Os inimigos escutaram passos vindos do corredor, possivelmente deveria ser Shinra trazendo o garoto consigo, depois de um banho quente e de ter trocado suas roupas molhadas.

Ao olharem em direção, encontraram um doutor sorridente e um menino de grandes olhos com roupas quentinhas, tentando se esconder dentro do jaleco.

— Aí está você, onde achou essas roupas? - Perguntou o moreno. Da onde raios Shinra teria roupas para uma criança em sua casa? Será que o médico clandestino e a motoqueira sem cabeça pretendiam ter filhos? Mas isso não vinha ao caso, o que importava, era a saúde da criança. Como se Izaya realmente se importasse.

— Parentes acabam esquecendo roupas de seus filhos aqui quando me visitam, sabe...

— Aham, meio difícil de acreditar, mas enfim, como ele está?

— Bem, eu acho, ele deve estar com fome.

— Falar em fome, você não ia fazer algo para comermos? Eu vim aqui pra isso - O loiro enfiou-se na conversa. Ele tinha sido convidado para jantar, não para cuidar de uma criança e isso já estava o deixando zangado.

— Tem razão, mas agora eu vou ter que aumentar a quantidade, temos mais duas bocas para alimentar.

— Não precisa aumentar tanto assim, eu não como que nem uma draga, não sou o Shizu-chan, não.

— Justamente por isso que você parece uma vareta ambulante - Retrucou Shizuo.

—Sou uma vareta sexy, tá? - Izaya se permitiu fazer uma pose. Ao ver aquela cena, a vontade do ex-barman de degolar aquela praga, só aumentou.

— Chega de conversa, vou preparar nossa janta e... - O médico olhou para o garoto, todo encolhido em seu uniforme de trabalho - Fique tranquilo, vamos cuidar de você - Ajeitando o óculos, se dirigiu à cozinha deixando o menino desamparado.

— Então, pirralho dos infernos, por que você estava na minha porta? Quem foi o ser asqueroso que se atreveu a te largar lá, hã? - O moreno perguntou com certa raiva. Ele não estava nos seus melhores dias, por conta da sua crise existencial, que parecia ridícula, mas que estava o deixando maluco. E o aparecimento de uma criança na entrada de seu apartamento, podia ficar pior pra ele? A dúvida também era, por que Namie não abriu a porta?

— A culpa não é dele, seu idiota, é só uma criança - Disse o maior.

— Não se meta, isso é assunto meu e desse mini serzinho.

Shizuo levantou-se da onde estava sentado, e foi até o menor, que encarava o menino de uma maneira horripilante.

— Se você falar alguma besteira para essa criança, mesmo que eu não goste de perder o controle na frente delas, eu te mato, ouviu?

— Como quiser, Shizu-chan - Como de costume, Izaya não teria dado ouvidos a ameaça, mas não queria se arriscar, pois o protozoário parecia ter falado mais do que sério.

O moreno conduziu o menino para sentar em um dos sofás. Sentando de frente para criança, observou que o loiro sentara do seu lado, o fazendo arrepiar-se todo. O informante não entendeu a reação do seu corpo, porém, não deu importância. Só não entedia por que seu inimigo optará por sentar tão perto. Faziam questão de mantar certa distância.

— Eu tenho muitas perguntas, mas vamos ser diretos, ok? - O menino fez que sim lentamente com a cabeça - Seu nome é Louwae, certo? Nome esquisito, em! Por que você estava na minha porta?

— É que... eu fui em todas as portas, todos abriram, mas ninguém me deixou entrar. Quando eu bati na sua, ninguém abriu, então eu fiquei lá - O menino mexia os dedinhos dos pés cobertos pela meia, incansavelmente.

— E por que você estava indo de porta em porta?

— Mamãe e papai... me deixaram, eles disseram que não tinham mais c-como cuidar de mim e... - Os olhos do menino se encheram d'Água.

— Ei, não chore, estamos aqui pra te ajudar - Disse o loiro carinhosamente, sorrindo para acalma-lo.

