Meu nome foi o primeiro a ser sorteado. Por algum motivo que eu desconhecia eu fui muito bem à primeira vez que joguei aquele game de luta. Os jogadores que ali esperavam a sua vez afirmaram que era sorte de principiante. Primeiro que eu nem em sorte acreditava.

Ficou bem claro que a culpa não era da sorte nas três rodadas seguintes, onde ganhei de pessoas experientes. E foi aí que comprovei o que Sebastian dissera: ao ganhar daquela forma ganhei junto à simpatia daquelas pessoas. Era um grupo pequeno, cerca de sete pessoas, mas mesmo assim era bom. Eu estava contando que meu desempenho se espalhasse e eu ganhasse pelo menos a atenção deles. Este era o meu objetivo e o da minha equipe.

Na quarta rodada perdi o jogo. A nova vencedora era uma garota que eu havia notada na escola antes por causa do cabelo tingido de azul com mechas verdes. Além desta combinação de cores o cabelo dela ainda era curto e ela sempre usava roupas pretas e munhequeiras com spikes.

Eu gostava do estilo dela.

– Oi – senti uma cutucada na barriga.

Eu odiava ser cutucada assim e sabia muito bem quem fizera isto. Virei-me vagarosamente para não parecer interessada. O Lucius estava vestido de preto dos pés a cabeça, usando até mesmo um All Star preto semelhante ao meu, porém o que me interessou foi o casaco dele que parecia bem quente, sendo que eu estava prestes a ter uma hipotermia.

Tudo bem, eu estava exagerando, no entanto, minhas unhas estavam arroxeadas e isso não era nada bom.

– Nossa, você vai congelar – ele tirou rapidamente o casaco do corpo, mostrando uma blusa azul escuro, que deixava os músculos dele bem pronunciados

O Lucius não era do tipo malhado a ponto de parecer um armário. Ele estava mais para um poste - de tão alto - que havia ganhado um corpo definido.

– Não, obrigada – recusei bruscamente quando vi que ele poria o casaco me mim.

Repreendi-me mentalmente porque naquele cubículo todos podiam ouvir nossa conversa. E ser grosseira com alguém que lhe ajudava, mesmo sendo seu rival, era burrice porque naquela guerra a imagem era tudo. E ele sabia muito bem disto, pois parecia um belo exemplo de cavaleiro que evitava que a mocinha sentisse frio.

– Deixa que eu ponho – peguei o casaco que ele ainda segurava em mãos, desta vez usei um tom mais leve e gentil.

Eca. Ser gentil com o Lucius era a última coisa que eu queria fazer na vida.

Olhei para o rosto dele e percebi que aceitar a sua oferenda tinha sido o mesmo que admitir que eu precisava dele para algo. E eu sabia que ele sabia disso porque eu simplesmente sabia.

Confuso, porém eu conseguia entender quais seriam as próximas jogadas dele. Mesmo não entendendo o motivo de sentir isso e não gostando nenhum pouco eu deveria assumir que tinha suas vantagens.

Ao vestir o casaco dele voltei meus pensamentos para a questão da altura dele. Eu não era baixa para uma garota. E mesmo assim aquele casaco chegava aos meus joelhos como se fosse um vestido.

– Quanto de altura você tem? – perguntei por impulso.

Ele riu. Aquela mesma risada/ganido.

– Eu acabo de te emprestar meu casaco e ao invés de receber um agradecimento eu ganho uma pergunta sobre minha altura?

– Ah, obrigada. Mas agradecer não muda o fato de que isto parece um vestido em mim – retruquei e pontuei mostrando o casaco em mim.

Muitos garotos teriam demorado o olhar em minhas pernas como se me devorassem porque era isso que sempre faziam. Porém não foi isso que ele fez. Sua expressão irônica se suavizou e ele me olhou como as pessoas olhavam para os quadros que meu pai pintava. E isso me fez corar mesmo minha pele sendo morena. Creio que não estou preparada para olhares daquele modo contemplativo.

– Tenho 1,90 m – ele disse voltando ao modus irônico.

– Alto – murmurei para mim.

– Hey, vamos ao banheiro? – perguntou a garota do cabelo azul/verde olhando para mim.

