Mira

Dobrar o fogo é estranho.

Riku faz tudo com tanta facilidade que ao tentar imitar, eu me desespero um pouco e queimo levemente as mangas do casaco que eu uso. Eu retiro o casaco e o jogo para longe.

Eu respiro fundo e tento novamente.

O fogo do Riku é lindo. Azul, ele ilumina todo o nosso redor com essa cor. Trazendo um pouco de luz para o lugar que já está escuro. Eu olho para o céu.

— Ou eu perdi a noção de horas, ou tem alguma coisa muito errada com o céu. -- Eu falo para o Riku que também olha para cima.

Não é um céu de tempestade. Isso eu posso garantir. É um cinza estranho, que cada vez fica mais escuro.

— É o vulcão. -- Ele aponta para o alto. O vulcão já está coberto por nuvens escuras, por isso não consigo ver da onde vem.

— É como disseram, ele está cada vez mais ativo.

— Mas, será que corre o risco dele entrar em erupção?

— Perguntou para a pessoa errada. Talvez Suni conseguisse prever.

Falar da Suni me dá ansiedade. Toda hora eu olho para o caminho do vulcão com a esperança de ver ela e o Meelo retornando.

Eu tento me concentrar novamente. Eu preciso me concentrar para ajudá-los. Ajudar a todos.

Normalmente Riku se move rapidamente, é difícil compreender seus movimentos. Só que dessa vez ele faz todos os movimentos devagar. Só que mesmo assim eles são confusos.

Já assisti outras pessoas dobrando fogo antes. E posso dizer que são semelhantes, só que Riku, eu não sei dizer... O jeito com que ele se move não é ordenado. São movimentos quase que imprevisíveis. Eu olho tentando imitar, mas é difícil.

Eu o vejo respirar profundamente. Ele não é uma pessoa paciente, por isso sei que ele está se esforçando.

— Você não está prestando atenção direito. Você tem uns movimentos engessados. – Ele coça a cabeça e parece tomar cuidado com o que diz.

— E você é um péssimo professor. – Eu digo abruptamente.

— Sim, péssimo. Isso eu sei. Mas, sou o único disponível no momento.

Eu não deveria ter dito isso. Ele está dando tudo de si para me ensinar. E eu tenho que ser mais grata a isso. Mas, é difícil pensar em tudo. Tento me concentrar mais, deixar os problemas fora disso. Respiro novamente.

Não percebo quando ele se aproxima. Ele se posiciona atrás de mim. Ele é um pouco mais alto que eu, mas não muito. Posso ouvir ele respirar perto do meu ouvido.

— Se concentre. – Ele diz enquanto pega os meus braços.

É difícil se concentrar com ele tão próximo. Mas, eu deixo que ele guie os meus braços.

Os movimentos desordenados, não são tão confusos assim. Parecem imprevisíveis, mas eu consigo notar um padrão.

— Agora deixe essa energia fluir até a palma da sua mão.

— Energia?

Sim, eu consigo sentir. Um calor que irradia por todo o meu corpo. Eu consigo guia-la até as minhas extremidades.

— Viu você conseguiu.

Ele me solta e eu consigo ver a tímida chama se formar na palma da minha mão.

— Mas, ela é tão pequena.

— O principal já está feito. Você sabe que nosso principal combustível são as nossas emoções. Faça a mesma coisa novamente, só que dessa vez deixe suas emoções fluírem junto com essa energia.

Riku se afasta, e eu consigo repetir seus movimentos com mais facilidade. Emoções fluírem com a energia. Será que é como pensar na cabeça de alguém enquanto chuta uma bola? Certo vou tentar.

Há muitas emoções reprimidas no momento. Desde que me lembro por gente eu tento reprimir um pouco da raiva. É até engraçado pensar nisso. Mira, reprimindo a própria raiva? Dizem que e tenho o pavio curto. Que não fujo de uma briga. Mas, isso é só a ponta do iceberg. Isso é apenas o que deixo transparecer.

A raiva me inunda por um segundo. Sinto-me aquecida. A energia está por todo o meu corpo. E assim como antes, eu a guio até meus braços, e depois até minha mão. A chama que se forma , aumenta a cada segundo.

— Agora tente manipular, jogue toda essa energia contra mim.

Sim, é quase como a manipulação de água, só que sinto que essa conexão pode acabar a qualquer momento. Por isso rapidamente faço como ele diz.

