Capítulo I -

Keith

Quando o alarme ressonou pelo Castelo pela segunda vez consecutiva naquela madrugada, Keith estava pronto para matar alguém.

Ele abriu forçadamente os olhos ardentes, deixando um grunhido de irritação e cansaço escapar de seus lábios quando a voz da Princesa Allura soou nos monitores.

– Paladinos, um sinal de socorro foi acionado em um dos planetas próximos! Os Galra estão atacando!

Apesar da urgência e usual firmeza, o tom de Allura também continha uma óbvia fatiga. Os últimos dias estiveram sendo uma série cansativa e alarmante de batalhas e mais batalhas contra os Galra, que mostravam-se especialmente empenhados no ataque a planetas inocentes, e isso estava afetando todo o time de maneira aparente (até mesmo a aparentemente incansável Allura).

Segurando resmungos, Keith pulou para fora da cama, adiantando-se para vestir sua armadura, já tendo adormecido vestindo o desconfortável uniforme interno que eles tinham que usar. Ele ignorou a moleza insistente em seu corpo, e adiantou-se a saída de seu quarto, a cabeça latejando com cada passo. Perguntou-se, não pela primeira vez, se eles seriam capazes de ter pelo menos uma noite completa de sono algum dia desses.

Avançou pelos corredores do Castelo em uma imitação patética de corrida. Chamativas luzes vermelhas piscavam sem parar, o barulho do alarme ainda reverberando pelas paredes e piorando drasticamente a dor de cabeça de Keith. Seja lá quem for o desgraçado que invadiu esse planeta, ele vai ser arrepender amargamente de ter me acordado, pensou o garoto enraivecido.

Quando finalmente alcançou a plataforma principal, constatou que apensas Shiro e Allura estavam presentes. Ambos tinham olheiras abismais abaixo dos olhos, embora as de Shiro parecessem de certa forma mais profundas. Apesar do rosto abalado e consideravelmente mais pálido, o paladino negro conseguiu formular um fraco sorriso na direção de Keith quando este adentrou na sala. Allura não teve a mesma capacidade.

– Atrasado - anunciou ela, as sobrancelhas perfeitas juntando-se para formar uma careta de reprovação. Keith achou que aquilo era injusto, sendo que Pidge, Lance e Hunk não haviam nem mesmo aparecido ainda. - E onde estão os outros? Eu acionei o alarme a seis minutos, tempo o suficiente para todos levantarem, vestirem-se, e virem até aqui.

Keith abriu a boca para retrucar que ele não sabia, ou mesmo ligava para onde os outros estavam, e que Allura deveria parar de dar ordens como uma imperatriz mimada e ir procurá-los, mas foi interrompido por uma horda de passos apressados. Ele virou-se a tempo de ver os três membros faltantes do time entrarem derrapando na plataforma, um trio arfante, cansado e definitivamente patético.

– Desculpe o atraso - grasnou Hunk, ainda tentando recuperar o fôlego. Seu cabelo estava desalinhado, e a sempre presente faixa laranja não estava lá, provavelmente esquecida no calor do momento. As mãos de Hunk tremiam ligeiramente, e Keith estava disposto a apostar que estavam cobertas de suor — falta de sono deixava o paladino amarelo mais nervoso que o habitual, e isso era um fato universal.

– "Desculpe"? - repetiu Allura com irritação. - Vocês estão sete minutos atrasados! Por acaso vocês se esqueceram quem são?! Se isso fosse um ataque ao Castelo, todos nós estaríamos condenados!

– Felizmente - começou Pidge entredentes, as palavras pingando com raiva mal-controlada. -, o Castelo não está sendo atacado, e nós não estamos condenados. Então você pode parar de reclamar sobre nosso atraso, e dar logo as coordenadas da missão para que possamos voltar para a cama o mais cedo possível.

Os lábios carnudos de Allura crisparam-se em um linha fina, mas ela não retrucou. Nem mesmo ela tinha coragem o suficiente para discutir com Pidge quando a menina menor estava naquele estado: olhos brilhando perigosamente em vermelho sangue por traz dos óculos, o cabelo ainda mais bagunçado que o normal, dentes constantemente arreganhados e postura curva e agressiva, praticamente irradiando raiva. Keith não ficaria surpreso se ela fosse confundida com um pequeno e violento chihuahua.