Vendo Shizuo sorrir, o informante esqueceu das perguntas que pretendia fazer. Nunca tinha visto o ex-barman sorrir, a única coisa que vira, era uma cara raivosa com veias saltadas e uma pele vermelha. Izaya não queria admitir que achara o sorriso de seu inimigo bonito, nem entendia por que reparou naquilo.

Depois de alguns instantes, reparando no sorriso de alguém que odiava, percebeu que estava sendo encarado.

— Por que estão me encarando?

— Você está olhando pra mim a cinco minutos, Izaya, qual é seu problema?

— É que... - O moreno olhou para o menino- Só estava pensando.

— Vocês se odeiam? - Perguntou o garoto, mudando de assunto, arqueando as sobrancelhas

— Sim, não percebeu, não? - O informante disse inconformado. Quem não percebe que os dois se odeiam? Eram inimigos mortais. Se alguns deles não fosse habilidoso, ou ele ou Shizuo, já teriam morrido.

— É que não parece, eu achei que vocês fossem... gays. Papai costumava dizer que isso era nojento.

"BOOOM", isso fez que os rivais - que agora, não pareciam tão rivais assim - se afastassem bruscamente. Um silêncio constrangedor tomou conta da sala, a não ser pela risada do doutor.

— FALEI! - Disse o médico ilegal vitorioso.

Uma raiva descomunal tomou conta do moreno, que "voou" para cima do menino para fazer sei lá que diabos um psicopata fazia com uma criança, porém, foi impedido pelo ex-barman.

—Olha o que você está me dizendo, seu pirralho - O que informante queria, era enfiar seu canivete na testa daquela criança chata, mas seria impossível tendo o homem mais forte de Ikebukuro segurando um de seus braços.

— Se contenha, ele tem apenas cinco anos, não sabe o que diz - Disse o loiro, que fazia uma força insignificante para segurar o indivíduo que se debatia.

— Shizuo, olha o que ele acabou de falar de nós, não está claro que não gostamos um do outro?

— Sabemos que nos odiamos, só que crianças não veem sentimentos ruins.

— Ódio é um sentimento ruim? Está dizendo que o fato de nos odiarmos não é bom?

— Você também não ajuda muito.

— Não querendo tocar no assunto, mas tocando, só eu que percebi que Iza te chamou pelo seu nome normal? - Shira parecia perplexo, era sempre "Shizu-chan pra cá, Shizu-chan pra lá".

"A ficha do informante caiu", nem ele notara que chamou o famoso Shizu-chan, sem o chan.

— Qual é o problema, Shizuo é o nome dele, não é? - Fingiu não se importar que acabou de quebrar o costume. Chamar o ser que menos gostava pelo seu nome normal, era meio que colocar intimidade onde não tinha. Devia ser ao contrário, porém, com eles não funcionava desse jeito.

— Acabou de mudar a rotina, percebeu? - Disse o maior.

O moreno arregalou os grandes olhos castanhos avermelhados, abrindo um largo sorriso. "Fiz algo que não costumo fazer, é isso mesmo? EU QUEBREI A ROTINA!" pensou.

— Na verdade, quebrou a rotina muito antes, desde que foi a praça pensar a respeito, você não costuma fazer isso - O doutor continuou o assunto.

— Vocês tem razão, eu sou foda mesmo não percebendo - O informante ficou orgulhoso, mesmo não sendo ele que arrumara a sua própria situação.

— Sem falar que vai ficar um bom tempo sem voltar a sua rotina, tem uma criança pra você cuidar - Shizuo apontou para o menino que escutava a conversa dos adultos.

— Eeeeh, eu não vou cuidar de ninguém, vou dar um jeito de se livrar desta pedra no sapato chamada Louwae.

— Não vai se livrar de ninguém, pulga - O maior reprovou com a cabeça - Agora, ele é sua responsabilidade.

— Não é porra nenhuma! Eu não sei cuidar de criança, será que vocês não entendem.

— Eu preciso de uma mamãe e de um papai - Gritou Louwae com medo de ser abandonado novamente - Não posso ficar sozinho, não me deixem sozinho, por favor - Desabou a chorar.

— Mas que merda, Izaya, olha o que você fez - O loiro pegou o garotinho que chorava se atrapalhando todo com os soluções.

