Colo minha mão na de Lucius assustada e ele não se opõe e ainda parte meus dedos em resposta. Voltamos ao pátio onde o encontrei junto de Clara e Tamara e vejo algo luminoso pelo vidro de uma sala. Era uma mistura estranhamente doentia: o fogo indomável e cabelos ruivos de uma dona selvagem. Um novo grito brota, seguido de uma série de tossidas. Não esperei muito e corri para a porta, percebendo um buraco onde deveria estar à maçaneta.

O vidro começa a embaçar e a ruiva que esmurrava a porta diminui o ritmo das batidas. Lucius me puxa com força pelo braço.

– Sai de trás da porta, Giane, eu vou chutá-la - ele grita acima da confusão que se instala atrás de nós com as pessoas que chegam.

Lucius chuta a porta que de tão antiga se parti ao meio. Pouco importava porque ela deixou espaço para passagem, e uma fumaça cinzenta saiu dali. Entrei na sala, com a sensação de adentrar em um forno.

Em um segundo percebi que Giane estava encolhida no chão envolta em fumaça e parecia estar inconsciente, no segundo seguinte meus óculos embaçaram. Eu nunca seria capaz de explicar o que senti. Uma força que eu não sabia que tinha me fez carregá-la em meus braços. Lucius pegou a irmã no instante que oscilei porta afora. Cai de joelhos, tossindo, com os olhos lacrimejando e os óculos caíram bruscamente com meu movimento. Apoiei-me com as mãos no chão e tive espasmos de quem vomita, mas nada saía. Lucius me levanta nos braços para longe da sala e me coloca no chão delicadamente.

– Calma. Fica parada. - ele avisa.

Tossi novamente e levantei a mão, encontrando a de Giane que também estava deitada ao meu lado.

Os olhos negros de Lucius reluziram cheios de...

...

Acordo pela segunda vez em um quarto com as paredes cor de creme, um tom que amedrontava. Em meu rosto estava uma máscara verde, pelo qual saía uma fumaça gélida. Minhas vestes haviam sido substituídas por uma camisola fina, que não aplacava meu frio. Um soro estava ligado ao meu braço direito, pingando ritmadamente.

Em uma batida frenética do coração vi embaçado um homem de cabelos negros que dormia em uma cadeira pouco convidativa. Porém, pelo corpo delgado pude ver que não era quem acelerava meu coração. Era tio Patrick.

Estava de noite, o que dava para notar pela grade de ferro posta na janela de vidro, que apesar da cortina alaranjada deixava a mostra o lado de fora.

– Querida, que bom que acordou - fala minha mãe depois de entrar no quarto rapidamente.

Ela está vestida de branco dos pés a cabeça, e apesar de mal enxergar eu sabia que havia seu nome bordado de verde no jaleco branco. Sua mão mantinha a porta entreaberta.

– Você não vai poder falar por causa da máscara. Daqui a pouco a enfermeira vem tirá-la - ela suspirou - O quarto que pegava fogo servia como dispensa para roupas de cama, mas estava guardando também alguns produtos químicos, que liberaram um gás tóxico. Você não sofreu tanto devido ao pouco tempo em que se expos ao ar, mas o especialista decidiu ser cauteloso e você ficará até amanhã em observação.

"Ah, lá vem ela", mamãe disse olhando pela fresta da porta.

Uma mulher baixinha, de pele cor de café - o líquido quando o misturamos com leite - e olhos azuis entrou no quarto, carregando uma bandeja prateada. Ela tira da bandeja objetos pequenos que não consigo distinguir em minha deficiência visual.

– Boa noite, menina - ela diz e sorri, me deixando com medo.

Ela começa a desligar um cilindro verde, girando uma alavanca. E posteriormente tira de mim aquela máscara que devolve a bandeja.

– Cadê os meus óculos? – pergunto com a voz falha.

Mamãe ri e a enfermeira sai do quarto como um fantasma. Não foi nada legal. Meu medo de hospital era latente.

– A lente quebrou quando caiu no chão, Lucius está com ele - ela diz - Seu "amigo".

As aspas ficaram evidentes na forma dela de falar. Sinto pesar pela forma fria como fui tratada por ele e começo a cogitar que talvez nem amigos possamos ser mais. Não que eu quisesse amizade com ele. Aquele sentimento mútuo que nos dominava ia muito além de uma amizade forçada.

– Como está Giane?

Sussurro a última sentença com medo da resposta, conhecendo bem as consequências do que ela passou.

Ela suspira.

– Não sei muito sobre ela. Sinto muito.

– Sente pelo quê? Por não ter se importado com ela ou por ela estar muito mal? – indago rude - Fala, mãe!

– Ravena Urbi Jason - ela diz meu nome completo e isto me bastou para me deixar mais perturbada.

– Mamãe, eu preciso saber - falei enterrando as mãos na cabeça - Por favor.

– Ruby, para - ela disse puxando minhas mãos - Giane vai ficar bem, confia, por favor.

Ela abraça minha cabeça de forma sufocante, mas não me opus porque aquilo escondeu minhas lágrimas.

– Vocês poderiam calar a boca? Estou dormindo - grunhi o peso na cadeira mal humorado.

– Fique quieto, Joshua - fala minha mãe.

– Que seja - ele responde.

Rio em um soluço sem querer com lágrimas empapando o rosto.

Uma ideia me permeia, algo incômodo como o barulho de um inseto. Recordo-me da maçaneta quebrada e uma certeza absurda me invade. Orfanato algum ficaria com a maçaneta quebrada ainda mais em uma sala contendo objetos de uso diário. Aquilo havia sido proposital.