– Como assim a sua irmã chantageou você? – Gabi exclamou, enquanto seguíamos para o estacionamento da escola. Nossas aulas haviam acabado há alguns minutos.

– Isso mesmo. A gente tava tomando café da manhã quando ela se virou pra mim e disse “eu ouvi você chegando em casa domingo de madrugada. 20 reais pra eu não contar nada pra mamãe”. Eu só fiquei olhando pra cara dela, mas quando minha mãe apareceu na cozinha e ela ameaçou contar, tive que pagar. – Contei, segurando a alça da minha bolsa no ombro. As meninas gargalharam.

– Nossa, mas eu achava que a Mari era tipo um anjinho. – Laura comentou, prendendo seus cabelos loiros num rabo de cavalo. Agora foi a minha vez de gargalhar.

– Você e a torcida do flamengo. Só que de anjinho aquela lá não tem nada. Mariana tá mais pro satã encarnado. – Resmunguei.

– Querem almoçar lá em casa hoje? – Gabriela se virou pra nós de repente, mudando de assunto. Laura assentiu, mas eu tive que negar.

– Não dá. Hoje eu começo a trabalhar no escritório do meu pai. Ele vai vir me buscar e a gente vai almoçar juntos. – Falei, procurando o carro do meu pai no estacionamento. Acabei o achando, terminando de estacionar numa vaga a uns sete carros de nós. – Aliás, ele acabou de chegar.

– Ah, então tá bom. Tchau Lena, amanhã a gente se vê. – Laura se despediu, indo pra outra direção com Gabi. Mandei um beijo pra elas e fui pro outro lado, caminhando até o carro de papai.

– Acorda, jacaré! – Gritei enfiando a cara pela janela. Senhor Sandro que estava deitado no banco de olhos fechados, deu um pulo, me fazendo cair na gargalhada.

– Há há há, sua engraçadinha! – Zombou, abrindo a porta pra mim. Sentei no banco do carona e joguei a mochila pra parte de trás, dando-lhe um beijo na bochecha. – Animada pro primeiro dia de trabalho?

– Super. – Respondi, irônica. Mas meu pai nem percebeu, dando partida no carro e me enchendo de perguntas sobre a escola. Eu, entretanto, tentava de qualquer forma fugir daquele assunto, já que minhas notas não estavam lá essas coisas.

Papai estacionou em frente a um restaurante japonês, sabendo que era meu preferido, e eu quase pulei de alegria. Enquanto nos lotávamos de sushi, ele me contava sobre como eram as coisas no escritório e o quanto eu gostaria de lá. Mesmo discordando eu fiquei quieta, porque não queria decepcioná-lo admitindo que só estava fazendo isso por causa do salário.

Meia hora depois estávamos entrando no escritório de advocacia Vasconcellos. Meu pai, Sandro Vasconcellos, era um advogado renomado e dono disso aqui. Por toda a minha vida, eu entrei e sai desse prédio, mas nunca parei pra observar nada sem ser o caminho até a sala de papai. Mas dessa vez era diferente. Eu agora era funcionária dali. Enquanto caminhávamos em direção a algum lugar, eu admirava o ambiente. Eram vários andares, cada um com uma quantidade de advogados especializados em uma determinada área. A sala do meu pai ficava no último andar, na área de direito tributário. Pois é, papai era tipo top das galáxias. Queria ser igual ele quando crescesse.

– Você pode esperar aqui, Lena, eu já volto. – Ele falou de repente, abrindo uma porta que dava pra uma pequena salinha que eu deduzi ser uma recepção. Mas aquela não era a sala do meu pai. Virei-me pra perguntar onde estávamos, mas ele já tinha sumido. Dei de ombros, indo sentar na cadeira de couro giratória, que estava na frente de uma mesa de madeira. Encarei o computador de última geração a minha frente e sorri marota, chegando mais perto. Porém ao tocar no mouse uma mensagem apareceu no monitor, pedindo a senha.

