— O que está fazendo aqui? – perguntaram Aaron e Esmeralda em uníssono, enquanto o organista, protetor, punha por reflexo a jovem atrás de si. E embora a cigana estivesse furiosa e desejasse confrontar o juiz, também tinha o bom-senso de compreender que Aaron corria menos riscos do que ela, ao fazê-lo.

— Vim apenas ver como você estava, meu filho. – disse Frollo, estreitando os olhos e mirando a cigana – tem muita coragem em vir enfeitiçar um homem de Deus dentro da própria Catedral, vadia cigana.

— Enfeitiçar? – Aaron segurou o pulso de Esmeralda, que tentara avançar – Esmeralda é a causa de eu estar em pé e vivo, em vez de prostrado numa cama, com feridas podres!

— Ah, sim... Ela usou sua bruxaria em você, e agora está grato por ser amaldiçoado e condenado ao inferno?

Sem responder ao padrinho, Aaron se virou para a jovem e murmurou:

— Vá para o meu quarto e tranque-se lá. Não saia até eu dizer que é seguro, não importa o que ouça.

— Nem pense nisso! Não vou deixar você...

— Apenas vá! – ordenou ele, empurrando a jovem para trás de si, um tanto bruscamente. Ante o olhar do sacerdote sobre si, ela correu para o quarto do artista e trancou a porta, encostando-se a essa, trêmula antes de ódio do que de medo. O modo como ele a olhara não fora apenas ameaçador: fora lascivo! Ela se sentira despida e violada apenas com o olhar do padre, e esfregou a própria pele para se livrar de uma sujeira que não estava ali, embora se sentisse imunda! Fora isso, e não as palavras de Aaron, que a haviam feito correr para o quarto.

Do lado de fora, o gigante confrontou aquele que o criara, o qual lhe perguntou:

— Já fez dela sua meretriz? Seu caminho para a perdição foi mais rápido do que pensei.

— Meu caminho para a perdição foi acreditar que você era, de fato, um homem de Deus. – rosnou o organista – Ou acha que é um ato de amor armar uma emboscada para mim, fazer-me padecer toda aquela dor e humilhação por ações que VOCÊ me incitou a cometer!?

— Oras, Quasímodo... Ainda não percebe? – Frollo falava com aquela calma fria, aquela falsa piedade cristã que irritava seu afilhado mais do que qualquer outra coisa - Eu sabia que você cairia em tentação! Precisava não apenas impedi-lo, mas mostrar-lhe quem, de fato, é aquela mulher... Infelizmente, ela é melhor atriz do que pensei, e cometeu todos aqueles atos tão... Altruístas. E você, como uma criança, caiu nas seduções dela.

— Seduções?! – qualquer homem que não fosse Frollo já estaria morto – Seduções?! Ela me protegeu das pedras, à custa da própria integridade. Ficou ao meu lado, deu-me água e trouxe-me para a Catedral, quando eu não teria sequer conseguido me mover, sem ajuda! O único momento em que deixou o meu lado foi quando VOCÊ a jogou do patíbulo! – Aaron ficou frente a frente com o juiz, agigantando-se diante do ancião que, contudo, não moveu um músculo ou alterou a expressão - Agora, o que lhe parece menos cristão, “padrinho”: proteger um homem de pedras que poderiam mata-lo, ou bater em uma garota que mal se tornou mulher? Ela tratou de minhas feridas, lavou-as, fê-las secar, em vez de apodrecer. Você me traiu, traiu aquele que lhe foi fiel a cada segundo de sua vida, que amou e reverenciou como se fosse seu filho! E diz que Esmeralda é a manipulada pelo demônio?!

Frollo ficou lívido e avançou para dar um tapa em seu pupilo que, desta vez, não permitiu: segurou a mão do juiz, cujas faces estavam rubras de raiva:

— Você é um pecador miserável, Quasímodo! Eu devia saber quando o vi na Roda dos Enjeitados que algo tão deformado não poderia seguir o caminho da retidão. Você é tão torto em sua alma quanto em seu rosto! – e cuspiu no afilhado – dei-lhe tudo, ensinei-lhe as palavras do Senhor e o caminho da Fé, mas você sempre ansiou pelo pecado, não foi? Sempre ansiou pela carne, e questionava a Deus. Sempre perguntando aquilo que devia ser apenas aceito, sempre questionador, irreverente... Agora encontrou alguém que o acompanhe em seu caminho para o Inferno, e peca mesmo sob o asilo de Notre-Dame, coabitando com aquela vagabunda!