Ao ver aquela imagem, mais uma vez o moreno teve um devaneio, ao olhos dele, aquilo era meigo, o monstro de Ikebukuro segurando uma criança no colo? Não era todo dia que via uma coisa dessas.

Izaya não estava entendendo por que em um único dia prestara tanta atenção em uma pessoa. Na verdade, ele sempre prestava atenção nos seres humanos, mas não tinha interesse em Shizuo, ele era seu inimigo, só pensava em matá-lo.

Foi então que se deu conta, que a "rotinofobia" - se é que isso existe - que de desenvolvera em tão pouco tempo, afetou drasticamente sua personalidade, sua maneira de agir, de pensar e de ver certas coisas. A preocupação com fazer as mesmas coisas, foi capaz de transformar um troglodita em um homem sereno que adorava crianças. Sua mente fez que aquilo que sempre foi exato e certo, não fosse mais.

Seus pensamentos esquisitos foram cortados pelo anúncio de que a janta estava pronta.

Shinra arrumou a mesa, colocando o lamen ao centro. O ex-barman se dirigiu a mesa ainda com a criança no colo, sentando-o em uma cadeira perto de si.

— Parecemos aqueles novos tipos de família, três caras e uma criança - O moreno fez uma expressão de nojo com o que acabara de dizer.

— Cala boca, tem uma criança aqui, não fale merda - Reclamou o mais forte.

— Tá bem, Shizu-chan - Izaya foi a mesa e sentou-se do lado de Louwae, deixando o menino no meio dos homens mais perigosos da cidade.

O dono da casa serviu a todos, tentando não demonstrar o orgulho que sentia de si mesmo. Não que ele nunca tivesse feito comida, porque fazia, mas sempre com a ajuda de Celty.

— Isso parece engasgo de gato - Disse o moreno, olhando para o conteúdo no prato.

— Tua cara parece a de um gato atropelado que ficou no meio-fio - Shizuo riu com a própria piada.

— Eeeeh? - Indignou-se - Não achei graça, não mesmo. Muito engraçadinho você.

O médico ilegal riu da famosa "cara de cu" do informante.

— Gatos são fofos, eu gosto de gatos - Louwae pareceu entusiasmado com a conversa sobre gatos.

— Também gosto de gatos, Lou, posso te chamar assim? - O menino fez que sim para o loiro - Mas o Izaya é o tipo de gato feio, todo cheio de pulgas, na verdade... ele é a pulga do gato feio - A criança riu balançando as pernas.

— Eu te odeio, Shizuo... quer dizer, S-Shizu-chan.

O maior franziu a testa, não compreendendo a reação do menor, que havia ficado com as bochechas avermelhadas. "Ele ficou envergonhado por me chamar pelo nome certo? Mas que diabos está acontecendo aqui?" pensou.

21:30

Os quatro já haviam comido. Agora, estavam conversando sobre coisas alheias. É difícil imaginar que o trio, poderia ter uma conversa simples, eles eram muitos diferentes um do outro. Um iátrico pervertido, um bartender com problemas para controlar a raiva e um informador louco para brincar com a vida de alguém, tinham tudo para dar errado.

Todavia, mesmo tendo uma conversa proveitosa para distrair qualquer um, Izaya ainda se questionava por que largaram aquela criança na porta de sua residência. O pequeno avia explicado que seus progenitores tinham o enjeitado, mas para o informante, não era só isso. Sentia cheiro de confusão por trás disso. "Esse garoto deve estar mentindo pra mim. O que será dessa vez? Os russos ou Yakuza?" pensou.

Por alguns segundos, o moreno sentiu vontade de sair ás pressas para ir em busca de respostas. "Dane-se a criança" pensou. Shizuo e Shinra podiam cuidar dele. Mas também tinha a possibilidade de estar exagerando, muitos pais abandonam seus filhos por não ter condições para cuidar. "Mas por que, por que no meu apartamento? Por que eu?" se questionou mais uma vez.

— Ah, gostaram? - Perguntou, torcendo para ouvir o que queria. Shinra avia feito com todo carinho, ele sempre se dedicava a tudo que fazia, mas claro, do jeito dele.

