Riku

Dois dias haviam se passado. Eu estava contendo toda a minha impaciência e excitação enquanto viajávamos para a tão temida união do fogo. Estava tendo um dejávu. Diferente de antes, quando me sequestraram para ir para lá, agora, estávamos indo por vontade própria.

Estávamos escondidos em um barco pesqueiro descaracterizado. Eu, Sina, Suni, Meelo e Mira. Diferente deles, eu me sentia ansioso. Quase feliz. Uma felicidade errada, que me diferia de todos eles. Mira ainda permanecia desacordada, com Suni cuidando dela. Meelo estava concentrado, talvez meditando. E Sina, estava abatido, com um olhar triste e perdido.

Mas, o que me deixava feliz em tudo isso? Talvez a perspectiva do novo? Eu não sei direito, mas eu consigo me imaginar em uma terra cercada por dobradores de fogo, aonde eu poderia me soltar, sem consequências, sem inibidores, sem tratamento! Eu vou poder ser quem realmente eu sou.

Foi o pai da Mira que preparou tudo isso. Eu não fiquei surpreso em saber que ela havia nascido na União do fogo, mas fiquei extasiado , que ela e o pai fugiram de lá. Eu fiquei muito tentado em perguntar o que havia acontecido, como eles haviam escapado, o por quê deles fazerem isso. Mas, Sina não me permitiu, mesmo abalado pela a morte da irmã, ele ainda queria ser o meu freio moral.

O barco balançava cada vez mais forte. O que me deixava enjoado, quase podia sentir a sensação dos inibidores, que costumavam me deixar distante do mundo e com essa mesma sensação de enjoo. Quando aquela viagem iria acabar? Me levantei. Eu precisava ver o sol. Ficar naquele lugar úmido e frio por tanto tempo, podia mudar drasticamente o meu humor, e isso não seria bom, para nenhum de nós.

— Aonde pensa que vai? – Sina me disse com uma pontada de raiva.

Eu me espreguicei.

— Ver o sol. – Eu respondi

Ele suspirou. Parecia preocupado.

— Não.

Comecei a contar meu número de respirações. 1, 2, 3. Era um dos exercícios do tratamento de raiva. Resolvi não responder. Apenas segui o caminho até a escada.

— Você não ouviu o que eu disse? – Sina disse se levantando.

Respirei de novo.

— Riku!Você está me escutando? – Ele disse quase gritando.

Olhei para ele, tentando fazer o meu melhor olhar sereno.

— Você precisa controlar essa sua raiva. – Eu disse segurando um riso.

Ele havia perdido a paciência.

— Faça o que quiser. Não me importa mais. Nada mais importa.

Nada mais importava, era isso que me deixava feliz. Agora nada mais importava para ninguém, não só para mim.

Eu continuei o meu caminho. Subi as escadas estreitas do barco, até dar de cara com a portinhola. Ergui com força, até que desse para passar.

O vento espalhou o meu cabelo. Olhei para o céu, e não vi nenhum sinal do sol. Somente nuvens pesadas e negras. Estava prestes a chover. Mas, mesmo assim, era melhor do que estar lá em baixo.

Haviam três homens trabalhando. Enquanto um içava a vela, o outro o gritava ordens para ele.

— O que você está fazendo aqui? -- O terceiro que eu ainda não havia visto me perguntou.

— Eu precisava ver o sol. – Eu disse

— Sol? Você está vendo o sol aqui? Estão desça. Chegaremos em breve.

O homem tinha uma barba amarelada que ia até o seu peito. Usava um uniforme de marinheiro surrado e igualmente amarelado.

— Não aguento ficar mais lá.

O homem não pareceu convencido.

— Desça! Mais duas horas e estaremos atracando.

Eu sorri.

— Não vou descer.

Ele estava prestes a perder a paciência. E eu também. Assim um dos outros começou a falar em um rádio comunicador.

— Senhor. Teremos uma inspeção.

O velho se espantou. Vi sua face embranquecer.

— Hoje não é dia de inspeção. Avise para o Noie.

O moço com o comunicador deu de ombros.

— Não é o Noie que está falando. Eles são da guarda marítima.

O homem se agitou.

— Precisamos escondê-los, agora.

Os três homens começaram a se movimentar. Pegando várias caixas espalhadas que estavam próximas a proa. E levando para a portinhola.