– Muito bem, então - disse Allura secamente, virando-se para indicar um holograma de um planeta pequeno e de coloração verde-água, que era rodeado por nuvens espessas e ambulantes. Não parecia nada demais, mas Keith havia aprendido a não subestimar os planetas por sua aparência há muito tempo. - Este é o planeta Horum. Ele é um dos principais produtores de metais de pelo menos dezoito sistemas, e tem como maior fonte de economia a venda desses metais para a produção de armas. Os horubians, no entanto, se recusaram a vender esses metais ao Império Galra, e, como vocês podem imaginar, Zarkon não ficou exatamente contente.

Ela fez uma pausa, lançando um breve olhar para o abatido time em sua frente. Um suspiro quase inaudível escapou dos lábios da princesa, e Keith adivinhou que ela deveria estar pensando em quão patéticos eles pareciam.

– O imperador enviou doze frotas para a invasão do planeta, e a sua missão será destruí-las antes que elas possam alcançar a atmosfera de Horum. Se esse metal for adquirido pelos Galra, nossas chances em batalha tornam-se perigosamente mais baixas, então essa missão é de extrema prioridade.

– Doze frotas? - repetiu Lance com incredulidade. O paladino azul estivera tão milagrosamente quieto que Keith quase deixara-se acreditar que ele conseguiria manter sua boca calada durante toda a reunião. Keith revirou os olhos mentalmente, porque é claro que a primeira coisa que sairia da boca de Lance seria uma reclamação.

Arriscou um olhar para o garoto, que mantinha o rosto contorcido em uma expressiva máscara de indignação. Olheiras arroxeadas pendiam debaixo dos olhos azuis, sua pele abaçanada estava desidratada e fosca, e seus cabelos castanhos estavam desgrenhados, sem contar que sua armadura peitoral estava torta, provavelmente por ter sido posta às pressas. O rosto do cubano estava amassado e ele parecia prestes a voltar a dormir a qualquer segundo, e Keith concluiu que Lance deveria estar extremamente cansado para negligenciar sua rotina de beleza.

Entretanto, apesar de cansada, a voz de Lance era alta e incomoda, e Keith fechou os olhos com força quando mais uma rajada de dor passou por sua cabeça.

– Sim, Lance. - A resposta de Keith veio entre dentes cerrados. - Doze frotas. Algum problema com isso? Porque, se você quiser brincar de se esconder com os ratos aqui no Castelo, melhor falar agora.

Os olhos semicerramos e furiosos de Lance cravaram nos de Keith, que devolveu o olhar com a mesma intensidade. O paladino azul abriu a boca, provavelmente para devolver uma ofensa à Keith, mas seu cérebro exausto provavelmente não conseguiu formular nenhuma, então ele acabou apenas estalando com asco:

– Cala a boca, Mullet.

– Chega, gente - mandou Shiro, embora tenha saído mais como um pedido desesperado do que uma ordem. - Vamos focar na missão. Manteremos as posições da última batalha; Hunk e Pidge nas extremidades, Lance e Keith de um lado, e eu do outro. Com sorte, nós os encurralamos e não precisamos formar o Voltron.

Uma expressão preocupada tomou conta do rosto do líder, e Keith pôde entender o porquê. Eles estavam todos drenados, e formar Voltron seria uma tarefa três vezes mais difícil naquele estado.

– Vamos lá, time. Aos Leões.

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Depois de duas horas de batalha, Keith tinha certeza que eles estavam condenados.

Quando Allura lhes falara que eles enfrentariam doze frotas Galra, ela havia esquecido de mencionar o pequeno e não importante fato de que, ah, as naves eram ridiculamente gigantescas e armadas com a melhor tecnologia da Galáxia.

Os canhões nas laterais das naves atiravam ácido certeiramente a quase um quilômetro de distância; haviam armas instaladas lá, que estavam causando um estrago e tanto nos Leões; e, apesar do tamanho, toda a dúzia de naves voava a uma velocidade impressionante, o suficiente para ficar no enlaço de Red. Todas aquelas atualizações eram, de fato, impressionantes, mas Keith morreria antes de admitir aquilo.