Ante aquelas palavras, Aaron gargalhou: não sabia se de raiva, ou ante o descabimento das palavras, e respondeu:

— A maldade do mundo está apenas em sua mente, Frollo. Esmeralda não tocou mais do que minhas costas, para trata-las, e eu não toquei mais do que suas mãos. Ela tem uma pureza que você, com sua obsessão pelo pecado, vendo o mal e a imundície em tudo, jamais poderia compreender. É você quem está podre no espírito, quem carrega o Inferno e o mal dentro de si, e o projeta em tudo aquilo que vê!

— Bastardo ingrato... – sibilou o sacerdote – devia ter deixado que o afogassem quando foi enjeitado! Assim não teria criado um pecador!

— E este é o piedoso amor cristão que o senhor prega... – disse Aaron – ouça-me bem, “padrinho”: tudo o que eu possa lhe dever foi pago em sangue, dor e culpa, ao longo dos últimos trinta anos em que lhe fui fiel como nenhum cão jamais havia sido ao dono. Eu o amo, padrinho, como amaria meu pai. Mas pude ver exatamente o tipo de homem que você é: um homem amargo, mesquinho, cheio de ódio pelo mundo, e que usa a desculpa da fé para realizar as próprias crueldades. Que Deus tenha piedade de sua alma, por usar Seu santo nome para praticar todos os atos abomináveis! – ele soltou o punho do idoso e se afastou – Estão rompidos aqui todos os laços que tenhamos.

— Não vai conseguir sobreviver sem meu apoio! Ninguém aceitará uma besta deformada como você. – disse o sacerdote, friamente. – aquela cigana? Vai usá-lo e descarta-lo como um trapo velho, depois de o ter lançado no Inferno.

— Apenas observe. – desafiou o mais jovem, embora soubesse, em algum canto de sua mente, que Frollo estava certo quanto ao fato de que ninguém o aceitaria – E nem pense em fazer mal a Esmeralda, a única pessoa que foi boa para comigo sem ter nisso qualquer interesse que seja.

— Ela é uma cigana! Acha que fez aquilo por piedade?! Qualquer coisa que ela tenha feito foi apenas para conseguir sua proteção e servidão, como realmente obteve! Está completamente perdido, cheio de vaidade, orgulho, luxúria e...

— Não projete sobre mim os pecados que são seus: vaidade? Minhas roupas são de algodão sem tingir, enquanto as suas são de seda e veludo, e anéis preciosos adornam seus dedos. Luxúria? Eu sequer imaginei qualquer coisa em relação àquela menina! Mas vi bem seu olhar sobre Esmeralda, quando ela se trancou em meus aposentos, e aviso-o... Não ouse tocar nela.

— Ou fará o que? – perguntou o sacerdote, arqueando as sobrancelhas num desafio ao gigante.

— O que for preciso. E isto inclui uma gama enorme de possibilidades. – respondeu o mais jovem. – agora, eu agradeceria se saísse de meus aposentos.

Frollo começou a bradar uma série de imprecações e ofensas, enquanto Aaron permanecia impassível; de repente, uma mão pousou no ombro do juiz, e a voz de Grigoire soou:

— Já proferiu blasfêmias demais neste recinto sagrado, Meritíssimo. – Frollo se voltou, encontrando a figura alta e forte do sineiro, que parecia calmo, mas muito sério – já é hora de partir.

— Não se meta, sineiro. – o padre retirou o ombro rudemente, aviltado pelo toque do jovem. Como ele ousava?!

— Esmeralda e Aaron estão sob a proteção de Santuário. E somente uma prova muito forte pode suspender este direito, prova eu não existe, e sou testemunha. – ele fitou a porta do quarto de Aaron, aliviado por Esmeralda ter tido o bom senso de não permanecer ali - Ouvi quando chamou a garota de meretriz, então deixe-me tranquilizar seus temores: ela tem dormido no meu quarto, e eu, dormido no chão ao lado da cama de Aaron. Nenhum de nós pecou, aqui. E já que não há pecado algum, juiz, pode se retirar.

