie Kosar

Bernie Kosar


Foi na noite de Natal que ganhei minha primeira criança. Johnny era uma cria em desenvolvimento que os humanos chamam de bebês; completamente rosado, com poucos pelos e nenhum dente. Foram duas semanas ótimas com meu amigo Johnny, que apesar da pouca idade poderia fazer os momentos solitários em divertidos apenas com uma das suas risadas. Eu fazia de tudo para agradá-lo, para nos divertirmos, mas uma coisa de "alergia" fez com que nós nos separássemos. Duas semanas até que descobrissem que eu não poderia mais viver com eles. Não que eles não gostassem de mim, os pais de Johnny eram ótimos comigo – sempre fazendo carinhos e me dando o que comer e brincar – e Johnny, como dito, era meu melhor amigo, mas a tal da alergia fazia o Johnny espirrar e se coçar todas as vezes que brincava com ele. Todas. Por isso os pais deles, meus donos, tiveram que tomar uma medida drástica me levando pra um lugar chamado "adoção".

Não lembro o que exatamente aconteceu antes de conhecer Johnny e sua família, mas acredito que me encontraram em um lugar como aquele, eles me visitavam de semana em semana até quando não pudemos mais nos ver, mas explico o que o fez se afastarem daqui a pouco. Lá na tal adoção havia muitos dos meus colegas com as mais diversas histórias, algumas boas e outras ruins, como a de George, um gato laranja e gorducho – apesar dele não gostar de ser chamado assim – que tinha perdido o movimento das patas traseiras por um acidente com aquela coisa grande e quente que os humanos usam pra se locomover. George disse que esmigalharam os ossos e era impossível reconstruir, e que o dono do carro não estava disposto a ajudá-lo quando acelerou e deixou-o para trás. Ou a de Stanley, um cachorro de pelo marrom que fazia todos rirem, que tinha sempre as fabulosas aventuras com seu ex-dono para contar. Éramos todos amigos, até o dia em que alguém aparecia para adotar algum dos nossos. Queríamos sair dali por mais bem tratados fossemos, por mais amigos tivéssemos, queríamos uma casa fixa e uma família para nos amar. Por isso concorríamos uns contra os outros para chamar atenção dos nossos possíveis futuros donos. Queríamos amor.

Foram cerca de dois meses para me adotarem, cerca de quinze dos meus colegas foram adotados antes de mim e eu fiquei feliz por eles. E meu novo lar consistia apenas em Elizabeth e Jordan, que foram quem me deram meu primeiro nome: Bernie Kosar. Elizabeth não aprovou muito o nome por ter algo com um jogador de beisebol, mas eu nunca entendi direito então parei de tentar entender. Jordan era o melhor dono que poderia desejar, mas nunca pude esquecer Johnny e sua família, ele era presente e me dava carinho na grande parte do dia enquanto a Elizabeth ocupava-se num tal de hospital que só fazia ela e Jordan brigarem. E, às vezes, Jordan ficava o dia todo na frente de um negócio prateado apertando teclas pra aparecerem numa espécie de janela. Foram dois anos escutando discussões e me divertindo com meus novos donos... até eles terem que se mudar.

Pensei que iria ser novamente dado para adoção, mas Jordan quis me dar para um tal de Patrick que era um dos amigos dele que iam em casa. Pra falar a verdade, nunca gostei muito dele, mas por mais que eu tentasse falar para Jordan que não queria ir, ele não me entendia. Talvez os dois anos de convivência não tenham sido suficientes para conseguirmos nos entender.

Não tendo outras opções, foi dado a Patrick. E posso afirmar que nunca irei voltar para aquela casa. Patrick era o oposto de todos os meus donos anteriores, me odiava na mesma proporção que me maltratava. Foram dias sem comida ou água, carinho tinha sido substituído por pancadas e vivia preso na coleira em um canto sem poder me salvar. Apesar de tudo sabia que iria ser apenas por um tempo, pois Jordan me garantiu que voltaria para me buscar. Era só por alguns dias. Ficou ruim quando se tornaram meses e piorou quando foram anos talvez, há muito tempo tinha perdido a conta tal como as esperanças.

Estava cansado, machucado e com fome, queria poder voltar a Johnny e sua família ou a Jordan e Elizabeth. Mas não pude aguentar por nem mais nenhum minuto aquela espera torturante, então decidi na primeira oportunidade fazer o que deveria ter feito a muito tempo: eu fugi.

Posso dizer com toda a certeza que os meus curtos dias na rua tinha sido muito melhores do que naquela casa, pelo menos as torturas pararam e podia ir livre onde quisesse. E num desses dias fui até o meu lugar preferido, apesar de lembrar vagamente como se chegava ali. O parque era pequeno, mais para uma praça, repleta de crianças brincando, adultos vigiando e meus amigos correndo alegres atrás de um graveto abanando os rabos. Se fechasse os olhos ainda podia escutar as risadas de Johnny quando lambia o seu pé ou corria atrás de um brinquedo que ele atirava. Sentia saudades da minha criança, de ser o seu melhor amigo e da nossa curta jornada juntos. E foi ali que as coisas mudaram novamente.

Estava distraído andando pelo lugar quando uma daquelas miniaturas de humanos me agarrou de repente pelo pescoço. Pensei em correr, me desesperar para sair dali, mas fiquei totalmente paralisado pela demonstração de afeto depois de tanto tempo. Então, só aproveitei. Escutei ao longe alguém gritar Johnny e mandar se afastar de mim, mas a criança não queria isso e se agarrou ainda mais. Demorei a entender que aquele era o meu Johnny, então lambi seu rosto mostrando que lembrava dele também.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.