Beijo roubado

Beijo roubado - Capítulo único


O pequeno Distrito Haru, Muralha Rose.

O lugar estaria completamente abandonado se não fosse pelo pequeno esquadrão que o ocupava naqueles últimos dias, usando-o de refúgio. Limparam a área em um perímetro de quase dois quilômetros, aniquilando todo e qualquer inimigo da humanidade por perto.

Sem titãs por hora.

Por ordens do Comandante Erwin, aquela seria a última parada antes de uma marcha desgastante, sem qualquer tipo de pausa, até a Muralha Sina, o posto mais avançado da resistência humana contra os Titãs.

Petra Ral e Hanji Zoe caminhavam juntas, conversando animadamente. Esta estava averiguando seus experimentos mais bizarros e indevidamente compreendidos quando foi abordada pela integrante do Esquadrão Levi, Petra, que verificava os suprimentos de toda a Tropa de Exploração. Após o cumprimento da inspeção, Petra deveria voltar para a velha hospedaria na qual a Tropa usava como QG, e relatar tudo ao Cabo Levi, mas Hanji insistiu em ir com ela até certo ponto, dizendo que fazia tempo que não conversavam juntas. Educadamente, Petra aceitou, mas depois de toda a conversa, questionava-se a respeito da própria decisão.

— Pela última vez, Hanji-san, eu disse que não! — alegou Petra, defensiva.

— Petra, Petra, Petra... Eu tenho ótimos olhos, sabia? — disse apontando para os grandes óculos no rosto. — A quem você quer enganar? A mim?

— Não estou tentando enganá-la, é só que...

— Ahá! Então, finalmente, você admite! — jubilou-se Hanji.

— Admitir? Eu? Não posso admitir algo assim! Isso é um completo engano, Hanji...

— Ora, vamos. — A oficial pôs a mão sobre o ombro da companheira. — Eu vi o jeito que você o trata, a forma como se dirige a ele, como o olha... Tudo. Petra, se você quisesse realmente negar algo deveria ter sido, no mínimo, um pouquinho mais discreta, não?

— Não sei do que está falando! — defendeu-se.

— Ah, claro que sabe! — Riu Hanji maliciosamente. — O cara baixinho, ar rabugento, rosto enjoado...

— O Cabo Levi não tem o rosto enjoado! — rebateu Petra imediatamente. — Nem...

Hanji a olhava com feição vitoriosa. Percebendo que havia caído perfeitamente na armadilha da outra, Petra se calou e virou o rosto para o lado, envergonhada.

— Quer dizer... — tentou se descomplicar. — O Cabo Levi é muito rabugento, não? Com aquele tamanho...

— Petra...

— Pois não?

— Você é uma péssima mentirosa, já te disseram? — Hanji balançou a cabeça, risonha. Petra suspirou derrotada.

A hospedaria já estava à vista. Hanji, que havia prometido ir até certo ponto do caminho, acabou acompanhando Petra mais do que deveria. Esta esperava que a cientista mais insana da tropa a deixasse em paz. Odiaria se complicar mais do que naquele instante.

— Mas, então — Hanji bocejou —, quando pretende contar ao Levi? Porque se depender dele...

— Contar?! Ao Cabo Levi? — Petra arregalou os olhos, abismada. — Impossível! Definitivamente impossível!

— Ah, pare com isso, Petra! Ele precisa saber, não precisa?

— Sim, digo, não! — corrigiu-se quase instantaneamente. — Não há nada que precise ser dito entre nós!

— Oh, isso significa mais ação, Petra? — O tom um tanto pervertido de Hanji fez Petra corar e desviar o olhar. — As quietas sempre são as piores...

— Não é nada disso! — Petra gesticulava freneticamente, quase gritando. — Como pode entender tudo errado?

— Confesse... Você sempre quis dar um beijo no Levi.

— B-beijo?! Não, isso está indo longe demais! Eu poderia ser expulsa do Esquadrão Levi, pior, da Tropa de Exploração! Eu e o Cabo Levi? Eu beijando o Cabo Levi? Nem consigo me imaginar fazendo...

