À tarde do debate chegou finalmente. Eu me encontrava no auditório da escola, em uma sala comprida que ficava atrás do palco que antes era utilizado para a apresentação de peças teatrais. Aquele auditório era tão velho que meus pais haviam passado por ele quando estudaram aqui e diziam que ele não havia mudado nada. Eu não duvidava já que a verba da escola era curtíssima para as artes, sendo que os times de futebol e vôlei recebiam boa parte das doações.

A diretora, Minerva e seu braço direito, Augustos, estavam andando freneticamente para um lado e para outro para garantirem que tudo ocorreria perfeitamente bem. A eleição para representante/líder dos alunos acontecia apenas a cada três anos, sempre com candidatos do primeiro ano e toda aquela preocupação era resultado do trauma que se tornou o último debate. Há três anos um garoto promissor surtou no palco e praticamente cuspiu todos os defeitos da escola e dos alunos assim como os de muitos funcionários para a plateia. O problema era que havia sempre uma bancada com cinco Representantes do Comitê de Pais e Responsáveis que era composto pelas damas da nossa cidade, que não passavam de mulheres rigorosas, conservadoras e com influencia o suficiente para estragar a vida de alguém.

O resultado foi que o diretor da época, senhor Sanchez, foi demitido e a Minerva, que era apenas professora de português foi alçada ao cargo recém desocupado.

– Você está bem? – perguntou Giane.

Ela estava um pouco preocupada pela nossa conversa na noite anterior ter terminado de madrugada e por eu ter tido que acordar cedo, ou seja, mal tive tempo para descansar direito. Era impressionante a quantidade de coisas que descobrimos uma da outra. Saí daquele condomínio envergonhada por ter saído sorrateiramente do apartamento dela para não acordar os pais dela e do Lucius que haviam chegado de um jantar a dois. Meu constrangimento piorou quando vi que aquele porteiro continuava na portaria e ele, ainda, piscou com cumplicidade para mim. Havia sido horrendo.

– Estou melhor, voltei do banheiro faz pouco tempo. – ela parecia confusa – Eu vomitei.

– Ah – ela disse compreendendo que quando eu ficava muito nervosa eu vomitava.

– Isso é tão mal educado de se dizer – me repreendeu Joseph.

Senti vontade de dizer que não era porque ele era cheio de não me toques que eu me tornava mal educada. Joseph usava, sem exceção, camisas de punho com a beirada para dentro de sua calça jeans, que um dia ele me confessou que tinha empregados que a engomavam. Ele não usava tênis e eu nem sequer podia imaginá-lo com sandálias porque ele sempre usava sapatos sociais lustrosos. O garoto era baixo e tinha o cabelo curto cheio de gel que o deixava perfeitamente arrumado. E a palavra mais uma vez era sempre porque ele nunca mudava nada, mesmo trocando de roupa, ou seja, era constantemente aquela composição de vestuário. As mulheres da bancada de pais iriam amá-lo.

– Sebastian, agora que lembrei, por que suas mãos são calejadas? – perguntei ao Sebastian que estava ao lado dos gêmeos nerds do Lucius, Tina e Tony, se assegurando de que eles estavam arrumando os microfones e o resto da parafernália corretamente.

Ele demorou alguns segundos para se focar em mim e piscou, um balançar frenético daqueles cílios longos. Seus olhos verdes lampejaram e recordei do que a enfermeira dissera no dia que fui parar no hospital. Ela dissera que meu namorado havia ficado ao meu lado enquanto eu estivera inconsciente e que seus olhos eram negros, então pensei que havia sido o Sebastian, mas ele não tinha os olhos daquela cor. Mas o Lucius tinha.

– Por causa do videogame – Sebastian respondeu finalmente me tirando das minhas reflexões – É que passo muito tempo jogando e os dedos ficam calejados.

– Ah sim.

Como se soubesse sobre o que eu pensava, Lucius olhou para mim do outro lado da sala. Ele estava cercado pela sua equipe que era maior que a minha, mas era bem visível por ser bem mais alto do que os outros. Seus braços estavam cruzados sobre o peito coberto por uma blusa de manga comprida, listrada de preto e branco. Lembrei-me da sua tatuagem e senti um arrepio percorrer meu corpo, deixando os pelos do meu braço eriçados.

Andei até a escada que levava ao palco e sentei no degrau mais alto. Vi pelo canto do olho Lucius interromper sua conversa com sua equipe e caminhar até onde eu estava. Ele sentou no mesmo degrau que eu, deixando um espaço mínimo entre nós, mas não era um espaço que representasse riscos, mas me deixou tensa.

– Porque não me contou que ficou ao meu lado quando estive no hospital? – indaguei olhando para todos os lugares menos para ele.

– Porque não tivemos uma conversa que fosse condizente com isso.

– O que quer dizer com isso, Lucius?

– O que metade do planeta já sabe: que não passamos mais de cinco minutos sem brigar.

– Que tal uma trégua? – virei-me para ele.

Uma expressão de confusão se instalou em seu rosto e logo depois foi substituída por uma expressão de quem acabou de ouvir uma boa piada.

– Estou falando sério. Da minha parte eu garanto que posso me controlar. Agora se você não consegue é só dizer – provoquei-o, aproveitando que a trégua ainda não havia se concretizado.

– Eu me controlo até demais perto de você – ele retrucou.

– Discordo...

– Se fosse o contrario. – ele aproximou os lábios do meu ouvido para que só eu ouvisse – Estaríamos apenas nós dois em um lugar que você adoraria conhecer.

Um arrepio mais forte que o anterior percorreu meu corpo.

– Não duvido – falei, afinal, se era esse o jogo dele eu tinha certeza de que seria mais divertido com dois jogadores ao invés de somente um.

A diretora Minerva, vestida em seu terno preto, se encaminhou para nós, o quadril largo indo para lá e para cá enquanto andava. Augustos, também de terno, mas com passos curtos, a seguia.

– Hora do show, crianças – a diretora bradou calando todas as conversas.

Levantei-me de um pulo, abrindo passagem para a diretora e seu seguidor. Lucius fez o mesmo. Assim que ela passou, ele me estendeu a mão direita.

– Combinado – Lucius falou rouco.

Levei minha mão a dele e a apertei com força ignorando a forma como minha mão encaixava perfeitamente na dele, que era quente e cobria a minha sem esforço.

– Combinado – afirmei.