Então, aquela garota havia chegado parecendo ter apenas como missão colocar de cabeça para baixo toda a Clareira. Newt pensava que teria um descanso, mas não. Tudo tinha que ficar estranho.

Longos dois anos de ordem para serem mudados em apenas dois dias. Dois dias de mértila.

Com uma dor de cabeça desconhecida, mas indesejada, o loiro sentou na cadeira ao lado do corpo inerte da menina. Olhou-a, analisando cada detalhe dela. Por que uma menina? Qual era o sentido de tudo aquilo?

Olhou para Alby, que parecia compartilhar da enxaqueca e da vontade de ficar em silêncio. Retornou os olhos para a Fedelha e mordeu o lábio inferior.

De repente, um lampejo.

Um rastro, como de um fantasma, passou por sua cabeça. Foi ligeiro, passageiro, mas diferente. Era de cor azul.

"Ela deve gostar."

Mas quem é ela? Newt olhou fixadamente a garota, será que ele a reconhecia de alguma forma? Pesquisou e pesquisou em sua mente tão provida de lembranças como as dos outros.

De alguma forma, sabia que não era da Fedelha que sentia nostalgia. O que estava acontecendo? Mais pensamentos fizeram sua dor de cabeça aumentar e, exausto, disse com um suspiro:

— Ok, Alby, qualquer coisa me chama. Já que não estou com nada para fazer hoje, vou ao Campo-santo. Se ela disser mais alguma coisa, me chama.

— Bom isso.

O loiro acenou e saiu Sede afora, a cabeça baixa ao passar pelos outros. Passou pelo Jardim e aproximou-se sem pensar muito, os olhos correndo pelos trabalhadores. Então algo-lhe chamou atenção; uma flor. Uma simples e pequena flor que, de algum modo, havia crescido no chão.

Agachou-se e arrancou-a sem pensar duas vezes.

Pequena, alegre... Como ela.

De novo, "ela".

Suspirando, ele finalmente andou até o Campo-santo, onde deixou as costas repousarem contra a primeira árvore que viu, não fazendo questão nenhuma de sentar-se ao banco.

Analisou a flor gentilmente, girando a peça delicada nos dedos. E então riu-se incrédulo.

Era azul.

Por que essa cor era tão familiar? Na verdade, a pergunta era, por que apenas agora lhe era tão familiar? Havia uma diversidade incrível de cores por todo o lugar, o azul sempre presente, até mesmo no céu. Mas ele parecera notar isso apenas agora.

— Mértila.

Não importa o quanto tentasse pescar algo na sua mente, tudo o que conseguia achar era vultos sem aparência, acinzentados. Estava naquele lugar à dois anos, havia aprendido a se acostumar com a falta de memória.

Mas por que agora incomodava tanto?

— Olá, Newt.

Era Chuck. Ele tinha os cabelos encaracolados, como os dela. De novo. Quem era ela?! Chuck incomodou-se com o fato do loiro ter olhado para ele e não ter respondido, isso não era comum do veterano.

— Algo errado?

Foi só então que ele se deu conta. Não havia respondido.

— Só dor de cabeça mesmo.

— Ah sim, deve ser fome! Tenho certeza que se você explicar direitinho para o Caçarola, ele vai fazer algo especial para você.

Newt esboçou um breve e singelo sorriso, mas logo desanimou-se. Não era fome. Ele obteve um acesso de saudade enorme, que crescera no peito até chegar aos olhos em formas de lágrimas.

Mas não, não as deixou cair.

— Chuck, será que poderia ir lá para mim? Eu acho que realmente estou com fome.

— Agradeça que hoje eu estou com muito bom humor, sim? Só por isso e nada mais que irei buscar para você.

— Certo, certo. Agradecerei depois.

— Espero boas recompensas.

— Vá logo, seu trolho.

Chuck, felizmente, não levou para o lado pessoal. Realmente estava de bom humor. Newt sorriu dessa vez um sorriso mais triste. Seja quem quer que fosse essa menina, estava lhe dando fortes sensações.

Por que apenas agora? Será que ela sentia sua falta, tanto quanto ele? Quem era ela afinal?! Será que a mente dele não poderia lhe dar nem uma face concreta? A enxaqueca de Newt aumentou e por mais que quisesse parar de pensar, não conseguia. Toda hora era ela, toda hora algo referente a ela.

Memória de plong, após dois anos pregando-lhe peças agora.

Suspirou e então viu Chuck chegar com uma maçã, agradecendo internamente por Caçarola lhe propor apenas isso.

— Obrigado.

Mordeu um pedaço e soube que essa era a fruta preferida dela. Começou, então a animar-se. Estava lembrando cada vez mais concretamente e, se as memórias estivessem voltando-lhe, estavam ficando cada vez mais fortes.

Porém passou se uma hora, passou-se três e quando ele menos percebeu, estava deitado em cima de seu saco de dormir. Nada lhe veio de novo, nem uma familiaridade de seu passado, nem referente a ela.

Rolou, frustrado. Talvez isso deveria ser passageiro. Encolheu-se e pôs-se a dormir. De novo, sonhou com nada, mas desta vez, a cabeça pregou-lhe outra peça. Não ouviu com uma voz feminina, era como se a própria voz o dissesse isso.

Mas ele sabia que era ela falando.

"Você é corajoso, anjo."

E foi com essa afirmação que acordou, lágrimas dançando para fora de seus olhos em completa euforia. Tentou não soluçar, e, ao conseguir, limpou os olhos. Sentou-se e apoiou os braços no joelho, agradecendo mentalmente por todos estarem dormindo.

Sorriu e riu baixinho.

Era só aquilo de que precisava.

Se conseguissem sair dali, ele iria, de todas as formas, atrás dessa menina, sendo ela quem fosse. Sentia que ela era grande parte de sua vida.

Encorajado, levantou-se, um sorriso estampado no rosto enquanto o crepúsculo anunciava a chegada de mais um dia.