— Gostei, valeu a pena ter vindo - Shizuo acenou com a cabeça, em sinal de aprovação.

— Dá pro gasto - Izaya deu de ombros - Estava comível.

— Para de ser fresco, tava muito bom Dr.Shinra - Louwae sorriu.

— Obrigado, mas como sabe que sou médico?

— Pelo jaleco, idiota - Respondeu o moreno.

— Ah, sim - Balançou a cabeça - Então, quero agradecer por terem provado o meu lamen, eu tentei fazer o melhor possível, mas minha amada ainda está me ajudando em algumas coisas, sabe... preciso de um favor dos dois, vou colocar essa criança para dormir - Apontou para o menino que estava com seus grandes olhos se fechando - Lavem a louça pra mim.

— O caralho que eu vou lavar louça, desde quando visitas lavam a louça? - O loiro indignou-se.

— Vocês são visitas, mas nos conhecemos a um bom tempo, não acha?

— Sabe, eu acho que quem tem que fazer esse serviço, é quem não foi convidado - O maior olhou de canto para o inimigo.

— Ei! Manda este peste lavar a louça, só estou aqui por causa dele - O informante gritou.

— Ele tem cinco anos, vai quebrar toda minha louça, além disso, ele está quase caindo de sono.

O médico clandestino foi até a criança, que já havia fechado os olhos, segurou-a no colo e foi andando em direção aos quartos.

— Eu realmente preciso por ele pra dormir, se virem. Obrigado por terem vindo.

O doutor entrou em um dos quarto e fechou a porta.

Os rivais se encararam por um tempo.

—Eu não vou lavar, que se dane - Shizuo levantou, empurrando a cadeira para trás. Ao ir para porta, para dar o fora dali, foi impedido pelo sujeito magrelo.

—Nem pensar! Você lava e eu seco.

— Eu te dou um soco e você morre, que tal?

— Vamos lá, Shizu-chan, vai ser legal - O menor pareceu animado com a ideia de fazer uma tarefa doméstica com seu rival - Podemos falar sobre nossas indiferenças e peculiaridades.

"Peculiaridades? PECULIARIDADES?!" o maior forte pensou.

— Só vou te ajudar, por causa do Shinra, ele merece, entendeu? E VÊ SE CALA A BOCA!

— Sim senhor - Brincou, fazendo uma reverência.

Os dois limparam a mesa com cuidado. Colocaram aqueles pratos e copos na pia, e encaram a sujeira por um tempo. Já tinham mais de vinte anos, mas não sabiam lavar um copo. Deixaram de lado inexperiência e enfrentaram o trabalho.

— Eu sei que pediu para ficar quieto, mas eu... eu realmente preciso conversar com alguém.

— Que bosta esse drama todo - O loiro socou o mármore da pia.

— Eu sei que é uma bosta, mas eu to sofrendo com isso - O informante fez bico.

O bartender soltou uma risada estrondosa.

— Você?! Sofrendo?! Não brinca com a minha cara.

— É SÉRIO! - Bateu o pé no chão.

— Tá bom, tá bom, mas por que tudo isso, Izaya?

— É que... eu não sei.

— Pulga... - O maior olhou para cima, em busca de palavras para amenizar o sofrimento do inimigo - Eu sinceramente, não sei por que se importar com a rotina. É normal, é natural e por mais que você insista em ser diferente, ser igual não vai te matar.

— Sou intitulado um dos mais perigosos dessa cidade, era para eu ser um ser imprevisível, mas todos sabem o que eu faço. Eu não tenho segredos, Shizu-chan. Estou me sentindo violado.

— Mas você segue uma rotina a tempos, não? Por que foi se incomodar só agora?

— Rotina é para humanos, os seres que tanto amo e que tanto desprezo. Eles são fracos.

— Então, você se sente como eles? Fraco?

— Eu sinto que posso ser usado a qualquer instante.

— Como você faz com eles?

— Nã... - O moreno abriu a boca para desviar esse "como você faz com eles?", tentando esconder sua hipocrisia - Tá, é sim...

— Isso quer dizer que...

— Q-Que... tenho medo de ser fraco como os humanos a ponto de ceder a pessoas como eu. Eu não quero morrer.