Quase como uma explosão, todo o fogo se choca contra o corpo de Riku. É forte posso sentir o calor daqui. Só que eu não preciso me preocupar. Ele é o Riku. O dobrador de fogo mais forte que eu conheço.

O fogo se dissipa rapidamente, Riku conseguiu controlá-lo a tempo. Quando a fumaça se esvai eu consigo ver um sorriso orgulhoso em seu rosto.

— Você conseguiu. Isso foi fantástico. Por pouco eu não consigo me defender.

Ele se afasta mais ainda.

— Agora eu quero que você me atinja com mais força ainda.

— Tem certeza?

— Confie em mim. Quando eu não conseguir mais suportar é por que você conseguiu.

Eu queria que tudo fosse assim tão fácil. Eu perdi a noção do tempo, mas quando o meu estômago começou a roncar é que percebi que já havia passado horas.

Sina apareceu depois. Ele parou assim que viu um dos meus ataques. Eu tentei colocar todas as minhas emoções naquele movimento. Mas, assim como os outros. Riku conseguiu se defender com muita facilidade.

— Já se passaram quase 5 horas, imagino que estejam com fome.

Sina carrega uma espécie de cesto, ele está coberto por um pano. Lá dentro há três latas.

— Comida enlatada. È só o que tem por aqui.

Eu não sei sobre eles. Mas, grande parte da minha vida, eu sobrevivi comendo esse tipo de comida. Não havia tantas opções assim na cidade da fuligem. E meu pai por trabalhar em uma das fábricas, sempre trazia latas como essa para casa.

Nos sentamos no chão mesmo. E Sina entregou uma lata para cada.

— Eu só ainda não entendi como se abre. – Ele falou.

— Isso só mostra como você é um burguês privilegiado. – Riku disse.

Sina pareceu não se importar. Mas, prestou muita atenção quando eu peguei a pequena haste de metal que estava debaixo da lata.

— É assim que se abre comida entalada.

Eu coloquei a haste em um dos buracos e girei, até que o metal de cima começasse a enrolar em volta dela.

O cheiro de peixe era familiar. E isso fez a minha boca encher de água. Tanto eu como Riku comemos rapidamente.

Isso me deu uma força a mais para continuar treinando.

— Obrigada Sina. – Eu me virei para ele, que ainda tentava comer o peixe.

— É o mínimo. Depois de ser inútil todo esse tempo. -- Ele disse com pesar.

Às vezes eu olho para o Sina, e não consigo mais enxergar como ele era antes. Como as coisas mudam. Eu já cheguei a odiá-lo. E agora ele é um dos meus maiores aliados, talvez até um amigo.

— Obrigada. – Eu falo de novo – Por tudo, não só por isso. – Eu continuo.

Ele não responde, parece perdido em seus próprios pensamentos.

— Obrigada. – Riku diz também.

E isso tira Sina do transe.

— Achei que nunca iria ouvir você agradecendo alguém. – Ele diz com um meio sorriso no rosto.

Riku fica levemente vermelho, isso não parece ser uma coisa que acontece muitas vezes.

Os dois possuem uma relação antiga. Se eu pudesse fazer uma comparação. Eu os vejo como irmãos. Não sei se Riku enxerga Sina assim. Mas, sei que existe algum tipo de amizade entre esses dois.

— Certo. – Riku se levanta e chuta a lata para longe. – Temos que voltar a treinar.

Eu apenas aceno, e me levanto.

Meelo

Eu estou jogado no chão. Sinto uma dor muito forte do meu lado esquerdo, tenho certeza que tenho algumas costelas quebradas. Me sento no chão. E a vejo, seus olhos não estão com o brilho de sempre, mas tento me ater a esperança de que ela ainda está lá.

Minha túnica está coberta de pequenos pontos vermelhos. Apesar se ela estar coberta de terra, o sangue é bem visível. Posso até sentir o sangue escorrer de um dos braços. Provavelmente alguma perfuração. Tento afastar a dor, como em uma meditação. Mas, está cada vez ficando mais difícil. Me sinto cada vez mais fraco...

Me levanto, tento me manter em pé. Mas, o mundo está começando a ficar torto, aos poucos ele começa a girar.

