Grécia, Hospital Central

Sua mão espalmou no vidro liso a vendo escorregar com uma velocidade mínima, seus olhos cheios de lágrimas e a vontade de chorar crescente em sua garganta.

— Senhor Lykaios? — O médico se aproximou.

— Sim. — O ruivo o encarou.

O doutor suspirou e olhou dentro dos olhos de cor tão duvidosa.

— Fizemos o possível,mas o que o mantém vivo são os aparelhos. O senhor terá que decidir. — Proferiu.

— Posso vê-lo? — questionou choroso.

— Pode. — Deu passagem.

Camus entrou no quarto com certo receio, ver aquelas paredes tão sem vida e naquela cama de hospital o seu amado marido, puxou a cadeira e se sentou ao lado, o homem loiro possuía seus fios bagunçados, a pele morena pálida como se não tivesse sangue em suas veias, os lábios arroxeados. Possuía um tubo respiratório em seu nariz e algumas agulhas em seu braço, além do peitoral completamente enfaixado devido a cirurgia de emergência.

— Não queria que me visse assim. — O loiro sussurrou.

Camus acarinhou os cabelos claros e sorriu, deixando escapar uma lágrima solitária.

— Sempre quis saber a verdadeira cor dos teus olhos — Milo levou a mão livre até o rosto molhado do esposo. — Tão enigmático. — Respirou fundo.

— Eu te amo, você não pode me deixar nessa altura do campeonato. — disse o ruivo.

— Você é mais forte do que imagina — tossiu. — Me prometa que não vai se trancar novamente naquela biblioteca. — falou arrastado.

— Milo — Sua voz saiu em súplica.

— Me prometa Camus — repetiu. — Sua vida não se resume a livros.

— Eu prometo meu amor, eu prometo. — Beijou os lábios secos do loiro.

— Eu te amo —disse

— Eu te amo mais, você é o meu refúgio — contou.

7 Anos atrás

Milo era o psiquiatra renomado da cidade de Atena, conhecido por toda Grécia devido ao seu desempenho com os pacientes.

— Será se ele poderá ajudar? — Afrodite indagou preocupado.

— Afrodite, — Carlo segurou suas mãos. — Seja otimista.

— Camus está há tanto tempo dentro daquela biblioteca, estou com medo. — Abraçou o marido.

— Tudo vai ficar bem, você vai ver. — Acariciou os cabelos loiros do amado.

Camus Rousseau é o irmão mais novo se Afrodite Rousseau, possui vinte e oitos anos. O ruivo tem um história complicada, aos dezoito se casou com um homem provindo da Polônia e se mudou com o amado para viver na França, o que muitos acreditavam ser um casamento repleto de amor e alegria se tornou um verdadeiro pesadelo para o francês. Ele foi impedido de seguir seu sonho de escritor, ao terminar seus estudos foi obrigado pelo esposo a viver somente em casa, sem celular ou qualquer comunicação com o mundo, o mais velho passou a lhe dar ordens e acabar com seu psicológico, jogando diversas ofensas referidas ao corpo do ruivo, não demorou muito até ser constantemente agredido e obrigado a se deitar com o esposo. O francês viveu assim por longos oito anos, tudo se deu fim quando os pais dele vieram lhe visitar de surpresa e flagraram o genro agredindo o filho, o pai de Camus o tirou de lá a força, quase saindo no braço com o agressor. Uma denuncia foi feita depois de muita insistência de Afrodite, o caso foi levado a juízo, o ruivo recebeu todo apoio da família naquele momento tão difícil onde foi humilhado pelos advogados do ex, doeu muito, cada palavra, cada ofensa, cada exposição, e doeu principalmente quando dito: Você se casou, não passava da sua obrigação. Seus pais não mediram esforços, nem dinheiro, contrataram o melhor advogado do país, seu nome era Shura, o homem de cabelos pretos e espetados mergulhou de cabeça nesse caso, o agressor foi julgado na côrte polonesa, condenado há sessenta anos de prisão — ou até morrer — por violência doméstica, agressão física e psicológica, cárcere privado, o advogado do réu também foi punido por sua má conduta sendo afastado do cargo e sentenciado a pagar indenização por danos morais. Camus sentiu um peso sair de seus ombros, todavia os traumas foram grandes demais para serem resolvidos com uma sentença, o ruivo voltou a morar com seus progenitores, se trancou na biblioteca vivendo apenas dos livros, saia para comer e fazer suas higienes mas depois tudo se repetia novamente, sua aparência gasta, os cabelos longos com aspecto seco e tudo piorou assim que o mais novo soube da morte dos pais devido a um acidente, ficando dois dias sem se alimentar, trancado naquele mesmo cômodo sem pronunciar uma palavra.