Havia algo no sineiro que incomodava o ancião: ele era jovem e puro, e em outras ocasiões mesmo o próprio sacerdote o havia comparado a um anjo, pela aparência bela e semblante austero. Contra aquela força – não só física, mas moral, pois a conduta do rapaz era irrepreensível – o sacerdote não queria – ou não conseguia – se bater, e virou-se para sair. Antes de descer o primeiro degrau, porém, avisou ao afilhado:

— Perdeu minha proteção e ganhou minha inimizade, Aaron. Cuide-se, e de sua cigana, pois bastará um passo em falso para que eu tenha a ambos. Um único passo em falso, e receberão o convite da Santa Inquisição! – e com ódio, desceu os degraus.

Aaron e Grigoire se entreolharam, e o jovem loiro falou ao amigo:

— Ganhou um inimigo poderoso, Aaron...

— Eu sei. Obrigado pela ajuda... Foram as palavras mais difíceis que eu já disse.

— Sim... O homem era como um pai, para você. Foi muito forte em confrontá-lo, mas já era tempo, também. – ele viu o semblante tenso do moreno, e perguntou – o que foi?

— E se eu estiver cometendo um pecado, Grigoire?

O sineiro meneou a cabeça:

— A lei de Deus é o amor. Esmeralda é boa e só faz o bem, independente de ser ou não batizada. Frollo, sacerdote ou não, é mau, e jamais se arrepende das crueldades que cometeu. É fácil saber onde está o bem e o mau, não é?

— Ele diria que a penitência...

— Carecem de penitência os que fazem algo com maldade no coração. Fazer o bem não é um crime. O amor e o perdão são as únicas verdadeiras leis. – uma vez que o outro era um seminarista, Aaron se acalmou, e falou:

— Obrigado, Grigoire. Você é diferente de todos os outros... Tem uma bondade que nunca encontrei em qualquer outro.

— Em ninguém, mesmo? – perguntou o sineiro, olhando para a porta do quarto. O artista deu um sorriso e anuiu, concordando, mas o amigo o interpelou antes que pudesse falar – Ela não pode ficar aqui, Aaron. Vi o olhar de Frollo sobre ela... Sei que gosta da menina, mas, se realmente se importa com ela, precisa garantir que fique junto aos outros ciganos, longe dos olhos do juiz.

— Eu sei disso. – havia um tom de lamento e dor na voz de Aaron: Esmeralda fora a melhor coisa que lhe acontecera, mas precisava mantê-la longe para a própria segurança da moça. Isso fazia a conversa com Frollo parecer quase uma brincadeira, ante a dificuldade que haeria em mandar embora aquela jovem que, em pouco dias, ganhara tanto de seu coração. Mesmo infeliz o organista foi até seu quarto e bateu à porta:

— Esmeralda! Abra! Sou eu, Aaron! Está tudo bem!

Ela abriu a porta como um tornado e, sem esperar, começou a examinar os braços, antebraços, ombros, perguntando:

— você está bem? Ele lhe fez algo?

— Hey. Hey, calma! – disse o homem, segurando a jovem pelos ombros – eu estou bem. Graças a Grigoire. Estamos a salvo, por hora, Esmeralda.

Embora geralmente fosse reservada em relação ao não-proscritos, ela já perdera todo e qualquer receio de Aaron e Grigoire; num ato impulsivo, abraçou ambos ao mesmo tempo:

— Obrigada! – de repente, porém, seus olhos pousaram no céu escuro, e seu coração deu um salto – ah, céus! Tenho de ir para casa!

— Sair agora? Está louca? – perguntou o sineiro – Frollo terá colocado guardas em cada esquina, depois disso!

— Se eu chegar às catacumbas, consigo sair da cidade. – as palavras dela deram uma ideia a Aaron, que declarou:

— Há uma passagem, na Catedral. Leva às fundações. De lá, é possível acessar os subterrâneos, mas... É perigoso. Há muitos ladrões, proscritos e... – ao ver o olhar de Esmeralda fita-lo como se o desafiasse a terminar a frase, percebeu o absurdo que começara a dizer – ah, esqueça. Eu levo você até as fundações.

