Behind Blue Eyes

Eu estou acostumado com as pessoas agindo estranho, desviando o olhar, engolindo palavras, restringindo movimentos... Até mesmo tendo total aversão a minha pessoa. Não sei, talvez eu não tenha sido feito para essa coisa de amor e socialização.
– Lass Isolet.

Você nunca pareceu sentir minha falta, e acho que por isso parei de sentir a sua.

– Lire Eryuell.

Caminhava sozinho pelas ruas desertas. A mochila pesava nos ombros e o corpo magro coberto apenas por uma camisa, um moletom, um jeans velho e um velho par de Nike's manchados de lama; mal suportava o frio daquela manha, ainda mais quando a chuva tendia encharcar suas roupas. Os sapatos estavam ensopados e o celular só não havia sido perdido por que colocara dentro da bolsa. A aquele ponto podia sentir a pneumonia se aproximando enquanto os ossos tremiam por baixo dos músculos rígidos de frio e da pele humidamente gelada.

Parou um passo antes do meio fio, esperando que o sinal do cruzamento fechasse para assim poder atravessar a avenida irritantemente cheia de pessoas aparentemente tão vazias quanto a si, mas ele sabia que era apenas aparência, sempre é apenas aparência.

Suspirou baixo antes de arrumar a mochila sobre os ombros. De canto de olho pode ver uma garota loira parar ao seu lado, conhecia ela de vista - e de um passado bem remoto -, era a vice-capitã das lideres de torcida do colégio que freqüentava, Lire Eryuell era seu nome, e ela era alguém que o garoto podia chegar a julgar como legal, ao menos agora que não a conhecia como um dia já conheceu. Percebeu que a garota equilibrava o guarda-chuva numa das mãos junto a cinco sacolas e sua bolsa grande de couro, enquanto o outro braço era ocupado por mais algumas sacolas e tinha a mão mantendo o celular no ouvido. Ela sorria e conversava animadamente, olhou para si, e era como se o albino se quer estivesse ali. E quando o sinal ficou vermelho para os carros a loiro continuou seu caminho, sem sequer virar-se para olhá-lo mais uma vez.

Talvez não o houvesse reconhecido, era o que o rapaz queria convencer-se, mas sabia que era mentira. Ela o ignorara completamente, por que é impossível esquecer-se de quem lhe fizera passar por três anos seguidos no colégio, isso sem contar no rapaz que lhe tomara a virgindade dos lábios. E então veio mais um suspiro.

Por que ele ainda tinha alguma esperança? Não era como se alguém se importasse com ele, ou o notasse. Ele era um fantasma, ele era O fantasma que todos faziam questão de ignorar.

– Por que, realmente...? - fora uma simples indagação para ninguém em particular, nem mesmo a si, pois não sabia o porquê de ter perguntado aquilo, ou mesmo de onde viera tal indagação. Mas então outra questão lhe veio à mente quando a garganta doera apenas naquele pronunciar.

Quanto tempo fazia que não falava? Quanto tempo não tinha uma conversa com alguém, qualquer pessoa?

Distraído por seus pensamentos deu um passo em direção ao meio fio, logo deu outro e outro, e estava no meio da rua quando cessou os passos e ergueu o olhar, encontrando um par de esmeraldas o fitando alarmadas e com a boca aberta em um grito mudo e assustado; em seguida tudo escureceu em meio à dor agonizante que apenas tornava-se pior a cada segundo; mas apesar disso ele não se esquecia do par de íris verdes que o fitaram de forma tão culposa e amedrontada. Mas mesmo a possível infeliz alucinação que tivera mudava seus pensamentos.

Queria morrer, ou talvez estivesse morrendo, e - caso estivesse - estaria feliz por isso, sofrera por tanto tempo sozinho, fora abandonado aos poucos por cada pessoa que um dia tanto amara... Hoje chegava a se questionar como ainda conseguia acordar todas as manhãs, respirar, viver... Se é que aquilo poderia ser chamado de vida.

Talvez, pela primeira vez desde que sua solidão tivera inicio, o jovem sabia o que realmente queria; ele queria morrer, definitivamente morrer, sem deixar pedaços para trás, ou ser os fragmentos de alguém. Apenas morrer, simples e inteiramente, livrar os pais daquele desgosto e o irmão da vergonha; livrar a todos da presença assombrosa que tinha. Mas algo no fundo daquelas sombras - em meio à dor, a aquelas vozes embaralhadas e aos rostos borrados de negro - o dizia que não teria seu pedido realizado, lhe notificava que não podia morrer naquele momento, e em momento algum que quisesse por que ele era apenas uma peça num jogo divertido.

Talvez fosse a morte zombando de si, apreciando seu sofrimento, deliciando-se com cada miserável segundo de sua própria amargura e divertindo-se com cada ferimento auto infligido que enfeitava sua pele. Ela era apenas a morte em seu bel prazer. Ela o conhecia e tinha-o, talvez, como seu brinquedo mais divertido. Ela o conhecia tão bem quanto as paredes de seu quarto.

Mas ninguém além destes seres ilusórios, ou inanimados, sabia sobre si, compreendia a si. Eles, os médicos que lutavam para salvar a jovem vida que se desfalecia, não sabiam que por trás daqueles olhos azuis opacos havia alguém desejando desesperadamente, e com todas as suas forças, morrer. Simplesmente, desaparecer nas areias do tempo como se nunca houvesse existido.