— Com licença, Afrodite Rousseau? — Uma moça muito educada se aproximou.

— Sim. — Virou-se para a loira.

— O senhor Lyakos lhe aguarda — disse sorrindo e se afastou.

— Vamos, não tenha medo meu amor — falou Carlo.

Entraram na sala tão bem organizada, possuindo quadros nas paredes e um clima rústico e de primeira era possível ver a fascinação do psiquiatra por escorpiões.

— Olá, Milo Scorpion Lyakos. — disse estendendo a mão para os recém chegados.

— Olá, eu sou Carlo, e este é Afrodite Rousseau. — Apresentou-se.

— Ah claro, podem se sentar. — Apontou para a poltrona à sua frente.

[...]

— E então? O senhor acha que pode fazer algo a respeito? — Afrodite apertou com força o apoio da poltrona.

Milo se levantou, virou-se de costas e começou a encarar a parede rodeada de livros.

— Por favor doutor — o loiro falava roer as unhas.

— Meu amor, se acalme. — Carlo acariciou os fios longos.

— É o meu irmão, tenho medo que ele acabe fazendo uma besteira — respondeu aflito.

— Pelo que você me contou, — suspirou. — seu irmão está com depressão profunda.

— E o que pode ser feito? — Afrodite se levantou. — Por favor doutor, ele é a única família que eu tenho agora.

— Me leve até ele. — Pediu.

Afrodite assentiu e pediu que Carlo fosse dirigindo. Ao chegarem à mansão, Milo foi levado até a biblioteca.

— Podem me deixar sozinho? — o loiro perguntou.

— Claro doutor, vamos Afrodite. — Carlo segurou o amado o levando dali mesmo a contragosto.

O Lyakos deu duas batidas na porta, tocou a trinca, mas estava passada a chave.

— Camus? — chamou. — Você está aí?

— O que você quer? — o ruivo indagou mesmo que bem baixo.

— Escute, meu nome é Milo Scorpion Lyakos, mas me chame apenas de Milo. Estou aqui para ajudá-lo — respondeu.

— Ninguém pode me ajudar, vá embora — falou. Pelo tom de voz estava chorando.

— Me deixe entrar, eu posso ajudar você porém preciso que confie em mim. — Ditou calmamente.

— Afrodite está aí? — questionou.

— Não, ele saiu com o namorado. — respondeu.

Foram longos minutos de silêncio até a porta ser destrancada.

— Se veio aqui me dar sermões, saiba que eu não quero ouvir. — Se sentou no divã perto da janela e encarou o teto.

Milo trancou a biblioteca novamente e andou até perto do ruivo, sentou-se na beirada do estofado macio.

— Não vim aqui dar sermão, vim aqui te ajudar a superar tudo isso que está acontecendo — falou.

Camus virou o rosto morosamente, encarou o rosto do psiquiatra por meros segundos, dobrou os joelhos e se encolheu, os cabelos ruivos caindo e cobrindo metade de seu rosto.

— Você não pode me ajudar, — seus olhos marejaram. — Ninguém pode.

Milo enxergou no ruivo a verdadeira esperança, mesmo não sendo íntimos a vontade que se sucedeu de proteger aquele francês foi maior que tudo. Estendeu a mão a sua frente esperando que fosse aceita.

— Não tenha medo, não vou machucá-lo — disse. — Estou aqui para ouvi-lo.

O ruivo estava acuado, receoso, devagar levou sua mão magra e trêmula até a do médico, tocou apenas as pontas na palma o que o fez se assustar momentaneamente.

— Pode confiar. — Sorriu.

Camus colocou sua mão por cima da do grego, encarou aqueles olhos tão azuis e assentiu.

— Fale tudo, coloca para fora, estou aqui para ouvi-lo. — Pediu.

Naquela tarde Milo não disse nada, ouviu tudo que o ruivo tinha para dizer, seu coração parecia partido em mil pedaços ao ouvir o passado que o atormentava.

— Nada do que aconteceu foi sua culpa.

Era uma tarde de sexta-feira, Milo reforçou aquela frase durante os dois meses que o visitava.

— Posso? — Apontou para os braços cobertos pela blusa de frio.

— Pode. — respondeu.

O loiro afastou as mangas bem devagar, olhou os pulsos do paciente e os analisou bem, agora possuíam apenas manchas que se sobressaiam pela pele leitosa.

— Eu segui os seus conselhos — falou timidamente. — Mas ainda tenho pesadelos, algo me diz que não fui suficiente para fazer o meu casamento feliz.

