Correr. A melhor sensação que existe no mundo. O vento batendo no rosto, a sensação do ar escapando dos pulmões, as coisas passando por você como um borrão. E claro, os passos. Um dois, um dois, um dois, um dois.

Pra ser sincero eu não espero de você

Mais do que educação,

Beijo sem paixão,

Crimes sem castigo,

Aperto de mãos

Apenas bons amigos...

A música soava nos meus ouvidos, e eu fechei os olhos ainda correndo. Conhecia aquele caminho de cor. Um dois, um dois, um dois.

– Milena? – Achei ter ouvido alguém falar. Mas provavelmente era minha imaginação me pregando peças.

Pra ser sincero eu não espero que você

Minta

Não se sinta capaz de enganar

Quem não engana a se mesmo

– Milena! – Chamaram de novo, e dessa vez eu tive certeza que não era a minha imaginação. Porém nem precisei me virar, porque um forte puxão no ombro o fez. Antonio. – Como vai você?

– Ah, bem, obrigada. E como vai o mais novo papai de São Paulo? – Sorri falsa, e ele franziu o cenho, decepcionado.

– Você já sabe. – Afirmou e eu assenti.

– As noticias correm. Meus parabéns. – Me virei, mas Toni me puxou de novo.

– Milena, eu sinto muito. – Falou olhando no fundo dos meus olhos, e por incrível que pareça, não consegui acreditar.

Nós dois temos os mesmos defeitos

Sabemos tudo a nosso respeito

Somos suspeitos de um crime perfeito

Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos

– Você ao menos gosta dela? – Perguntei séria, e ele abaixou o olhar. Ri sem humor. – É claro que não. Você não gosta de ninguém.

– Eu gosto de você. – Levantou a cabeça e eu lhe lancei um olhar raivoso.

– Não diga isso! Nós dois sabemos que não é verdade! – Exclamei, apontando o dedo pra sua cara. – Eu gostei de você por anos, Antonio, e você nunca valorizou isso. Você me usou, todo esse tempo.

Pra ser sincero eu não espero de você

Mais do que educação,

Beijo sem paixão,

Crimes sem castigo,

Aperto de mão

Apenas bons amigos...

– Confesso que fui um idiota, Lena, mas você era diferente das outras garotas. Eu sempre soube disso. E isso me dava medo. – Admitiu e eu parei pra observá-lo. Os cabelos cacheados, a sobrancelha grossa, os olhos escuros, o maxilar definido e os ombros largos. Tão bonito. Mas tão cafajeste.

– Você não me tratava diferente das outras. – Argumentei, magoada.

– Eu não tratava você diferente, porque tratar você diferente era assumir pra todos que eu te via diferente. – Ele se enrolou, mas mesmo assim consegui entender. E fiquei quieta.

Pra ser sincero não espero que você

Me perdoe

Por ter perdido a calma

Por ter vendido a alma ao diabo

– Quem sabe daqui a alguns anos, a gente se encontre de novo e...

– Não. – Interrompi. – “A gente” nunca existiu e nunca irá existir. Graças a Deus. Porque você, Antonio, é tipo de pessoa que a vida põe no nosso caminho pra aprendermos a diferenciar quem sim do quem nunca. E você com certeza, é um “que pena”.

Um dia desses

Num desses encontros casuais

Talvez a gente se encontre

Talvez a gente encontre a explicação

– Mas Milena... – Tentou novamente, e novamente eu o interrompi.

– Não, Antonio. Esse assunto não está mais em questão, eu já me decidi. E acabou. – Falei, o olhando friamente. Havia prometido que não derrubaria mais nenhuma lágrima por ele. – Qualquer coisa que já tenha acontecido entre nós, acabou.

– Então, acho que só me resta dizer adeus. – Colocou as mãos no bolso da calça, olhando pra qualquer lugar, menos pra mim.

– É, isso mesmo. – Concordei com a cabeça. – Adeus, até nunca mais. Ou até mais, não sei. De qualquer forma, Antonio, siga com a sua vida que eu sigo com a minha. Ah, e boa sorte com a sua nova família. – Sorri pela primeira vez sincera, e ele fez o mesmo. Dando um tapinha do meu ombro, o garoto se virou, indo pelo caminho contrário.

Num dia desses

Num desses encontros casuais

Talvez eu diga, minha amiga

Pra ser sincero, prazer em vê-la

Até mais

E foi assim, exatamente assim, que Antonio Nunes saiu da minha vida. Num sábado nublado do inicio de maio, às 09h30min da manhã em mais uma das minhas corridas casuais. É, a vida às vezes é bem irônica.

Dando de ombros, recoloquei meus fones de ouvidos e apertei o passo, voltando a correr. Mas, de alguma forma, aquela Milena que havia parado em frente à padaria do seu Zé, não era a mesma que agora atravessava a farmácia nacional. E mesmo sem saber, eu sabia disso.

Nós dois temos os mesmos defeitos

Sabemos tudo a nosso respeito

Somos suspeitos de um crime perfeito

Mas crimes perfeitos não deixam suspeitos.