Eu nem a conhecia, mas fui atrás dela como uma forma de escapar do Lucius. Sorri absurdamente ao atravessar a porta sem tê-lo por perto. Até que estávamos agindo bem um com o outro, mas tê-lo por perto era demais para mim.

– Você me deve uma, guria – ela disse entrando em uma porta azul, com aquele desenho clássico que marca o banheiro feminino.

– Estamos quites. Era o mínimo que você poderia ter feito por mim depois daquela surra que me deu – falei entrando na mesma que a dela me referindo ao jogo.

Ela olhou para mim e arregalou os olhos castanhos claros e abriu a boca pequena em um O.

– Você não é uma patricinha mimada? – ela puxou mais para a cara de surpresa.

– Já pensou em ser atriz?

– Vou urinar – ela respondeu como se aquilo fosse de fato uma resposta e entrou na cabine do banheiro.

Havia apenas duas cabines em um lado e um espelho pequeno e, exatamente quadrado, em cima de uma pia pequena, no outro extremo do banheiro. Olhei meu reflexo no espelho e até que eu não estava tão mal quanto pensei que estaria. Meus lábios também estavam arroxeados. Logo eu melhoraria.

– Meu nome é Ana – disse ela saindo da cabine e indo lavar as mãos.

– Você é de qual ano, na escola?

– 3 e a minha média mais alta é de 4,5.

Foi a minha vez de arregalar os olhos, fingindo surpresa.

Saímos do banheiro e ela foi para trás do balcão, fuçar em alguns gibis.

– Trabalho aqui depois da escola – ela se explicou.

A Ana voltou para o meu lado e começou a reorganizar alguns bonecos em uma prateleira a minha esquerda. Olhei para fora, pela vitrine, porque não tinha o que fazer. O céu estava perfeitamente azul e poucas nuvens estavam ali.

Na esquina, um carro prateado e enorme, ligeiramente familiar cantou pneus. Pude ver a fumaça, resultado do contanto entre o pneu e o chão. O carro foi se aproximando rápido e em linha reta. Antes que eu pudesse assimilar o que iria acontecer puxei a Ana para o chão e a cobri com meu corpo, como uma capa. Meu lado esquerdo do corpo voltado para o lado da entrada.

No segundo seguinte uma chuva de vidro caiu sobre nós. Algumas coisas mais duras bateram em mim e não sendo pontudas sugeri que eram alguns dos bonecos que antes estavam na vitrine, agora destruída. O carro acelerou de novo, desta vez dando ré.

Quando pensei que fosse seguro abri os olhos, que estiveram serrados. Puxei o rosto da Ana para cima e vi sua expressão assustada e sua pele esverdeada. Ela parecia em estado de choque.

– Calma – falei baixo e senti algo morno e pegajoso na minha mão.

A Ana estava com um pedaço grande de vidro alojado em sua perna direita e eu não conseguia repetir que tudo daria bem porque conhecia muito bem o que corte como aquele poderia resultar. Puxei o celular do bolso e comecei a discar o número da emergência.

Gritos de horror e histeria machucaram meus ouvidos enquanto as pessoas que estavam na competição entravam ali e viam aquele caos de vidro e miniaturas de super-heróis misturando ao sangue de alguém.

Alguém pelo celular, uma atendente, começou a falar, mas eu não conseguia entender o que ela dizia. Olhei assustada para o Lucius que passava pela porta preta e vi seus olhos negros se arregalando, ele empalideceu e correu para mim. Senti que mãos calejadas pegavam na minha mão e puxava dela o meu celular. Era Sebastian que logo começou a passar informações para a atendente. Mas eu não ouvia. Não entendia nada do que diziam como se eles estivessem dentro de um televisor e alguém tivesse apertado o botão Mudo.

O Lucius puxou meu braço esquerdo me fazendo sentir uma dor aguda que trouxe os sons e ruídos de volta.

– Seu braço – Lucius disse e segui seu olhar.

Eu não havia percebido antes, mas no meu braço esquerdo havia uma lasca de cerca de dez centímetros de vidro cravada em minha pele. Um sangue carmim vertia dali e logo percebi que o sangue que eu vira antes não era só da Ana.

A escuridão roubou minha visão e minha audição, mas não o tato e pude sentir Lucius me segurando.

Eu estava apagando.