Mais uma vez sou atingido, dessa vez uma rocha gigante se desprende do chão e atingi minha barriga. O gosto metálico do sangue é imediato. Eu caio de joelhos. E tudo fica escuro por um segundo. A única coisa que eu quero no momento é manter a consciência.

Haru.

Ele não revida como deveria. Ela está acabando com ele, não deveria ser assim. Será que ele prefere morrer a enfrentar uma amiga? Talvez isso tenha alguma coisa haver com algum preceito dos monges do ar? Eu realmente não sei. Mas, até para mim, está ficando difícil de ver. Apesar de tudo, eu sou justo. Um avatar justo.

Justiça. Tudo isso é por justiça afinal. Por tudo o que eu passei, por tudo que as pessoas que eu amo ou amei passaram.

— Pare. – Suni para abruptamente. Ela estava pronta para acabar com isso. Eu percebo as lágrimas que caíram do seu rosto nos últimos momentos.

Meelo já está desacordado. Há vários ferimentos em seu corpo. E ao colocar minha mão em seu corpo, eu sinto seus pulmões aos poucos perderem o ritmo. É parece que não resta muito tempo para ele. O ideal seria enviar o seu corpo para o seu pai. Para que ele entenda as consequências de todos os seus atos. Afinal, ele apoiou tudo o que fizeram comigo para conseguir ter um filho dobrador. E seus desejos se tornaram realidade, as custa de toda a dor que eu passei.

Mas, não há tempo para isso. O tempo está passando.

Kieran está agitado. Por isso eu demoro em perceber que nossa ligação está só por um fio. Mas, por algum motivo eu não consigo reforçá-la. Isso foi um erro meu, dar tanta liberdade para ele. Mas, no fundo eu sinto que as coisas deveriam ser assim.

— Você pode levá-lo para ela se quiser. Quem sabe ele consiga sobreviver?

Ele não me esperou terminar e logo correu para cima do garoto. Kieran aproximou a cabeça do peito de Meelo e se concentrou.

Ele está ouvindo os batimentos. E sua preocupação domina todos os seus atos.

— Eu posso mesmo? – Ele pergunta.

Eu dou de ombros.

—Tanto faz, é a sua escolha.

Eu me sento novamente em uma rocha e o observo carregar o dobrador de ar, sem jeito, ele não consegue colocá-lo em uma posição confortável.

— Quem sabe você não termina de matá-lo? Carregando uma pessoa ferida dessa forma...

Sinto sua raiva por mim evoluir.

— O tempo passa rápido, principalmente para quem está com a vida por um fio.

Essa situação está ficando chata.

Olho para a garota, ela está imóvel. Nossa ligação está bem forte no momento, Por isso a deixo apática, para que seus picos de adrenalina não atrapalhem esse elo.

Sinto um tremor característico, mas não sou muito bom em sentir a terra. Já tentaram me ensinar antes. Ensinar seria um eufemismo, eles me torturaram para que eu aprendesse, mas foi inútil, e isso explica as cicatrizes que tenho nos pés.

Olho para a Suni. Ela é boa nisso,quase tão boa quanto a grande Toph foi.

— O que está acontecendo?- Eu pergunto a ela.

Enquanto isso, Kieran conseguiu levar o garoto, eu não consigo mais enxergá-los.

— O vulcão. – Ela se limita a dizer.

— Isso eu já sei, só um cego não veria a grande quantidade de fumaça. Eu só quero saber quanto tempo temos?

— Dificil saber, mas a quantidade de lava é anormal para um vulcão desse porte. – Ela diz como uma especialista.

— Alguma previsão?

— Talvez, tudo isso — Ela aponta para aonde estamos – Esteja coberto de lava amanhã.

Eu passo a mão pelos meu cabelos, coloco ele para trás. Isso explica o calor que estou sentindo, mesmo para um dobrador de fogo, isso aqui está beirando quase o insuportável.

Preciso conversar com Vernon, depois de tudo isso acabar, pretendo sair daqui o mais rápido possível, deixar esse povo, com todo o carma que ele merece.

Sina

O ar daqui é rarefeito, isso foi a primeira coisa que eu notei. Porém fica ainda mais difícil respirar conforme o tempo passa. No passado eu poderia analisar todas essas condições climáticas e definir o que fazer conforme o tempo.