– Nós só derrubamos quatro naves até agora, e nós estamos aqui a horas! - exclamou Hunk desesperado. - O que vamos fazer?! Shiro?

– Só... Continuem lutando, está bem? - disse Shiro, de maneira óbvia tentando manter a calma pelo time.

– Eles estão antecipando nossos movimentos - arfou Pidge nos comunicadores, enquanto manobrava Green para acertar uma das naves com seu canhão, embora aquilo mal tenha deixado marca de destruição. - É por isso que estavam fazendo tantos ataques nesses últimos dias... Eles estavam decorando nosso modo de batalha!

– E eles ainda tiveram o bônus de nos cansar - comentou Lance, acertando a asa de uma das naves com o raio congelante de Blue. Isso a fez cair, e Keith lançou um raio de calor para terminar o trabalho. Quase esperou um animado "Boa, Keith! Somos um ótimo time ou não, hein?", mas então, com uma pontada de decepção, lembrou-se da discussão que tiveram mais cedo.

– Isso nos deixou lentos, além de previsíveis - disse Hunk, mirando o canhão para uma das naves sem espranca de que fosse realmente causar algum estrago.

– Ótimo - resmungou o paladino vermelho para si mesmo, sentindo a irritação crescer em seu peito. Queria poder sair de Red e ir resolver as coisas com Zarkon ele mesmo (provavelmente dando-lhe um soco no nariz), mas conseguiu controlar aquele impulso irracional.

– O que vamos fazer? Não podemos continuar lutando para sempre - disse Hunk.

– Vocês devem continuar na batalha! - guinchou a voz de Allura, assustando Keith ligeiramente. Ela ficava tão silenciosa durante as batalhas, que ele quase sempre esquecia que também estava conectada ao comunicador. - Não podemos parar até que todas as naves tenham sido derrotadas!

– Allura - chamou Shiro e, embora sua voz permanecesse calma, Keith podia ouvir o indício de aborrecimento. - Estamos todos cansados, e essas naves estão antecipando nossos movimentos. Não podemos continuar para sempre. Precisamos de outro plano.

– Não há tempo! - devolveu Allura, igualmente irritada.

– Calem a boca - vociferou Pidge. - Vejam. O que eles estão fazendo?

Keith, que estivera imerso na discussão de Shiro e Allura, direcionou os olhos para saber do que Pidge estava falando. Sentiu suas sobrancelhas contraírem-se subconscientemente ao olhar para a cena que acontecia no lado de fora do visor de Red: todas as naves haviam subitamente parado de mirar armas para eles; ao invés disso, reuniam-se uniformemente para o meio dos Leões, deslizando pelo espaço graciosamente.

Parte de Keith gritava para ele aproveitar o inimigo desarmado e mirar seu raio de calor, derretendo aquelas naves de uma vez só. Entretanto, uma outra parte (a dominante) estava lenta e chocada demais para fazer qualquer coisa. Então Keith, assim como os outros paladinos, apenas assistiram tudo em um silêncio espantado. As naves viraram de frente uma para outra, descarregando uma espécie de raio esverdeado no pequeno círculo que estava em seu meio. A luz verde, que mais parecia uma eletricidade, ergueu-se até estar sobrevoando tudo, dos Leões até o Castelo.

Keith não entendeu imediatamente o que estava prestes a acontecer. Ouviu apenas quando a voz subitamente apavorada de Shiro berrou "Corram!", e, antes que Keith pudesse ao menos raciocinar a ordem, o raio explodiu sobre eles.

Por um segundo, tudo pareceu acontecer em câmera lenta; não havia som, e Keith apenas assistiu enquanto algo sugava Red para traz, sentindo a própria mandíbula escancarar em um grito, embora ele não pudesse ouvi-lo. Sentiu a cambalhota involuntária que seu Leão foi obrigado a dar, e seus olhos se arregalando pouco antes da cabeça de Keith acertar o painel de controle, e a escuridão tomar conta dele.