Believe

Capítulo 1


Fones de ouvido. Ah, os fones. Sempre me trouxeram paz quando o mundo ao redor pareciam mais um campo de batalha ou uma verdadeira zona. Ouvir música sempre me acalmava, principalmente rock. Não sei explicar, é como se a raiva na voz dos cantores e dos instrumentos simplesmente me deixassem neutra, relaxada. Eu sei que é esquisito, mas não me importo com o que você vá pensar de mim, na verdade, se eu fosse me preocupar com tudo o que as pessoas pensam, jamais sorriria. Pessoas são maldosas, egoístas e gananciosas. Claro que há exceções a essa regra, mas são poucos. Como os meus pais. Não poderia ter pedido melhores, eles são incríveis. E tem o meu melhor amigo que é mais como um irmão mais velho pra mim, sempre protetor e atencioso, disposto a me fazer sorrir e me aconselhar nas horas ruins.
Mas quem eu sou? Bem, me chamo Sara, tenho 14 anos. Sou uma garota comum. Ou quase. Me observo no espelho e lembro o porquê: as marcas. Tenho marcas nos braços, como se fossem tatuagens, mas com formas de galhos de árvores, espalhados, estendendo-se desde os dedos até os ombros, porém, sem cobrir completamente. Não sei de onde elas vieram, acho que sempre as tive, e por causa delas fui motivo de piada em todos os anos no colégio, mas se não era isso, era medo. Eles tinham medo de mim.
Não sei o que sou realmente, meus pais juram de pés juntos que sou sua filha biológica e nem eles sabem quando isso começou ou por quê. Me sinto zonza de observá-las novamente e desso as escadas para o jantar. Minha mãe está colocando os pratos na mesa e meu pai desliga a televisão quando eu entro, ainda esticando as mangas da blusa para cobrir as marcas. Ele me observa e me olha com pena.
– Sabe que não precisa ter vergonha da gente, filha.
– Não é uma opção, pai. - respondi.

Quando nos sentamos à mesa, minha mãe estava com um sorriso travesso no rosto e aquilo começava a me intrigar. Parei de mastigar o pedaço de carne e a encarei, com a sobrancelha erguida. Ela riu.
– Amanhã é que dia, Sara?
– 28 de Julho. - disse em tom óbvio. Foi a vez dela erguer sua sobrancelha e um salto para a realidade invadiu minha memória - Ah... Completo 15 anos.
– Não parece animada. - ela observou.
– É sério? - ironizei - Nem estamos no inverno e eu uso roupas de frio.
– Só por que você quer. - mamãe argumentou.
– Não e a senhora sabe.
– Sara...
– Mãe, por favor. Eu vou fazer quinze anos amanhã, pode, pelo menos, dizer o que é isso?
– Eu já lhe disse que se nós soubéssemos, lhe contaríamos. - bufei, revirando os olhos.
– Vocês ao menos investigaram?

Papai respirou fundo.
– Fomos atrás de tudo. Desde padres, médicos, até benzedeiros. Mas nada adiantou. Suas marcas não podem sair e... - eu interrompi, olhando fixamente meu prato, com a voz calma.
– Eu sei. - fechei os olhos por um momento e respirei fundo - Não quero festa, convide apenas o Jason e compraremos uma pizza pra assistir um filme qualquer.
– Mas... - não dei tempo deles protestarem, apenas levantei da mesa e subi as escadas de volta para o quarto.

Fechando a porta atrás de mim eu me toquei o quão eu poderia estar parecendo dramática, mas não tanto quando se é julgada a vida toda por coisas que você não tem culpa.
Me sinto mal por ter descontado minha raiva nos meus pais e, estranhamente, isso me dá vontade de chorar. Escorrego a costas na porta até sentar no chão, liberando lágrimas quentes e descontroladas. Queria só ser normal. Uma pontada me dói o pé da barriga e eu acabo liberando um gemido, algo vermelho escorre na calça entre as minhas pernas, meu coração acelera e eu corro para o banheiro, trancando-me. Tiro rapidamente as roupas e descubro o que há de errado: eu virei mulher!
Ouço a voz de minha mãe gritando na porta.
– Sara! Querida, por favor, abra a porta.
– Vão embora! - gritei de volta - Quero ficar sozinha!
– Sara!
– Saiam daqui! - apertei os olhos e minha voz saiu aguda, tamanha era minha raiva e angústia à toa, mas que me apertava o coração de forma descomunal, como se, naquele momento, nada nem ninguém tivesse permissão para sequer se aproximar de mim.

Então todas as luzes se apagaram. Assustada e com os olhos molhados eu me abracei, estava nua em um banheiro escuro. Ouvi minha mãe pedir para o papai buscar a lanterna ou uma vela quando a energia voltou. Suspirei, encarando-me no espelho. Poderia me hipnotizar com meus olhos azuis ou com meu rosto bem desenhado, mas não fora isso que chamou minha atenção. As marcas se estenderam do lado direito, se arrastado para o colo e atravessando como uma listra ou cicatriz por meu olho. O que estava acontecendo comigo?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.