Parando para pensar , eu já fui uma pessoa muito organizada, deve ser por isso que fui escolhido para trabalhar na função que me deram, a frieza com que eu lidava com todos a minha volta, com certeza foi crucial para essa decisão, mas a organização foi com certeza o principal motivo. Talvez eu consiga fazer alguma coisa com isso? Ajudar de alguma forma, ser menos inútil.

Vamos analisar tudo. Todos os motivos, por que Haru está fazendo isso? Claro, além de ser um tipo de psicopata vingativo. Certo, vingança, mas, será isso mesmo? Por todas a informações que tive com a Mira, e com alguns arquivos governamentais, eu diria que é isso . Mas, algo não parece muito certo. Algo que a Mira não está dizendo.

Eu os olho treinando com muito afinco, Mira, tal qual como Riku, é uma excelente dobradora e aprende tudo com uma velocidade impressionante. Acho que todos os avatares da história são assim. Avatar, talvez eu possa começar por aí. Eu nunca fui um apreciador dessa parte da nossa história. Acho que por ser um pouco cético, eu nunca acreditei de verdade no mundo espiritual, mesmo que eu tenha provas diante dos meus olhos. Eu nem existia quando os portais foram fechados, e a avatar Korra tenha morrido nesse processo. Mesmo trabalhando com outros dobradores, eu sempre me foquei na parte racional das suas existências.

Avatar Haru, como o Avatar Aang ficou anos inativo em um bloco de gelo, só que há diferenças importantes entre eles. O do Avatar Aang foi um evento natural, dizem que predestinado. O tempo de 100 anos não alterou nada em seu corpo ou personalidade. Já Haru, foi uma situação planejada, mesmo que não seja por sua escolha, foi pela de outros humanos. E as alterações na sua personalidade são visíveis. Por isso, será que há alguma mudança no seu corpo? E pensando mais, a existência de Mira, não coloca em risco a sua própria?

Talvez exista alguma coisa aí, alguma coisa que podemos usar contra ele.

Eu fico encarando o horizonte, pensando e repensando. Coloco as duas mãos na cabeça. E repasso todos os acontecimentos, desde que Haru acordou.

Olhando para o horizonte, eu noto alguém se aproximando. Forço os meus olhos e o encaro. Kieran?

Mira e Riku param de treinar na medida que ele se aproxima. Ele não está sozinho. Ele carrega alguém com dificuldade. É o Meelo?

Mira

Treinamos mais um pouco. Sina parece nos observar de longe, com uma expressão distante, ele parece estar muito concentrado nos próprios pensamentos. Eu estou pronta para acertar Riku de novo, quando ele para abruptamente.

— O que foi? Já está cansado? -- Eu o provoco.

Mas, ele está olhando para além de mim. Seu rosto não parece demonstrar nada. Eu viro para trás, e finalmente vejo.

Meu coração se enche de medo, ele não tinha me dado tempo? Por que esse cara está aqui? Mas, quando eu olho um pouco melhor, eu tremo.

Medo, angústia, é um sentimento bem distinto mas bem parecido. Igual eu senti com Hina.

— Meelo? -- Eu o chamo.

O garoto parece impassível. Ele apenas caminha com Meelo em seus braços. Ele para próximo a Sina e coloca Meelo no chão.

Meu primeiro instinto e correr até ele. E é o que eu faço.

Riku também corre. Só que eu sinto o calor que emana dele. Ele está pronto para atacar.

— Esperem. -- o Rapaz grita, enquanto coloca as mãos para o alto. -- Ele está vivo. Eu fiz de tudo para que ele continuasse respirando.

Sina se coloca entre o rapaz e Riku.

— Deixe que ele fale, e além do mais, Meelo precisa de cuidados.

Eu me abaixo e toco o seu rosto. Ele está quente, seus lábios estão roxos e sujos de sangue, há vários ferimentos em todo o seu corpo.

— Foi Haru? Ele que fez isso?

O rapaz me olha com um pesar, que parece genuíno.

— Acho que se fosse só o Haru, ele teria revidado, teria feito algo.

Eu não consigo entender, Meelo apesar de ser filho de um monge do ar, ele revidaria, principalmente para proteger Suni. E falando nisso...

— Onde está a Suni. -- Eu olho para ele.

O olhar do rapaz parece ainda pior.

— Suni, cadê a Suni? Ela está bem? Não está? Ela está vindo logo atrás. Não é? -- Eu tento me encher de esperanças.

— Ela está viva. Mas...