A cigana se despediu de Grigoire, agradecendo pela ajuda do rapaz, e seguiu Aaron pelas sombras: desceram a escada em espiral que conduzia às naves, e de lá se esgueiraram até um postigo logo abaixo dos degraus; era uma abertura mínima, invisível a quem não prestasse atenção. Logo após a missa, Notre-Dame estava vazia, e foi em absoluta segurança que desceram para a escuridão abaixo.

— Está tão escuro que não vejo meus pés – disse Aaron – como se orienta aqui embaixo?

— Anos de prática. E os olhos se acostumam, depois de uns minutos. – respondeu ela. De fato, enquanto aguardavam até que a cigana pudesse ver o próprio caminho, os olhos do próprio organista se habituaram à falta de luz, de sorte que conseguia divisar a silhueta da moça, e os contornos indistintos do vão em que haviam saído. Não era tão ruim, afinal: estreitas fendas deixavam entrar a luminosidade da lua através das pedras e terra pouco acima.

Ficaram num silêncio um tanto desconfortável, até que a moça se manifestou:

- Aaron... Obrigada por tudo.

- Eu é que preciso agradecer, Esmeralda. Talvez não estivesse vivo, se não fosse por você.

- Mas você me protegeu de Frollo, hoje. Então, estamos quites. – ela dizia aquilo com tanta naturalidade, que nem parecia haverem se transcorrido fatos tão desagradáveis!

- Talvez. – concordou ele. Mesmo no escuro conseguia ver os olhos dela, brilhando como os de um gato, tão bonitos... Talvez fosse a última vez em que a veria, depois de tudo aquilo... A ideia fazia doer seu coração, mas sabia que seria o sensato, como Grigoire dissera: Frollo não apenas odiava, mas desejava a cigana, e faria qualquer coisa para possuí-la e depois mata-la... Até mesmo levantar falsas acusações de feitiçaria, e conseguir “testemunhas”... Ela PRECISAVA ficar fora da cidade! Era doloroso, mas necessário, e foi na certeza de que ela não retornaria que ele tomou uma decisão – Esmeralda, você pode me odiar, pode nunca mais querer me ver, depois disso, mas... Tem uma coisa...

Ela o fitou com receio, mas não houve tempo de reagir antes que o braço dele a trouxesse para junto de si, a mão livre enlaçando-se aos cabelos negros, os lábios dele pressionando-se sobre os seus. A princípio ela enrijeceu nos braços do homem, estática pelo susto, mas então fez exatamente o contrário do que ele esperara: correspondeu. Ah, droga! Pretendera assustá-la, mas agora estavam ambos entrelaçados num beijo que só fazia se aprofundar!

Foi com surpresa que ele sentiu a moça tomar a iniciativa de intensificar o que faziam, deslizando a língua delicadamente pelos lábios de Aaron, que os entreabriu e retribuiu. Suas bocas dançavam juntas, explorando-se, tocando-se... Ele sentia o hálito de menta da jovem, e ela saboreava o gosto de cravo – cara e fina especiaria – no do homem. Sentia os braços musculosos envolverem sua cintura, e tudo o que queria era perder-se naquele beijo para o resto da vida. Era a primeira vez que beijava um homem, e nunca mais haveria de beijar outro que não fosse Aaron! Pois não tinha dúvidas: ninguém mais a faria sentir aquele misto de frio e calor, ansiedade e calma, receio e desejo ao mesmo tempo!

Separaram-se apenas quando o ar lhes faltou, e ele esperou alguma reação agressiva dela... Um tapa, um olhar zangado... Mas o que ouviu foi exatamente o contrário:

- Se isso foi uma tentativa de me mandar embora, você falhou estrondosamente. – e riu-se - poderia ser até um incentivo para eu retornar mais vezes...

- Está louca? – havia certa zanga na voz dele. Não era para ela ter gostado! Ele era deformado, um assassino! – Não deve nem pensar em voltar!

- Nossa... Meu beijo foi tão ruim, assim? – perguntou, marota, e Aaron meneou a cabeça... Com dezesseis anos, não podia esperar que Esmeralda agisse como uma adulta.