– Nossa, que broxante. – Murmurei, deixando o computador pra lá e dando impulso pra girar na cadeira. Eu girava e girava, fazendo com que as cadeiras brancas de couro perto da porta e os quadros nas paredes se tornassem apenas borrões. Por um momento eu achei ter visto alguém parado na porta, mas não dava pra saber por que a cadeira girava muito rápido.

– O que você está fazendo aqui? – A voz exclamou. Ah, então tinha mesmo alguém na porta. Mas, espera ai, eu conheço essa voz.

– Daniel? – Rebati, mas a cadeira continuava rodando. Tentando fazê-la parar, agarrei-me com força a mesa de madeira, derrubando o teclado, mouse e até um pote de canetas que tinha ali perto. – Meu Deus, socorro! – Exclamei quando todas aquelas coisas caíram encima de mim, fazendo o maior barulho. Por tanto girar, eu estava muito tonta, e não conseguia nem pegar os objetos que acabaram indo pro chão. Daniel, provavelmente com pena do meu estado, veio me ajudar. Ele estava usando uma camisa social e sapatos de couro. Perguntava-me se ele era a miragem de um Deus grego.

– O que você está fazendo aqui? – Repeti sua pergunta, assim que conseguimos colocar tudo de volta no lugar.

– Eu trabalho aqui. – Respondeu, e meu corpo inteiro gelou. Porra, destino, qual seu problema comigo? – E, eu perguntei primeiro. – Ele sorriu irônico. Já estava me preparando pra responder quando meu pai apareceu na sala.

– Filha, vejo que já está conhecendo seu chefe. – Falou, sorrindo pra nós dois. Eu arregalei os olhos.

– O quê?! – Eu e Daniel exclamamos juntos.

– Pai, pensei que eu fosse trabalhar com você. – Argumentei, o encarando. Ele deu de ombros.

– Bom, já tenho uma secretária, e como Daniel começou agora, pensei que pudesse ser a secretária dele. Algum problema?

– Problema nenhum, senhor Vasconcellos. Creio que sua filha será uma ótima secretária. – Daniel respondeu, sério. Eu continuava quieta. Papai olhou pra mim, em busca de concordância e eu me dando por vencida, assenti lentamente.

– Ok então. Milena, querida, qualquer coisa eu estou na sala ao lado. Bom trabalho, filha. – E antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, ele foi embora.

– Quer dizer então que você é minha secretária? – Daniel se virou pra mim, sorrindo malicioso. Eu rolei os olhos.

– Não se anima não, camarada, vou conversar com meu pai depois e pedir pra ele me trocar de cargo. – Falei, irritada. O homem bufou e me encarou sério.

– Qual o problema em trabalhar comigo?

– Daniel, a gente se beijou. Se meu pai souber disso, ele me deserda e arranca a sua cabeça. E eu não estou falando da de cima. – Eu quase ri quando Daniel se afastou, de olhos arregalados. Mas me segurei.

– Milena, isso aconteceu antes de descobrirmos que você ia trabalhar comigo. – Ele começou, quando conseguiu se recuperar. – E eu prometi que nunca mais te beijaria. Vamos agir profissionalmente, ok? Eu preciso desse emprego.

– Eu também preciso. – Retruquei e ele me encarou. Rolei os olhos. – Talvez não tanto quanto você, mas eu preciso.

– Ok então. Comece ligando pro Seu Marcos e avisando que a reunião terá de ser as 14h00min. – Ordenou, se dirigindo pra sua sala. Arqueei as sobrancelhas.

– E como eu faço isso?

– Pegando a agenda que está na segunda gaveta, procurando o número do Marcos Pereira e ligando. – Respondeu, como se falasse com uma criança.

– Tudo bem, obrigada. Boa tarde, Senhor Daniel. – Sorri irônica pra ele, engolindo minha vontade de mandá-lo pra puta que pariu.

– Boa tarde pra você também. – Sorriu de volta, entrando em sua sala. Rodei a cadeira, abrindo a gaveta e pegando a tal agenda. Respirei fundo. Essa história de secretária não vai dar certo.