— Mas, o que? - Eu me levanto, e o pego pela blusa. — Mas, o que? -- Eu repito.

Ele suspira.

— Eu não sei como funciona, mas ela está em uma situação parecida com a minha.

— Parecida com a sua? -- Sina questiona.

— Ligado a ele... -- Ele diz

— Ligado a ele? O que isso quer dizer? -- Sina pergunta.

Claro que eu sabia o que era. Eu vi isso. Eu vejo isso. A ligação espiritual, que faz com que ele controle quem ele quiser.

— Então, foi Suni que fez isso a ele? -- Eu olho atordoada.

— Ele nem se mexeu, tentou trazê-la de volta, mas isso é impossível.

Eu sinto Meelo respirar, ele reage ao nome dela.

— Mas e você? Você também está ligado a ele, como está fazendo o que bem entende? -- Agora e Riku que diz.

O rapaz dá de ombros.

— Eu, nunca tive muitas escolhas na minha vida. Sabe, eu não sei, mas de alguma forma Haru se identificou comigo. Ele me dá escolhas, mas ainda somos ligados.

Eu consigo ver um pouco dessa ligação, essas linhas que o ligam, mas, elas estão cada vez mais finas.

— Eu não consigo entender -- Sina fala.

O rapaz suspira, parecendo cansado e derrotado.

— Eu não sei. Haru tem o controle sobre mim, mas também me deixa uma margem liberdade limitada. Ele... parece se divertir com isso, ou algo parecido. Assim, ele permitiu que eu o trouxesse.

Eu só consigo sentir cada vez mais raiva. Raiva de Haru, mas também raiva de mim. Eu tenho a impressão que tudo isso foi por minha causa, tudo acontece por mim. Por isso só eu consiguerei resolver esse problema.

Acho que nosso tempo está acabando. Não tem mais como fugir.

Eu suspiro.

— Acho que eu estou pronta. -- Eu digo sem firmeza nenhuma.

Sina e Riku me olham, sinto a incerteza emanar deles.

Levamos Meelo até a cabana. Ele está bem ruim, precisa ser ajudado agora.

Meelo respira com dificuldade, sua consciência vai e vem. Porém, nesse lugar quase inospito não temos muitas opções. Sina o ajuda com torniquetes nos braços e pernas, limpa seus ferimentos.

— Infelizmente sem remédios será difícil conter uma possível infecção. -- Ele diz.

Uma coisa que eu gostaria de ter aprendido, era cura por dobra de água. Eu até tento fazer alguma coisa, mas a conexão é instável demais.

— Deve ser por causa do espírito da água. Haru o absorveu. -- O rapaz diz sem mais nem menos.

— O que? -- Isso era uma coisa que eu já sabia, mas ouvir da boca de outra pessoa, faz parecer mais real.

— Sim, igual com os outros dois. Terra e ar.

Mas, apesar disso eu me pergunto : Absorver espíritos, isso é possível?

Quando eu senti o poder do espírito da água pela primeira vez, eu me senti inundada por ele.

— Como ele está aguentando? É muito poder. -- Eu pergunto tentando entender como isso aconteceu.

— Eu não sei dizer. Algumas vezes parece que tudo vai explodir, desmoronar. Mas, ele consegue controlar tudo.

Isso não explica muita coisa... Mas, com os desequilíbrios que temos presenciado nos elementos, a forma como Haru pode manipulá-los com tanta intensidade. Murmuro para mim mesma. No fundo parece que já sei a resposta.

Queria que Meelo estivesse bem, ele seria a melhor pessoa para falar sobre isso, talvez até soubesse como usar essa informação.

Mas, infelizmente terei que ir sozinha. Não posso colocar mais ninguém em risco.

De repente Riku se aproxima de Meelo, e com as mãos incandescentes estanca a maioria dos ferimentos. Meelo grita de dor e Sina tenta contê-lo.

— Fogo também pode ser uma forma de cura. -- Ele diz -- Eu aprendi da pior forma.

— Kieran? -- Sina de repente fala o nome do rapaz que eu ainda não havia decorado.

— Sim?

— Varrick, ele ainda está com Haru?

— Varrick? -- Ele parece pensar. -- Ah, sim. O homem que está sempre atrás de Haru. -- Eu não sei bem sobre ele, só que ele nos trouxe até aqui.