— Já que você não vai descer, pelo menos nos ajude.

Eu não me importei de ajudar. Eu precisava me movimentar também. As caixas eram pesadas desci as escadas com cuidado.

— O que está acontecendo lá em cima? – Meelo foi o primeiro a me perguntar.

— Uma inspeção. A guarda marinha está vindo. – Vi o seu rosto de transformar em preocupação.

Um dos homens, o barbudo desceu também.

— Preciso que todos vocês fiquem quietos. Não é normal uma inspeção no dia de hoje. Ainda mais sendo feita pela própria guarda marítima. Iremos esconder vocês, mas preciso que colaborem. Se os pegarem, não é só vocês que estarão com problemas. Não sei se Iroh explicou, mas os membros superiores do exército possuem carta branca para executar quem eles acham necessário.

Ouvir ele dizer isso, só me fez ficar mais empolgado.

Empilhamos as caixas em frente a eles, e outro homem veio trazendo uma caixa com um cheiro bem peculiar.

Quanto mais perto ele se aproximava, mais o cheiro ficava insuportável.

— Que porcaria fedorenta é essa? – Eu disse tampando o nariz.

— Nossa distração.

Sina e Meelo, também pareceram incomodados com o cheiro. Suni, mal prestava atenção em tudo o que acontecia.

Depois de tudo organizado. Fiz menção a subir de novo, mas, o barbudo me impediu.

— Fique aqui, será mais seguro.

Isso me fez ter um lampejo de raiva.

— Eu disse que não.

O homem coçou a cabeça. Foi até uma das caixas e retirou algumas roupas.

— Pelo menos vista isso.

Eu peguei sem pestanejar.

— Claro.

As roupas eram compostas por um camisão que um dia foi branco e um chapéu de palha velho. Ele também me pediu para tirar os sapatos e ficar descalço. Assim quando eu estava pronto , subi novamente.

No horizonte era possível ver um grande navio com as cores da União do fogo. Quanto mais nos aproximávamos, maior ele ficava. Era um dos maiores navios que eu já havia visto.

— Eles vão embarcar, por isso garoto. Fique quieto e olhe para baixo quando olharem para você. Responda só quando for perguntado.

Eu apenas confirmei com um sorriso.

— E se perguntarem qualquer coisa, sei que não é burro, e dará respostas conforme o necessário.

O tom dele me irritou, mas naquele momento não tive alternativa a não ser em concordar.

Eu tremia de expectativa, assim quando o barco parou, eu senti o calor percorrer o meu corpo, e as vozes começarem a ficar mais altas.

— Queime tudo. – Eu ouvia no funda da minha mente.

Desembarcaram duas pessoas. Dois homens, usando uniforme nas cores preto e vermelho, com ombreiras com duas marcações douradas. Isso significava que eles eram um pouco mais que simples marinheiros. Eles também usavam quepe com o símbolo da União do fogo.

— Senhor? Me desculpe a pergunta, mas hoje não é dia de inspeção. – Falou o barbudo

Um deles, o soldado mais alto, deu voltas no convés, sua expressão era de nojo.

— Um barco pesqueiro. Preciso da sua licença de pesca. E a de posse do barco. – Disse o que estava parado.

O velho barbudo foi para dentro do barco, e voltou de lá com alguns papéis. E entregou ao guarda e esperou.

O homem olhava os papéis com descrença. Quando ele finalmente olhou para mim.

Apesar de ser um dobrador de fogo, eu não me assemelho em nada com esse povo. Meu cabelo é de um tom castanho claro, quase loiro, e meus olhos são azuis.

— Quem é esse? – Ele pergunta ao barbudo.

— Ah, esse? È o meu sobrinho, ele está me ajudando.

— Sobrinho?

Ele olha para mim e o velho, procurando alguma semelhança.

— Ah, sabe como é, somos de Jang Hui, e lá temos muito descendentes de estrangeiros que vieram antes da revolução.

O guarda me encarou mais um pouco e parecia que havia se convencido.

— Aquela vila ainda existe? Achei que havia afundado na lama com todos os seus ratos.

O velho pareceu ficar irritado. O vi apertando as palmas das mãos para conter a raiva.

— Bem, o senhor pode continuar com a inspeção? -- Ele disse secamente.

