Acordo no meio da noite com os braços de Ivan em volta de mim.

Ele ainda está dormindo, posso sentir, mas se mexe se parar, imerso em um sonho ruim. Provavelmente o mesmo sonho que o faz acordar gritando "Não! Por favor! Nos deixem em paz!".

O sonho que ele vem tendo desde que passei a retribuir seus sentimentos.

Hoje, não foi diferente: ele me apertou contra seu corpo, seu grande, pálido e levemente gelado corpo, e disse palavras desconexas, muitas vezes chutando algo que apenas ele sabia do que se tratava. Dessa vez, no entanto, a coisa parecia mais séria, porque ele não apenas chutou, mas sim tirou um de seus braços de cima de mim e afastou... o ar. Sim, ele lutou contra o ar, de sua boca saíram grunhidos de raiva.

E foi ficando cada vez pior.

Em certo ponto, pensei que o russo cairia da cama, tamanha sua agitação. Ele fazia movimentos violentos, estava literalmente lutando com o nada. Mas em momento algum ele largou-me. Não importava o que estivesse atacando, nada era suficiente para fazê-lo quebrar o contato comigo.

Esperei agoniado. Por várias vezes tentei acordar meu vizinho e amante, mas o resultado era sempre o mesmo. Digo, o não-resultado. Afinal, Rússia nunca acordava. Ele só gritava mais. Minha voz nesses momentos era um faca em chamas para seus ouvidos, independente do que eu falasse. Se antes Ivan Braginsky gritava, minhas palavras de consolo faziam-no berrar em desespero.

Aquela cena torturante acaba quando Rússia grita meu nome e levanta bruscamente, me soltando enfim. Seus olhos violetas estão arregalados e procurando por algo, sua cabeça vira de um lado para o outro, suas mãos fortes agarram o nada. Os fios loiros de seu cabelo liso grudam na testa, devido ao suor que escorre de seus poros.

Ivan está uma pilha de nervos.

Levanto o corpo da cama, ficando sentado ao seu lado. Delicadamente, para não assustá-lo ainda mais, levo minhas mãos ao seu rosto e o seguro, fazendo o russo olhar para mim. Ele demora a processar a realidade, e quando o faz, coloca suas mãos sobre as minhas, quase verificando se são reais.

– Ivan. - chamo. - Está tudo bem. Acalme-se, sim, aru?

– Yao? - meu amor parece extremamente confuso.

– Sim?

Foram poucos segundos até ele mover suas mãos para as minhas costas e me abraçar novamente. Ele me aperta tanto contra seu corpo que tenho dificuldade de respirar, mas mesmo assim, retribuo, e passo meus dedos finos por seus cabelos curtos, fazendo-lhe um carinho.

Então, algo que eu não esperava acontece: um forte soluço rompe a garganta de Ivan e logo ele está chorando. Chorando como uma criança sofrida e abandonada, chorando como uma criança que perdeu coisas demais.

Chorando como a criança que Ivan Branginsky é, ou que nunca foi.

Não é segredo para ninguém que a infância de Rússia foi formada de servidão e assédio moral, sempre rodeado da neve que ele tanto odeia. Não é segredo também que isso transformou a mente de Ivan em um monte de vidro partido e cortante, mais perigosa que uma bomba nuclear que nem mesmo América poderia construir. E seu coração, então? O que dizer sobre ele? Um órgão que muitas vezes cria vida própria e salta do corpo de seu dono, talvez por doer demais.

Fico sem saber o que fazer. Ver Ivan chorando daquela forma é para apenas uma vez na vida. Mesmo eu, que o conheço há muito, nunca estive nessa situação. Sim, já o vi derramando lágrimas, mas ele as secou rapidamente e disse que foi uma tristeza passageira. Agora não; ele não está sequer fazendo questão de esconder sua dor.

– E-ei, Ivan, aru. - digo, tentanto acalmá-lo. - Está tudo bem. Está tudo bem.

– Não. - ele chora. - Eles querem tirar você de mim, Yao. É só o que eles querem.

– C-como? Quem, aru?

– Todos. - ele responde. - Todos, sem exceção.