- Não se trata disso, Esmeralda: Frollo vem com frequência à Catedral, e mesmo pelos subterrâneos você pode correr o risco de ser atacada... – ele se afastou, mesmo que relutante – não. Não deve nem pensar em retornar!

- Frollo acha que é dono da cidade, mas não conhece metade dela. – disse a moça – posso vir pelas catacumbas!

- E ser atacada?

- Acha que nunca fui? E todos encontraram a ponta da minha adaga! – ela se zangou: Aaron duvidava de sua capacidade de se manter a salvo?! – cuidei perfeitamente de mim mesma, por vários anos!

- Cuidou tão bem que agora está na mira de um inquisidor inescrupuloso!

- Por ajudar VOCÊ! – esbravejou ela – como pode ser tão ingrato?!

- Pelo amor de... Estou tentando proteger você, garota!

- Não preciso de proteção!

- Repita isso se Frollo puser as mãos em você.

Ela estremeceu ao lembrar-se do olhar com que o sacerdote a fitara... Se ele a capturasse, Esmeralda usaria o próprio punhal para se matar. Aaron tinha razão, e ela detestava admitir isso... Cabisbaixa, perguntou:

- E o que faço, Aaron? Fingir que nada aconteceu, que esses dias nunca existiram?

- Se for para mantê-la segura, sim. – ele segurou o rosto dela entre as mãos – eu não suportaria vê-la sofrer tudo o que fazem com uma moça, nas prisões.

- Então, é isso? – perguntou ela, cruzando os braços – o que acabou de acontecer não significa nada?

- Eu estava tentando assustar você, para que se mantivesse longe daqui.

Esmeralda sentiu seus olhos arderem, e devolveu com certa raiva:

- Olhe em meus olhos, e diga que não sentiu nada! Olhe para mim e diga que não sente nada por mim, além de gratidão e vontade de me proteger! – pego de surpresa por aquela explosão, Aaron não a encarou, e ficou em silêncio – você se importa comigo. Isso tem de significar algo!

- Você mesma disse: fazer o que é certo não precisa ter significado. E o que fiz foi tentar assustá-la para mantê-la fora da cidade, onde é seu lugar.

Ela baixou o olhar: não choraria diante dele! Não podia chorar! Não podia... Contudo, uma lágrima solitária escorreu por seu rosto, e aquilo cortou o coração de Aaron como uma facada:

- Esmeralda... Eu não disse que não gostei do que houve entre nós, nem que não senti algo... Mas só a ideia de perde-la... – ele acariciou o rosto dela – eu sou a morte, para você. Seu lugar é com os outros ciganos, longe de mim, da Catedral e de Frollo.

- Então venha comigo!

- Para onde? Para junto dos ciganos, dos proscritos e pagãos aos quais prendi e torturei? Acha que isso seria possível? – ele meneou a cabeça – algumas coisas não estão destinadas a ser. Você precisa ir. Precisa partir, ou será presa, torturada e morta, e não haverá nada que eu possa fazer, além de partilhar de seus tormentos. Poupe-nos de um destino horrível, e vá para seu pai. Não retorne. Eu não tenho nada para lhe dar, além de morte e dor.

Compreendendo as palavras dele, ela anuiu: ela certamente sentia algo, ou não se preocuparia daquele modo com ela! Mas também era verdade tudo o que dizia... Talvez devesse ouvi-lo. Mesmo porque ela sabia que, se fosse presa, Aaron a defenderia, e teria o mesmo destino que o dela: forca, ou fogueira. E não conseguia imaginar a hipótese de isso acontecer. Não por sua causa!

- Eu irei embora. – disse, enfim – mas deixe-me lhe pedir algo...

- Sim.

- Um último beijo, para guardar para sempre na lembrança.

Uma mistura de tristeza profunda, saudades e carinho preencheram o peito do organista quando, delicadamente, ele a puxou para outro beijo. Não foi feroz como o primeiro, mas suave, delicado... Um beijo de despedidas, repleto de carinho.

Quando seus lábios se separaram, Esmeralda lançou um último olhar para aquele do qual nunca esqueceria, e disparou como um vento suave pelo túnel escuro. Não queria que ele visse as outras lágrimas que derramava. E Aaron ficou um pouco aliviado, pois assim também ela não veria as lágrimas que escorriam pelo lado não mascarado de seu rosto...