Beautiful You

Prólogo: A Colina


“Como é?”. O Sr. Kim perguntou embora sua audição estivesse em ótimas condições. Não era todo dia que aparecia um esbanjador naquela pequena imobiliária.

O garoto do outro lado da mesa era jovem, entrara sem fazer cerimônia, não era cheio de sorrisos e não perdera tempo em anunciar que queria alugar uma casa. Sr. Kim fora prontamente atende-lo, tirou algumas pastas das gavetas e mostrou fotos e plantas, mas o rapaz as virava com um olhar entediado.

Sr. Kim era um homem sério e dedicado, não deixava clientes irem embora dizendo que ‘iriam pensar a respeito’, ele até mesmo se considerava muito bom em ler as pessoas, pela forma como se sentavam, se estavam à vontade ou sentadas bem na beirinha da cadeira, pés batucando, mãos tamborilando pela mesa, ele entendia o comportamento das pessoas, mas o garoto de cabelos negros e olhar ferino era um caso à parte.

Era o tipo que entrava numa loja, comprava o que queria e saía sem olhar para os demais produtos, Sr. Kim gostava dessas pessoas, elas eram objetivas em sua realidade financeira e estavam lá para concluir um negócio, mas o rapaz era particularmente difícil de conversar.

“Uma casa afastada do centro, não gosto desses quartos minúsculos ou cozinhas apertadas”. Respondeu fechando a pasta e a empurrando na direção do homem que ajeitava seus óculos. Nenhuma daquelas plantas se parecia com o que tinha em mente.

“Uma casa grande?”. Perguntou já se levantando e sem esperar resposta. Tirou um catálogo menor e mais cheio de poeira do que os outros. “Pra você e a sua família?”.

“Hn”. Não era uma resposta, mas estava boa o bastante, Taekwoon não estava lá para fazer amizade, embora talvez tivesse sido melhor vir com Hongbin, afinal eles estavam juntos... ou talvez Jaehwan, não que a opinião do namorado não fosse relevante, mas Jaehwan tinha um bom senso estético, ele saberia dizer se estava se metendo numa furada e alugando uma casa onde o sol não bate e a probabilidade de mofo fosse maior.

Mas no final havia ido sozinho e tomaria a decisão sozinho, queria uma casa afastada, com bastante verde, se possível de dois andares e com o pé-direito alto.

“Ah! Eu tenho algo parecido com essa descrição”. Sr. Kim disse mexendo mais uma vez nas gavetas.

Taekwoon sequer havia reparado que pensara em voz alta.

“Não é moderna como as do catálogo que você está segurando, é uma casa antiga, fica numa colina, venta bastante, a pintura está um pouco gasta, mas o carpete é novo e está até com cortinas”.

Taekwoon não ligava para casas modernas, todas pareciam ter saído da capa de uma revista e era apenas enervante tentar decorá-las.

A casa que o Sr. Kim achara era mais ou menos o que tinha mente, era antiga, todos os cômodos eram bem espaçosos. Sala ampla, sala de jantar, escritório, cozinha e no segundo andar uma suíte, um quarto e um banheiro.

“Hmm... a instalação elétrica precisa ser revisada, mas o escritório tem uma estante do teto aos pés já cheio de livros”.

“Por que alguém deixaria pra trás toda uma coleção de livros?”. Perguntou quase ofendido, isso era um detalhe mais importante do que o problema elétrico.

“Bom”. O homem riu, era para ser uma piada? “Eram dos donos originais, mas eles já faleceram e o primeiro comprador pediu para ficar com os livros, disse que deixava o ambiente como nos filmes americanos”.

“E quando eu posso me mudar?”.

“O Sr. não quer ir conhecer a casa primeiro? Sei que é um pouco distante, mas eu mesmo o acompanho até lá--”

“Quero me mudar amanhã se possível, onde posso assinar?”.

“Nós nem falamos sobre o preç--”.

“1 ano e meio de contrato com adiantamento de 6 meses”.

Os olhos do Sr. Kim ficaram maiores do que bolas de natal, ele abriu o melhor e maior sorriso e começou a imprimir a documentação enquanto ria e falava sobre os ‘jovens de hoje’.

.

Era para ser uma mudança tranquila, a previsão do tempo até mesmo indicara um tempo nublado, mas agora que as caixas já estavam protegidas... ventava, chovia, caia raios e trovões.

Descarregar as coisas do caminhão não deveria ter tomado tanto tempo, mas é claro que todos se perderam e o sinal do celular era instável na região. E quando chegaram no sobrado já estava no meio da tarde.

Por sorte os móveis foram parar em seus devidos cômodos e não ficaram amontoados pela sala como todas as caixas.

Taekwoon acabara de sair do banho, a única opção do chuveiro era a água fria, velas estavam espalhadas pela casa. Na cozinha a opção era a garrafa d’água quente, a geladeira não poderia ser ligada ainda. Luz era uma prioridade.

Apesar disso, ele havia feito um bom negócio, um sobrado numa colina, portão baixo de ferro, árvore com balanço, grandes janelas de madeira, carpete pela sala e quartos, tudo em bom estado. O preço era de se estranhar considerando a aparência da casa, não deveria ser tão barato.

O homem da imobiliária apenas deu de ombros dizendo que as pessoas se cansavam das escadas e porque a casa era distante do comércio. Taekwoon não havia acreditado, mas acabou deixando para lá

Um trovão caiu e poderia jurar que viu uma figura no andar de cima, bem próximo do corrimão, piscou os olhos e nada, não havia ninguém. Não deveria haver ninguém, era apenas uma casa velha.

Deu de ombros e seguiu para a cozinha. Outro trovão. O barulho de interferência na tv o fez recuar alguns passos até o cômodo. Mas a tv estava desligada, é claro que estava, se quer havia sido conectada.

Talvez estivesse cansado e precisasse dormir. Coçou os olhos, era a única explicação, passara o dia carregando caixas e mais caixas, só precisava de uma boa noite de sono. Subiu os degraus que rangiam. Entrou no quarto e trancou a porta. Deitou na cama, puxou as cobertas e fechou os olhos. Mais trovões, mais chuva, mais galhos batendo nas janelas.

Mas estava cansado e em menos de três minutos iria pegar no sono e dormir profundamente.

E de repente a escada começou a ranger.

Taekwoon abriu os olhos. O barulho na escada cessou.

Ele não era mais uma criança, não acreditava em fantasmas ou casas mal-assombradas, mas agora começara a pensar que a razão para o aluguel ser tão barato fosse as atividades sobrenaturais da casa. Fechou novamente os olhos. Estava cansado e iria dormir.

Fantasmas não existem, repetiu mentalmente.

Uma risada baixa, próximo da porta.

Taekwoon forçou os olhos, continuou com eles fechados. Bem fechados.

"Tic toc, tic toc". Uma voz cantarolou.

Taekwoon começou a contar carneirinhos. A risada baixa se repetiu mais distante e com ela os trovões e raios pareciam cair mais próximos, mas logo tudo ficou repentinamente quieto e restou apenas uma fraca chuva caindo, fazendo com que o gostoso barulho da água atingindo as telhas o levasse a um sono profundo e tranquilo.