— Escute Camus, você não tem culpa de nada, entendeu? Absolutamente nada! Seu ex marido cometeu um crime e deve pagar por isso, você é inocente, não foi sua culpa nada do que aconteceu — sua voz saiu mansa. — Vamos lá, você ainda o ama?

O ruivo abaixou a cabeça e apertou a mão do grego.

— Não — disse firme. — Nunca amei, apenas me iludiu. O que ele fez comigo não tem perdão. — Chorou.

— Não chore — limpou as bochechas molhadas. — Termine a sua sopa.

O psiquiatra sorriu, vê-lo se recuperando aos poucos era uma conquista. As bochechas se encontravam rosadas e seu corpo começava a ganhar massa. O francês levou a sopa até os lábios e descansou a colher no prato, olhou para o prato e sentiu seu rosto esquentar ao perceber o olhar do médico.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntou tímido. — Meu rosto está sujo?

— Não, eu só estava admirando, sua melhora é gratificante — falou.

— Camus! — a voz de Afrodite saiu em um grito. — Não sabe como me alegra vê-lo aqui.

O loiro correu até o mais novo o abraçando.

— Eu esperei tanto pelo dia que o veria sentado nessa mesa novamente — seus olhos marejaram. — Como se sente?

— Bem. — Sorriu para o irmão.

— Eu já estou indo, qualquer coisa me liguem. — Milo se levantou da mesa.

— Mas já?! — Camus se separou do abraço. — Quer dizer, fica para o jantar.

— Não quero incomodar — falou.

— Não é incomodo nenhum. — Camus falou rápido. — Fica.

Milo aceitou o convite para o jantar, conversou sobre coisas aleatórias com Afrodite e Carlo, porém sempre de olho nas reações do ruivo. O grego acreditou que aquela seria uma noite comum, até o momento em que se despediu do ruivo.

— Gosto de sua companhia. — Se apoiou no batente da porta.

— Não me acha chato? — Milo questionou já do lado de fora.

— Não, você me ajudou a superar os meus traumas, mesmo que fantasmas ainda me assustem — olhou para o chão. — Já não preciso mais tomar antidepressivos.

— Você se deu um laudo? — O loiro Franziu as sobrancelhas com um sorriso.

— Talvez, eu sei que é errado, mas quando percebi já estava jogando todos aqueles comprimidos dentro da privada — contou tímido.

— Você me surpreende tanto — tocou o rosto do francês. — Tudo que precisou foi de um empurrão para voltar a ser quem era antes.

— Eu, — passou a língua pelos lábios. — estou sentindo a felicidade novamente. E redescobrindo o que é o amor.

— Como? — O grego tombou a cabeça para o lado.

— Ah, boa noite! — Entrou fechando a porta na cara do psiquiatra.

— Boa noite — Milo disse baixinho e se virou para ir embora.

6 Meses depois

— Pare com isso, o sol vai te fazer bem. — Milo tentava remover o enorme casaco de algodão do ruivo.

— Eu não vou tirar — falou severamente.

— Camus, é o primeiro passeio que estamos fazendo após a sua recuperação. Por favor, você precisa pegar um pouco de sol — disse se deitando na grama.

— Eu já disse que não! — Se deitou ao lado do loiro o abraçando.

— Hoje é a nossa última sessão. — falou calmamente.

— Como assim? — Camus se sentou rapidamente.

— Hoje termina a sua terapia, irei dar-lhe um laudo médico e indicação para um psicólogo. — Sorriu para o ruivo.

O francês não disse mais nada. Daquele dia em diante as coisas pareciam diferentes, as consultas com Milo já não ocorriam mais, somente visitas ao psicólogo. Nesse tempo Camus se livrou de tudo que lhe trazia más lembranças, cortou o cabelo na altura dos ombros e deixou seus ruivos com um tom mais avermelhado.

— Onde você está indo? Quer dizer se passou um ano mas, Camus está muito cedo para você sair sozinho, eu vou me arrumar espere um pouco aqui — Afrodite se alarmou ao ver o irmão indo em direção a porta.

— Afrodite, — sorriu para o irmão. — eu estou bem sei que todos os acontecimentos foram terríveis, mas eu me sinto bem, não vou deixar meu passado me atormentar mais. — disse.

— Tem certeza? — O loiro fechou o livro que estava lendo.

— Absoluta — pegou o livro abrindo na página que estava marcada. — Continue sua leitura.

— Aonde você vai? — O loiro ainda estava com medo.

— Vou dar uma volta, só isso — disse e saiu.