— Consegue, sim. — Hanji riu da vergonha da outra. — E falando no nanico...

Sério como sempre, o andar indiferente a tudo ao redor. Levi vinha à direção de Petra e de Hanji, tendo por companhia o comandante Erwin Smith. Enquanto uma das mulheres ria da situação, a outra procurou endireitar a postura, procurando parecer a mais séria possível.

— Boa-tarde, Hanji e Petra — saudou-as Erwin.

— Boa-tarde, Erwin... E Levi — falou Hanji antes de dirigir o rosto para Petra, que tentou ao máximo desconsiderar as provocações da outra. Levi, por não estar a par do assunto discutido entre as duas, cumprimentou-a apenas com um aceno de cabeça.

— Os relatórios, Petra — dirigiu-se à subordinada. Petra sentiu o coração palpitar mais rápido naquela fração de segundo.

— Estão prontos, Cabo Levi. Exatamente como o senhor pediu que eu...

— Ótimo — interrompeu-a Levi. — Deixe-os nos meus aposentos. Irei avaliá-los quando possível.

— Sim, senhor.

— Hanji — Erwin chamou-a. — Levi e eu estávamos vasculhando o perímetro antes da retirada. Como capitã, seria preferível que nos acompanhasse. Há algo pendente nos seus serviços?

— Pendente? Erwin, você está me insultando... — Hanji riu descontraída.

— Excelente, nos acompanhe, então. — E virou-se para a subordinada de Levi, dizendo em tom de despedida: — Petra, até mais.

A jovem viu-se sozinha a poucos metros da base da Tropa de Exploração. Petra encolheu os ombros, observando as silhuetas de já distantes de Levi, Hanji e Erwin.

— Então... Melhor eu entregar os relatórios...

* * *

Madrugada. Conforme a escala de vigília determinava, era o turno de Petra. Havia acabado de substituir Auruo, seu parceiro e também integrante do Esquadrão Levi.

Vasculhou todos os cômodos, mas nada havia naquela hospedaria senão a monotonia e soldados dormindo. Nada que necessitasse das excepcionais habilidades de Petra para verificar diversas vezes andar por andar sem encontrar uma barata sequer se movendo.

Atravessou o corredor, entediada. Em breve seriam 04h00, o horário em que terminaria seu turno e ela, talvez, conseguiria voltar a dormir.

Pensando na própria cama, passou por uma porta arreganhada à direita, olhando de relance seu interior.

O quarto de Levi.

Petra voltou abruptamente. Dentro do quarto, Levi estava deitado na cama, dormindo profundamente. Sobre a cabeça e tórax dele os diversos papéis do relatório que Petra havia feito. Ao que parecia, Levi tinha adormecido enquanto os verificava.

Ela sentiu-se um tanto ofendida. Tinha preparado toda aquela documentação num único dia, perdendo toda a manhã, bem como grande parte da tarde, para no fim aquele que deveria checar seu trabalho estar dormindo sob ele.

Foi tarde demais quando percebeu que havia chutado com força e a cama do superior. Por sorte e para o alívio de Petra, Levi não acordou.

— É melhor eu deixá-lo dormir... — sussurrou antes de sair do quarto.

Tudo foi em vão, pois Petra, poucos segundos depois, obedeceu ao impulso de voltar aos aposentos de Levi.

Com extremo cuidado para não fazê-lo despertar e se envolver em uma situação demasiado constrangedora com seu comandante, Petra retirou todo o relatório de sobre Levi, arrumando os papéis ao lado da cama. Depois, Petra olhou-o dormindo. Era tão diferente do costumeiro Cabo Levi; não havia frieza nele, não havia nada de rabugento naquele rosto, nada de negativo que o caracterizasse como o Cabo Levi, o soldado mais forte da humanidade.

— Tão quieto... No que será que está sonhando? — perguntou-se Petra.

