Lucius me aperta contra sim com força, nos livrando do frio que a chuva trouxera. Estamos deitados em minha cama, eu com a cabeça em seu ombro, consolada na curva do seu pescoço. Ele com uma mão envolta em minha cintura e a outra entrelaçada com a minha em cima de minha barriga.

Ele beija a minha testa e eu correspondo roçando o nariz gelado em sua mandíbula.

Uma dor profunda demais para ser exprimida em palavras está entre Lucius e eu. Ele por causa da irmã e eu pela pessoa que me ajudou quando todos me ignoraram.

– Eu sempre gostei dela. Desde o primeiro minuto que vi aquela pirralha mimada de cabelo vermelho - ele diz.

– Deveria ser uma graça - suspiro.

– Principalmente quando ela batia de frente com meu pai - ele completa - Meu pai e ela nunca se deram muito bem. Mas o vi chorar, Ruby, por ela. Nunca pensei que ele faria isso.

– Nunca pensei que estaríamos assim e estamos. O ser humano é um animal mutável.

– Me chamou de animal ou a meu pai, mocinha? - ele pergunta se erguendo um pouco.

Afundo mais no travesseiro de fronha azul e fecho os olhos lembrando-me de hoje mais cedo.

– Márcia está grávida do Vini. Dá para acreditar?

Ele toca o meu rosto e abro os olhos. Seu rosto está próximo e parte de seu corpo pressiona o meu, mas não a ponto de me sufocar.

– Você está bem com isso? - ele passa a mão lentamente por minha bochecha.

– Não exatamente. Saber que ela engravidou enquanto eu ainda estava com ele machuca ainda. Saber no que ela se meteu nessa idade também. É muita responsabilidade.

– Entendo. E me orgulho de você por isso.

– Não sei por quê. Isso é idiota.

– Não. Essa sua capacidade de se importar com os outros mesmo que eles tenham te machucado é incrível. Altruísta.

Ele toca a testa na minha e roça o nariz no meu. Fico parada e seus lábios me tocam suavemente, como o cair de uma pluma. Um beijo cálido e doce.

Meu celular toca e o atendo, ofegante.

– Alô? – pergunto sem fôlego

– Oi, Ruby, o que foi com sua voz?

– Flora! – ignoro a pergunta, constrangida por estar assim por causa do filho dela.

– Mãe - diz Lucius e puxa o celular de minha mão.

Pego o celular de volta e quando vejo sua mão se aproximar, bato nela com um tapa leve.

– Ruby? Lucius está com você? Alô? - indaga Flora em um só fôlego.

– Oi, Flora. Ele está sim.

– Graças a Deus - ela quase berrou aliviada - Ele saiu daqui sem dizer nem mais nem menos. Ele está destroçado. Nunca o vi assim. Ele falou da irmã?

– Sim - respondi palidamente com a réstia de esperança que havia em mim sendo apagada por completo.

Passo o celular ao Lu, acreditando que neste momento só os dois, mãe e filho, podiam se consolar. Nunca fui de criar expectativa, mas agora eu tentava ver um futuro otimista, onde Giane estaria melhor do que nunca. Mas era o mesmo que me agarrar na beirada de um precipício escorregadio. Giane poderia melhorar ou piorar. Ou ela viveria ou morreria.

Dou a costa ao Lucius, sentindo espasmos de choro nascendo do meu peito. Lá fora a chuva continuava impiedosa, e mais raios rasgavam o céu. Era como se o céu estivesse conectado com nossas emoções.

Por cima do ombro, analisei envergonhada um Lucius, filho preocupado. Eu ainda duvidava de que havia me apaixonado por aquele desprezível irritante que tanto me aborrecera. Gradativamente, eu havia passado a admirá-lo sem querer admitir isso e isso vinha acontecendo a mais tempo do que eu conseguia contar. Lucius não era de todo ruim, havia sua persistência, aquele ar sério que sabia a hora certa para rir - mesmo sendo aquela risada de cachorro com tuberculose - e aquele...

... Algo a mais que havia nele e que atraía a todos de maneira silenciosa. Era algo que eu não conseguia detectar. Além disso, o que me encantava mais era o seu jeito de ser que dava as boas vindas aos defeitos que tinha, sem tentar mudá-los, ao mesmo tempo em que sabia melhorar sendo bom de um jeito natural.

Todavia, eu passara a acreditar que quando se gosta de alguém de verdade você não deixa de ver os defeitos, mas passa a enxergá-lo melhor do que ninguém, sabendo que sem eles nem as qualidades seriam válidas.

Lucius devolveu-me o celular e roça a mão na minha, esmagando meu celular entre nossas palmas.

– O que foi? - ele pergunta.

Levo um minuto para encontrar a voz:

– Você é lindo - dou de ombros e me aproximo mais dele.

– Me diga algo que não sei.

– É isso mesmo que quer? - brinquei.

– Me surpreenda - ele pediu.

– Acho que te amo - falo baixinho envergonhada.

– Eu não - ele me aperta a cintura, sem uma nesga de ar entre nós - Eu tenho certeza porque sinto o mesmo por você, Ravena Urbi Jason.