O ruivo encarou a rua movimentada, há muito tempo não sabia como era se sentir livre, sem ninguém o acompanhando ou dizendo o que fazer, era como se estivesse aprendendo tudo novamente. Pegou um táxi e deu o endereço para o destino em que iria.

Camus se encontrava parado em frente a clínica de psiquiatria, respirou fundo e se moveu para dentro, viu várias pessoas acompanhadas por enfermeiros, outras que não se moviam do lugar.

— Com licença, o doutor Milo Scorpion Lyakos? — indagou baixo.

— Camus, que bom vê-lo — a recepcionista de cabelos roxos escuros o saudou. — O doutor Milo está terminando uma sessão nesse instante. Pode entrar.

Pandora era o nome da mulher que o atendeu, gentil e simpática ao contrário da outra de cabelos também roxos porém em um tom mais claro. O francês seguiu até o corredor, viu uma mulher sair segurando uma criança no colo e logo seu olhar se cruzou com o do grego.

— Camus! Aconteceu alguma coisa? — perguntou preocupado.

— Não, eu só queria… Quer dizer eu… acho que senti saudade — contou.

— Sentiu saudade? — Fechou a porta e se aproximou do ruivo.

Milo pegou uma mecha de cabelo do francês e em seguida tocou o queixo deste, Camus levantou o rosto e encarou o Lyakos. O loiro fez menção de beijá-lo, mas ao ver o olhar amedrontado do francês apenas selou sua testa demonstrando respeito.

— Acho que ainda não estou pronto para iniciar uma nova relação — comentou .

— Não se preocupe, prometo esperar o quanto for preciso — falou.

Milo segurou as mãos do ruivo e as beijou e em seguida sorriu.

— Seus olhos são tão enigmáticos. — disse.

— E os teus olhos é o azul mais lindo que já vi. — contou.

O grego o abraçou firme sentindo a respiração bater contra seu pescoço.

Milo e Camus iniciaram uma relação que durou três anos até finalmente se casarem, o casamento foi algo mágico para todos, todavia nem tudo são flores, após algumas semanas descobriu que Milo possuía uma espécie rara de câncer no coração e apenas o tratamento era oferecido para aquele caso, conviveram com a doença durante todos os anos em que estiveram em matrimônio até a doença se agravar e levá-los aos dias de hoje.

— Camus! — Milo chamou alto apertando o cobertor entre os dedos.

O ruivo acordou se colocando de pé rapidamente, havia dormido no sofá do quarto.

— O que houve? — Se aproximou segurando a mão do amado.

— Eu sinto muito meu amor — falou já com falta de ar. — Não chore.

Camus limpou as lágrimas teimosas, estava sofrendo ao ver seu esposo tão agoniado naquela cama.

— Eu te amo. — beijou a testa do loiro. — Azul é a minha cor favorita.

— Camus… — Sussurrou.

O médico havia entrado ali e acenou para o ruivo que retribuiu.

— Me perdoe. — Beijou os lábios do marido.

— Não há o que perdoar. — Milo proferiu após experimentar pela última vez a boca do amado.

[...]

— Como se sente? — Afrodite pousou a mão no ombro do irmão.

Camus jogava flores em cima da lápide de Milo.

— Ele estava sofrendo… — respondeu.

— Não foi isso que eu perguntei. — O loiro falou.

— Se o que deseja saber é se eu vou me trancar novamente na biblioteca, a resposta é não — falou calmamente. — Milo por todo esse tempo me ensinou a ter amor a minha vida, me ensinou que eu não dependo dos outros. Afrodite eu sou uma nova pessoa há mais de sete anos, sou um novo Camus. — Abraçou o irmão. — Eu estou bem, não se preocupe.

A partir daquele dia o ruivo focou em seus livros, ser escritor sempre foi uma paixão de criança, ao contrário do que muitos pensaram, Camus superou tudo que a vida lhe impôs, todos os sofrimentos e agora sorria para a vida, sorria para aquilo que teve de bom, sorria porque a vida lhe presenteou com um amor puro e sincero.

— Papai, conta de novo a história de como você e o papai Milo se conheceram? — Hyoga entrou em seu quarto arrastando um cobertor e um ursinho.

— Vem aqui meu pequeno — pegou o loiro o colocando entre seus braços. — Sente falta do papai?

— Sim — respondeu choroso.

— Você sabe que não importa onde ele esteja, ele sempre te amará, não sabe? — questionou o menino de cinco aninhos.

— Sim, papai — respondeu.

— Vamos lá… — pegou a foto que estava em cima da mesinha ao lado da cama. Haviam tirado no dia em que adotaram Hyoga. — Seu papai foi meu porto seguro por muito tempo, meu refúgio … — Começou a contar a história.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.