Petra ainda contemplava aquela visão exótica e curiosa. Nunca estivera tão próxima, tão íntima de seu admirado superior. Lembrou-se de quando tinha sido recrutada para o Esquadrão Levi, da euforia ao ser elogiada pelo próprio homem que liderava a equipe mais espetacular da Tropa de Exploração, se não de todas as divisões militares criadas pela humanidade. Sempre o viu como um ídolo, uma inspiração. Mas, no decorrer do tempo, em seu amadurecimento dentro da tropa e do Esquadrão, Petra conheceu Levi ainda mais, olhando-o com outros olhos. Não era mais um deus imaculado, mas sim um homem falível, palpável, normal.

E, talvez, foi por ter esta nova visão muito mais aprofundada dele que Levi era ainda mais fascinante para Petra Ral.

Sem querer, os olhos castanho-claros depararam-se com os lábios do moreno. Levi ainda estava dormindo profundamente.

“Você sempre quis dar um beijo no Levi!” Indesejavelmente, a parte mais constrangedora da conversa com Hanji mais cedo tornara à mente de Petra, que, em um segundo, imaginou-se às carícias com o comandante.

— Não! Isso não está certo! — Tapou a boca com uma das mãos, temendo ter falado alto demais.

E Levi não acordava de jeito nenhum, o que, de certo modo, incomodava a mulher. Pelo menos se ele despertasse, ela estaria privada de cometer qualquer besteira não pensada.

— Eu não posso fazer isso... Eu não... Isso seria embaraçoso, além de errado e... Mesmo sendo só um beijo...

“Só um beijo...”. Petra suspirou, temendo o que estaria prestes a fazer.

Subiu na cama, postando-se sobre o homem. Ela olhava a todo o momento para o rosto dele, esperando que, a qualquer segundo, Levi abrisse os olhos.

Ele nada fez. Petra, lentamente, balançou a mão à direção da fronte de Levi, testando-o para caso ele estivesse prestes a acordar. Nada outra vez, em exceção do corpo dele se virar para a direita, de modo que os rostos de Levi e de Petra estivesse frente a frente. Tudo parecia convergir para que a mulher realizasse o desejo mais obsceno, talvez, de seu coração.

— Perdoe-me por isso, Cabo... — calou-se, corrigindo-se. — Levi...

Petra desceu a cabeça à de Levi mais rápido do que gostaria, selando toda e qualquer distância que separava seus lábios dos dele. Beijou-o na boca.

A sensação era estranha. Petra nunca havia experimentado os lábios de ninguém, e já havia atingido a idade adulta. Agora, sentia o toque, a temperatura, o sabor... Assim era um beijo. Apreciou aquele momento por alguns segundos, deitada sobre o corpo de seu superior. Até imaginou, num súbito de loucura, os braços dele a envolverem na cintura e a puxarem para mais perto. Contudo seria apenas um sonho. Um sonho muito bom.

Apartou a boca da de Levi, ainda vendo-o dormir. Ousou sorrir após aquela demonstração peculiar de audácia. Depois, levantou-se da cama e, à porta, olhou uma última vez para ele.

Sorridente, Petra deixou o quarto de Levi.

Ela não havia reparado no minúsculo dispositivo camuflado ao armário.

* * *

Hanji parecia satisfeita com o que acabara de assistir e gravar. Com o pequeno videorreceptor em mãos, a capitã bocejou triunfante.

— Durou uma madrugada inteira, mas finalmente você fez o que eu sabia que queria fazer. Petra, Petra, Petra... Eu te disse, não? A quem você queria enganar?

A mulher ajeitou os óculos.

— Sabe, foi difícil encontrar a dose exata de sonífero... O Levi deveria parecer que queria dormir espontaneamente, não porque estaria dopado. — Hanji relaxou os ombros, guardando com muito cuidado o dispositivo televisivo.

— Eu estava certa no fim das contas... As quietas são as piores.

E, rindo consigo, deitou-se sobre a própria cama.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.