Me afasto com dificuldade de Ivan, pois ele me prende fortemente, apenas o suficiente para que eu possa ver seu rosto. Lágrimas escorrem sem parar, seus lábios tremem. Deposito ali um beijo leve, apenas um selinho, e volto a encará-lo, secando suas lágrimas como posso.

– Eles quem, Ivan?

– As outras nações! Eles querem me afastar de você, de qualquer jeito! América chegou a dizer que eu estava pondo sua vida em risco, que eu destruiria você! - ele volta a me abraçar, não me deixando mirá-lo. - Por favor, Yao! Acredite em mim! Eu nunca faria mal a você, nunca! Isso é coisa deles, não acredite! - sua voz foi ficando mais baixa a cada palavra. - Eu te amo, por favor, não acredite...

Me corta o coração ver Rússia dessa forma. Embora eu não goste da ideia de vê-lo sorrindo o tempo todo, mesmo quando está transbordando de tristeza, vê-lo chorando e falando essas coisas é ainda pior. Uma nova luta para me desvencilhar do russo começa, e como a anterior, não teve resultados tão bons. O máximo que consigo é ficar de joelhos em sua frente, dando continuidade às carícias e secando as lágrimas do meu amor. Estou começando a entender...

– É só um sonho ruim, Rússia, aru. - garanto. - Nada disso é --

– Não! - ele grita, dessa vez prendendo o meu rosto. - É tudo verdade! Você não percebe? Quando estamos nas reuniões, eles ficam olhando de mim para você e de você para mim como se fosse um crime! Mas são eles que querem te machucar, Yao, não eu!

Fico em silêncio, olhando para aqueles olhos infinitamente violetas e cheios de dor. Às vezes, não tenho certeza se o que está na minha frente é o Poderoso Rússia, ou o Pequeno Rússia. Sinceramente, não vejo grande diferença entre eles. Não eu, que conheço Ivan Braginsky melhor do que qualquer um. Suas irmãs, inclusive. Não eu, que conheço o gosto de seus lábios (misturado a um leve toque de vodka), que conheço o peso de seu corpo sobre o meu nas nossas noites mais ardentes, que conheço seus pedidos mais meigos e suas fantasias mais estranhas, mas nunca tediosas. Não eu, que amo tanto esse homem à minha frente que chega a doer.

– Ah, meu amor... - sussurro, buscando por suas mãos. Quando as encontro, aperto-as carinhosamente, e dou um beijo em sua testa. - Não fique preocupado, aru... eu nunca deixaria você, mesmo que o mundo todo estivesse contra nós, aru. Eu te amo, nunca duvide disso.

Minhas palavras parecem acalmar o loiro. Ele suspira e seca seu rosto, me puxando para deitar na cama novamente, dessa vez junto com ele. Rússia escorrega sua mão para minha cintura e aproxima seu corpo do meu, passando a alisar meus cabelos já lisos naturalmente. Ele busca por minha boca, querendo um beijo de verdade. Ao menor encostar de lábios, já posso sentir sua língua pedindo passagem. Deixo o ato acontecer, afinal, queria isso também. Enlaço seu pescoço com os braços, aprofundando o beijo. Normalmente, isso seria uma permissão para Ivan começar a adentrar minhas roupas com suas mãos, ou tirá-las logo de uma vez. Mas hoje, isso não aconteceu. Não que eu tenha achado ruim, só estranhei. Ele encosta minha cabeça em seu peito, e posso sentir seu judiado coração batendo calmamente. Um suspiro de alívio rompe-me a garganta.

Rússia é um país bom, o que lhe falta são pessoas que o compreendam. Ele não é o psicopata insensível que todos acreditam. Mentalmente instável, mas não psicopata. E ele sempre será assim, infelizmente. Não há cura para passados sofridos. Rússia sempre será Rússia, e eu sempre serei dele. Porque o amor que sinto por Ivan é mais forte do que qualquer objeção de qualquer país. E não importa se os outros acharem que enlouqueci; talvez seja verdade, enlouqueci de paixão. Não tenho vergonha de admitir.

E foi naquela fria noite chinesa, abraçado a mim e sorrindo verdadeiramente, que Ivan teve um sono tranquilo, pela primeira vez em muito tempo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.