— Estamos aqui para isso.

Ele andou mais um pouco antes de apontar para a portinhola.

— O que guarda lá em baixo?

— Suprimentos, equipamento e um pouco de peixe em conserva.

— Abra.

O velho chamou o outro pescador, que logo abriu a portinhola. O cheiro de peixe estragado invadiu o exterior, fazendo com que os guarda tampasse o nariz.

— Que porcaria é essa?

— Eu não disse, peixe em conserva.

Eu não havia percebido que segundo guarda ainda me encarava. Diferente do outro, esse olhava tudo com mais desprezo, como se fosse um soldado que havia sido rebaixado.

— Eu acho que eu já o vi antes. – Ele finalmente disse.

— Se o senhor passou por Jang Hui, provavelmente você já me viu. – Eu disse com um tom ameno.

— Não. Eu nunca estive naquele chiqueiro. Foi em outro lugar.

Eu não sou muito bom em decorar rostos que eu apenas vi uma vez, mas naquele momento eu só consegui lembrar daqueles olhos dourados repletos de terror, quando eu queimei o barco deles. O meu fogo azul refletidos neles e a expressão de dor que veio logo em seguida. Aquele soldado estava presente no meu sequestro.

Achei que não existia uma forma de eu me sentir mais eufórico, mas naquele momento nenhum exercício do tratamento iria me impedir.

— Você? – Eu disse alto para todos ouvirem. – Eu também conheço você!

O reconhecimento o atingiu em cheio.

Suas pernas tremeram, e ao meu aproximar ele caiu no chão.

— Fique longe de mim.

O outro guarda ainda não estava entendendo.

— Se recomponha, Matsu. Você já foi um tenente respeitável. – Ele gritou.

Eu retirei o chapéu e eu já estava sentindo o calor emanando das minhas mãos. Seria um prazer enorme vê-lo se contorcendo no chão novamente. Deixei um raio passar entre os meus dedos.

— É ele! O de Republic City! O dobrador de fogo azul.

O outro guarda parecia desacreditado.

— Eu disse para o Jain que você ainda não estava bem! Você ainda sonha com aquela catástrofe.

— Não! Ele é real! Ele está aqui! É esse garoto.

O guarda realmente pareceu envergonhado. E suspirou.

— Isso não dá para continuar assim. – Ele pegou os papéis e carimbou com alguma coisa. – Vocês podem ir, a inspeção acabou.

E tudo isso me deixou frustrado. O guarda, que se chama Matsu, foi arrastando o outro que não parava de tremer para fora do barco.

Quando eles já estavam longe, o velho barbudo, me encarou.

— Eu não posso acreditar que Iroh, está fazendo isso comigo! Eu bem que estranhei quando ele disse que precisava fazer pessoas entrarem. Ninguém nunca faz isso, ninguém quer entrar na União do fogo. Todos querem fugir de lá. Eu sabia que tinha alguma coisa errada.

E realmente tinha. Mas, isso não importava mais. Eu me sentia frustrado e toda a minha felicidade inicial estava dissipando.

— Quanto tempo para chegarmos? Não aguento mais ficar aqui. Não aguento mais esse barco, não aguento mais o mar.

O velho coçou a barba. E me ignorou.

— Iroh, está me devendo muito! Isso saíra muito caro para ele. Não importa quantas vezes ele me ajudou no passado! Quantas vezes ele me livrou de inspeções e problemas, nada chega perto do problema que ele quase me arranjou!

Isso me acendeu uma curiosidade.

— O Tio Iroh, ele fugiu da União do fogo. E vocês eram amigos?

— Amigos? Nós servimos juntos no exército, éramos quase irmãos.

— Exército?

— Sim, ele não disse? Diferente dele, eu não levava jeito para isso, mas ele havia conseguido um alto cargo no escalão do governo. Acho que quase chegou a general.

Isso era realmente uma novidade. Nunca vi o pai de Mira, como nada mais que um ferreiro. E os motivos que o levaram a fugir daqui, me faziam ficar mais curioso.

Depois de toda aquela tensão. Eu finalmente estava mais calmo. As vozes não me atrapalhavam mais e o velho havia parado de reclamar. Foi quando eu olhei para o horizonte e vi a tão temida capital da União do fogo. Finalmente as coisas iriam começar a esquentar de verdade.