Eu nem me lembrava desse homem, nos encontramos poucas vezes, mas, ele sempre está com Haru, como uma sombra.

— Haru o trata como um imprestável. Eu sinto seu desprezo pela ligação. Não sei como ele ainda o segue para lá e para cá.

Sina parece ter focado muito nessa informação.

— Sabem o que dizem sobre Venon Varrick, a ovelha negra da família Varrick, ele venderia a própria mãe para saciar sua excentricidade.

Riku parece meio alheio a toda essa conversa. Ele foca em mim, parece querer dizer alguma coisa, mas não diz nada.

Quando Meelo já está estabilizado, eu saio da cabana, olho para o céu cada vez mais escuro.

— Mira, eu estive pensando... Talvez seja arriscado para você enfrentar Haru sozinha. Ainda mais com esse lance dos espíritos. Eu tento entender seus sentimentos, mas eu não posso deixar você correr esse risco sozinha. -- Ele está olhando no fundo dos meus olhos.

Venon Varrick

Eu estou sentado aguardando, e só o que eu posso fazer. Eu tento ser útil, mas parece que nada é suficiente. É como meus irmãos dizem. “Você é um pedaço de lixo, ocupando espaço na terra”. E é assim que me sinto, nesse momento.

Achei que estava vivendo um sonho. Ajudar o meu ídolo, ser seu amigo... Mas, parece que só eu tenho essa visão.

Lembro-me de quando o vi pela primeira vez. Eu ainda era uma criança, desprezada pela família, eu o vi em uma demonstração de poder. Meu pai, meus irmãos não pareceram nada surpreendidos por ele, porém, eu nunca havia visto algo como aquilo. Ar, terra, fogo e ar. Fui criado para desprezar dobradores, mesmo o meu pai com o seu papel com a avatar Korra, ele havia nos ensinado a não depender dos dobradores, mesmo nos negócios, ele os chamava de recursos escassos.

E na loucura que o levou a morte, mesmo dando valor a energia espiritual, ele nunca deu valor ao Avatar em si.

Por isso, acho que tive curiosidade sobre aquele garoto, que mesmo na minha idade, podia fazer coisas incríveis. Eu o observei de longe por muito tempo, e isso me fez ver a deterioração que ele passava. A admiração virou empatia, e mesmo nos seus piores dias, eu o observei. Quando ele desapareceu, eu resolvi patrocinar um grupo que estava se formando. A UCG não foi criada por mim, mas ela não seria o que é hoje sem minha ajuda . Os vídeos que eu consegui, o dinheiro, a lavagem mental, foi tudo necessário. Para esse momento, e quando ele voltou pareceu que tudo o que eu fiz, havia dado frutos.

Mas, eu não me sinto mais assim. Aos poucos Haru só parece um investimento que deu errado. É frio pensar assim, acho que é, acho que isso é uma coisa comum entre os Varricks, isso me faz parecer mais com o meu pai do que eu imaginava.

— Você está aí. -- Haru diz com desprezo.

Ele não teve nem a audácia de fazer uma ligação espiritual comigo, ele acha que eu farei tudo o que desejar. Talvez no passado, isso aconteceria, mas por valor a minha vida, eu tento agir como sempre.

— Sim, senhor Haru. -- Eu digo como um criado obediente.

Ele nunca consegue me olhar diretamente por mais de 10 segundos. Mesmo no passado quando ele parecia feliz com a minha ajuda, com o meu apoio, eu nunca senti sinceridade nas suas atitudes.

A garota, chamada Suni, está atrás dele. Seu olhar e vazio. Talvez seja melhor que não tenhamos nos ligado espiritualmente.

— Amanhã, irei me encontrar com a Mira, mas quero que Lokin ou qualquer outra autoridade, esteja presente.

Lokin está metido em seus próprios problemas, acho difícil ele querer ir, em qualquer coisa que não seja sua rebelião, mas não tenho muita escolha.

— Claro, falarei com ele.

— Bom, vou descansar. Melhor poupar qualquer energia. Eu confio em mim, mas não confio nele. -- Ele fala como se eu conseguisse compreender.

Ele some nos meios dos escombros. A destruição que ele deixou para trás não me choca.

Tento falar com Lokin no comunicador, mas ele me ignora, no final das contas ele me vê como Haru.

Um pedaço de lixo, ocupando espaço na terra, há alguém no mundo que não me vê assim?